Marcatti
Foto por: Lucas Lima/VICE

FYI.

This story is over 5 years old.

quadrinhos

Marcatti

A década de 80, no Brasil, foi um dos períodos mais criativos e prolíficos para os quadrinistas ditos marginais. Mas ninguém abraçou com tanta paixão o espírito underground e a ideia de faça-você-mesmo quanto Francisco de Assis Marcatti Jr., o Marcatti.

A década de 80, no Brasil, foi um dos períodos mais criativos e prolíficos para os quadrinistas ditos marginais. Mas ninguém abraçou com tanta paixão o espírito underground e a ideia de faça-você-mesmo quanto Francisco de Assis Marcatti Jr., o Marcatti. Na contramão da moral e dos bons costumes, Marcatti preferiu a escatologia, o mau gosto, as nojeiras, o terror, as taras, o submundo urbano e as perversões mais plurais e estranhas como temas — como sexo geriátrico e podolatria skinhead gay.

Publicidade

Quando nem os punks sabiam direito o que era uma porra de um fanzine por aqui, no final dos anos 70, Marcatti já dava conta de todo o processo criativo e industrial de editoração. Ele publicou ininterruptamente 38 revistas ao decorrer de praticamente uma década, vendendo-as ele mesmo via correio ou de mão em mão, em portas de cineclubes, casas de shows, bares, teatros, lojas de discos e boates de São Paulo. Os títulos traziam nomes impagáveis como Mijo, Lôdo e Tralha.

1549293812921-468f401cc309ec237f34324383beae7f

Marcatti em sua oficina. Foto: Lucas Lima/VICE

De lá pra cá, uma fase mais madura sua e calcada, sobretudo, na musicalidade dos roteiros, pode ser conferida em obras como Mariposa, Desventuras de Frauzio e a adaptação do clássico literário de Eça de Queiroz, A Relíquia. Nesse meio-tempo surgiu a parceria de Marcatti com a banda Ratos de Porão, para quem desenhou e roteirizou, a quatro mãos com João Gordo, duas revistas em quadrinhos e as capas dos discos Brasil (1989) e Anarkophobia (1990), além da coletânea Só Crássicos (2000). Numa tarde de sol com chuva, Marcatti nos recebeu em sua casa, no Tatuapé, onde mora com a família e quatro gatos, para um bate-papo rodeado de fumaça de cigarro, papéis rabiscados, peças de automóveis antigos e guitarras que ele mesmo construiu. VICE: Seus primeiros traços foram publicados onde?
Marcatti: Não foi em revista minha. Na década de 70, por conta da ditadura militar, as publicações eram feitas em diretórios acadêmicos, faculdades, essas coisas. Era aberto. Na verdade, eles eram escancarados [risos]. E numa reunião de uma dessas revistas, no caso a revista Boca, da FAAP… Escancarados, como?
Na própria revista eles publicavam, no expediente, o endereço e as datas de reunião, para que as pessoas pudessem comparecer com pautas, ilustrações… Fomos eu e um colega meu, muito amigo de infância, que desenhava junto comigo. Chegando lá, topamos com um monte de caras da nossa faixa etária, 14, 15 anos, e havia uns caras do Colégio Equipe. Esse povo estava fazendo uma revista também, lá pelo Equipe mesmo, que era a revista Papagaio. Inclusive, a turma que fazia essa revista foi uma espécie de embrião do Titãs, porque faziam parte do time de produção Marcelo Fromer, Arnaldo Antunes… Deles, o Fromer era o mais ativo. Mas a revista era mais capitaneada pelo Paulo Monteiro, que hoje é artista plástico, e o Antonio Malta, outro artista plástico extraordinário também, que faziam quadrinho. E o pessoal abriu espaço para a gente colaborar da mesma forma. E a Papagaio acabou saindo antes, em agosto de 77, com uma história minha. Meu desenho e minha história eram muito influenciados por um francês chamado Phillipp Druillet, da Métal Hurlant. Aquilo não tem absolutamente nada a ver com o meu trabalho, com o que eu viria a fazer, mas era aquela coisa de desenhar, experimentar. Até gosto daquela história, é meio depressiva… E o trampo na revistaBoca?
Aí em 79 a Boca publicou minha segunda história em quadrinhos, e a evolução em direção ao meu traço característico até que foi rápida, porque nessa história o desenho já era muito parecido com o que faço hoje.

Publicidade
963424ae261fdab440d0540bf177966a

Essas histórias já traziam o espírito anárquico dos seus roteiros?
Não. Era tudo muito sério. E é engraçado porque, desde moleque, nunca gostei de ficção científica nem de super-herói, e essa história da Papagaio tem influência da Métal Hurlant. Até me encontrar no humor, que sempre foi pra onde eu pendia. Ao longo de 78 já fui meio que desenvolvendo essa coisa híbrida da minha obra, essa coisa dos traços infantis, personagens narigudinhos, olho grande, em contraponto às histórias de humor adulto. Como você chegou nessa estética de sombreado, risco forte?
Quem me influenciou muito no desenho foi o Gilbert Shelton. E ele tem essa coisa do nariz redondinho, elementos do quadrinho infanto-juvenil, digamos, traço grosso, olho grande. O conteúdo das histórias não tem nada a ver. E se você elencar todos os artistas que me influenciaram no desenho, os caras mais fortes sempre têm essa característica do desenho infantil. É claro, não fui um estudioso disso, mas as influências que me tocam são as marginais. Caras como o Moebius, pessoas que tocam por um motivo ou por outro, o Sergio Aragonés mesmo, que é talvez o menos "infantil" em meio aos meus influenciadores. Gosto de desenho bem gibizinho, só que super hachurado, super trabalhado na sombra. Você leva muito tempo para preencher uma página?
Porra nenhuma. Aliás, sou muito preguiçoso. Desenhar pra mim é extremamente prazeroso, mas é uma tarefa. Não faço estudo de personagem, nem esboços de enquadramento, nada. Tendo o roteiro na mão, flui. Onde mais invisto meu tempo, é elaborando o roteiro, história, condução. Quando vou desenhar, a história já está pronta na minha cabeça. Invento um cenário na hora, sem nem estudar a posição do personagem. E, apesar de ser uma arte escura e cheia de detalhes, desenho muito rápido. É muito mecânico. Não sou um desenhista primoroso, nem cuidadoso, entendeu? Não que eu não goste do meu desenho, que não goste de desenhar, muito pelo contrário. Mas se me comparar com um desenhista de fato você vai ver que os caras são muito mais elaborados e cuidadosos. E se você olhar com mais atenção o meu trabalho, vai reparar que tem quadrinhos que estão mal resolvidos anatomicamente, ou qualquer outra coisa. Mas pra mim o importante é contar a história, isso é o fundamental. Se aquele desenho que ficou meio tortinho resolveu a cena, pra mim está satisfatório. É um erro, na verdade, mas assim, pelo menos não perco o fio da história. Um dos seus personagens mais marcantes é o Frauzio. Como ele surgiu?
Personagem mesmo só existe um, que é o Frauzio. Os outros são protagonistas de tramas isoladas. É como num filme sem sequência, há os personagens daquela película e acabou. Mas então por que você quis desenvolver o Frauzio?
Então, na verdade ele é um truque. Pra mim, o Frauzio foi até um aprendizado. Como nunca havia trabalhado um personagem, em tantos anos de carreira, achava meio bobeira essa coisa que os autores diziam, que o personagem cria vida própria. Quando surgiu a oportunidade de fazer uma revista pela Escala, eu mesmo, na proposta, falei que não dava para fazer uma publicação mensal e em banca com histórias avulsas como sempre fiz, que seria legal criar um personagem. Aí o editor questionou. Respondi que não precisava desenvolver um personagem, era só inventar um truque. Como eu criava um personagem para cada história, tive a ideia de desenhar sempre o mesmo cara naquelas situações e dar um nome pra ele. Ele poderia ser o que eu quisesse, cada trama seria uma trama sem relação uma com a outra. Quer dizer, na real era uma puta sacanagem [risos]. Então assim, o Frauzio nasceu do nada, não era pra ele ter personalidade definida, e seria esta minha saída… Aí o filho da puta criou vida própria?
[Risos] Pois é, criou! Isso que foi legal. Então eu estava profundamente enganado, os outros autores estavam dotados de razão quando diziam que os personagens lhes escapam ao controle, e que os putos realmente criam vida própria. Eu não conseguia mais criar uma história qualquer para encaixar ele, porque o Frauzio ganhou um perfil. Mas isso que é legal, foi muito engraçado. Quer dizer, a situação te forçou a começar a pensar numa coerência entre as histórias.
Exatamente. Lembro que, depois que terminou esta série da editora Escala, eu quis lançar por conta própria. Aí lancei aquele volume maior, que é o Desventuras de Frauzio. Eu tinha, nesse projeto, uma dúvida, se eu deveria fazer o Frauzio ou, como era um projeto já desvinculado da série, criar uma história completa para cada revista, desvinculada do personagem, sem relação uma com a outra. Fiquei então com esse conflito na cabeça, pensando como autor e editor ao mesmo tempo. Como editor, eu achava que precisava do apelo de um personagem central. Como autor, eu preferia o contrário. Nesse processo todo surgiu uma história, fui desenvolvendo um roteiro. No final das contas, resolvi colocar o Frauzio protagonizando. E aí o lance era só nomear o personagem e pronto. Na hora de avaliar o roteiro, repassar, fazer a quadrinização, percebi que muitas passagens da trama não combinavam com o perfil do Frauzio. Então precisei mexer muito no texto para alinhar a história ao perfil do Frauzio. Pra encaixá-lo nas situações. Quer dizer, a coisa tomou um rumo novo no meu processo de criação. Mas que Frauzio? Eu não criei esse cara! [risos].

Publicidade
343c0cb2a12238044d4a9fa4d3e0e498

E qual é o perfil do Frauzio?
Eu não sei, tem que perguntar pra ele, não pra mim [risos]. Porque não tenho controle sobre isso. Na hora de fazer as histórias fico pensando no que é e no que não é, o critério é flutuante. De certa forma mantenho um pouco a coisa de ele mudar de humor a cada história, tem horas que ele é mais desagradável, em outros momentos ele é mais leve. Mas isso todo indivíduo é. Tem dia que você está de saco cheio e é um grosso, e tem dia que você é mais gente fina. Mas isso não acontece com os autores de verdade. Esses caras elaboram melhor o perfil dos personagens das tiras e HQs, é algo que leva muito tempo. Normalmente a origem é muito simples, mas até o sujeito chegar à elaboração final, pode crer que se levou bom tempo. Você fazia parte de uma turma, um cenário, algo como os três amigos Angeli, Laerte e Glauco, que trocavam figurinha, inspiravam uns aos outros?
Não. Transitei por muitos grupos. Não sei se é perfil pessoal, se sou um cara muito antissocial, ou se é circunstancial. O que acontece é que todo esse povo, como eu falei, da Papagaio, da Boca, ou mesmo como é o caso da Balão, eles surgiram de grupos fechados. Povo de faculdade, de escola. E as amizades que você faz na escola geralmente são as que mais duram. Na escola em que estudei não havia quem desenhasse, existia sim um cara, que é aquele que foi comigo à reunião de pauta da Boca, o nome dele é Marcelo Barroso, ele teve problemas psicológicos, adoeceu, e nunca mais tivemos contato. Quando comprei minha impressora, para rodar meus próprios quadrinhos, foi por dois motivos. Primeiro, porque fiquei apaixonado pelo esquema gráfico. Estudava no Senai, e comprei a máquina. Segundo, porque nessa época o que tentei fazer foi resgatar aquilo que a tal da abertura política de 79 desfez, que é a coesão das pessoas em pequenos nichos. Quando veio a abertura, acabaram as revistas de quadrinhos feitas em diretórios acadêmicos, porque aí qualquer um podia pegar seu dinheirinho e publicar. Foi aí que explodiu o fanzine no Brasil, o pessoal fazia as cópias em Xerox, virou uma coisa mais pessoal. Aquele espírito de união, de grupo, que havia, portanto, sumiu. E a diferença de idade que tenho dessa turma da Balão, da Boca, era suficiente para que eu não estivesse na faculdade junto com os caras. É a mesma geração, mas quatro, cinco anos de diferença de idade para quem está nesse interlúdio entre colégio e universidade, faz bastante diferença. Se eu tenho 14 e você 18 anos, já é um abismo entre dois mundos. Agora, se eu tenho 44 e você 48, somos dois velhos e foda-se [risos]. Você é um pioneiro do conceito de faça-você-mesmo no Brasil. Não conheço um exemplo anterior a você, no âmbito editorial, que tenha tido tanto êxito. Apesar das reduzidas 1.000 de cada publicação, em média, você foi o cara que meteu a mão na massa mesmo. Como é olhar pra trás agora e pensar em todo o esforço de se auto-editar, qual o aprendizado maior que ficou?
Aprender a gente sempre aprende com a vida. Gosto muito de me avaliar, de exercer a auto-crítica. Experiência eu tenho aos montes. Sobre o faça-você-mesmo, vejo isso como uma coisa meramente técnica. Fazer você mesmo, todo mundo fez entre os independentes. Porque naquela época, início dos anos 80, ou os caras arrumavam dinheiro com alguém ou de alguma forma e iam lá pentelhar alguma gráfica, ou a loja de Xerox do bairro, enfim… A diferença é que eu sujei a mão de tinta. E não vejo isso como uma coisa racional, deliberada, tipo: "Eu vou fazer desse jeito". É uma questão de sobrevivência. O Senai, apesar de ser uma escola extraordinária, do ponto de vista de modelo educacional, apresentava metodologias muito fechadas. Com todo aquele parque gráfico que tem ali dentro, a gente passava por censura para produzir material, entendeu? Era uma contradição. Não dava pra gente fazer uma revista como a Papagaio, a Balão ou a Boca. Aí o que acontece? Você faz a conta. Aprendi a mexer com gráfica. Pra imprimir numa gráfica eu pagaria muito mais do que se eu mesmo imprimisse desde que eu tivesse uma máquina. E aí aconteceu de eu ter uma grana de herança, fui lá e deu justinho pra comprar uma impressora, tintas e papéis. Foi assim que começou. Se eu não tivesse adquirido uma máquina, não teria produzido 38 revistas. Tirei um proveito disso na medida em que, naquele período, tendo uma máquina, eu não precisava me submeter ao crivo alheio para publicar. Então eu imprimia as revistas, fazia as histórias, formatava e saia vendendo. Num período em que isso era tolerável, né? Hoje, se você sair oferecendo alguma coisa para alguém o cara chama a polícia. Ia na região do Bexiga, fui muito no Sesc Pompéia, rolava muito show e eu vendia na porta… Inclusive criei uma rotina: segunda e terça ficava em casa, era o meu fim de semana, e de quarta a domingo, a partir das 4h30 da tarde eu estava saindo pra ir a algum lugar vender. Normalmente, se não havia um grande show ou evento, meu ponto era na porta do cineclube do Bexiga, ali do lado do Café Piu-Piu. Entre uma seção e outra de cinema, ia no Piu-Piu. Então criei essa rotina de venda e fazia uma contabilidade, separava um dinheirinho pra comprar mais material e pra comer, pagar as contas. Durante uns três anos, no começo dos anos 80, posso dizer que vivi de quadrinhos. E esse período foi muito bom pra mim, para aprender a pensar como editor. Porque no comecinho, quando eu estava com uma revista impressa, enquanto eu vendia aquela tiragem, eu não tinha gaveta de outras histórias para publicar. Até então, eu havia acumulado várias histórias, logo as primeiras edições estavam garantidas, era mais uma desova. A partir do momento em que essas histórias ganharam a praça, tive que começar a fazer mais. Passei a formatar número de páginas, pensar em histórias que se casassem a cada edição. Todo meu método de trabalho hoje é fruto disso. Coisas que a gente estuda nos cursos de comunicação e você aprendeu na marra.
Total. Até mesmo a fazer conta, essa coisa toda de papel e tal. Outro dia eu estava falando com um editor e eu mencionei a conta de oito que a gente faz. Aí ele replicou: "Como é que você sabe disso?". Aí expliquei que era uma manha que eu tinha sacado. Porque pra você fazer orçamento de gráfica rápido, a fim de saber se ela é viável, é só pegar o preço da impressão, multiplicar por oito, e você terá mais ou menos o preço de banca. É um parâmetro, a conta real é mais complexa, mas pra ter uma noção ali na hora é só aplicar essa equação. Expliquei a ele que tinha chegado nessa fórmula pela experiência pessoal. Ninguém me contou que já haviam chegado primeiro nessa equação [risos]. E como foi o aprimoramento da edição, da distribuição? Sempre foi de mão em mão?
Sempre foi de mão em mão. Essa coisa de consignar não valia a pena. Em todos os lugares em que pus minhas revistas em consignação, nunca mais passei para pegar. Pra não dizer que nunca passei, as poucas vezes que fui, foram um tiro no pé. Porque minhas revistas eram simpáticas, eram bem acabadas, mas numa livraria, aquilo se perde. Porra, em meio a livros de capa dura, papel sofisticado, lombada num sei o quê, plastificados… E as minhas eram um monte de folhas de papel dobrado e grampeado com a capa colorida. A minha máquina não era lá essas coisas, então não tinha uma puta qualidade de impressão. Aquilo, assim, comparando aos fanzines, minha revista era maravilhosa, mas numa livraria aquilo era um lixo. Só a condução pra ir até as livrarias, o que você pegava de uma revista vendida, não pagava. Então achei melhor deixar como se fosse uma promoção, um lance pra divulgar o trabalho. Até porque pontos de venda, não eram muitos. O único período que deu lucro foi quando fizemos a revista do Ratos de Porão, em 92, 93. Banquei tudo da revista. Tive um apoio financeiro pequeno de dois patrocinadores, da gravadora Eldorado e do Turco Loco com aquela marca Vision, que patrocinava bandas. Era um dinheirinho pequeno, mas ajudava a pagar fotolito, essas coisas. Bom, a número 1 esgotou 3.000 exemplares em dois meses. Como? Só vendendo na Galeria do Rock. Fiz um displayzinho e punha em qualquer loja que tinha lá. O mais engraçado é que as lojas que mais vendiam RxDxPx eram as lojas que tinham menos a ver com punk. Havia uma loja de roupas meio dark que vendia muito. Eu deixava 10 exemplares e ia repondo semanalmente. Em umas três lojas eu passei a botar 20, porque chegava lá e não tinha, esgotava tudo. Realmente estava vendendo. Quase todas as lojas tinham nosso displayzinho na porta vendendo a revista. Pegava 60% da grana, o lojista ficava com 40%. Rolou até de o pessoal das lojas ligarem pra perguntar se não ia ter mais, quando sairiam as próximas edições. Nesse tempo rolou de uma editora entrar na parada e querer colocar na banca. Aí rolaram oito meses até que eles conseguissem colocar na banca, fizeram uma distribuição de merda, foi um tiro no pé. Puts, aí é uma longa história, o cara da editora era um grande filho da puta, ele matou a revista. Acho que sou muito mais conhecido por ter feito as capas de discos do Ratos De Porão, por ter colaborado com a Chiclete Com Banana e por causa do Frauzio. Noventa por cento das pessoas que conhecem meu trabalho não tomou contato com as revistas Lôdo ou Mijo, por exemplo, que foram as que me injetaram no cenário da época. Na verdade, sou conhecido, portanto, em grande parte, não pelos quadrinhos, mas porque as pessoas sabem que aquele cara que fez aquela bosta lá daquela capa era quadrinista [risos]. Virei muito mais um ícone do underground. A maior parte das pessoas que citam o meu nome não conhece os meus quadrinhos pra valer. Mas quando a gente fala em seu nome, o pessoal acena com a cabeça, como quem diz: "Ah, to ligado nesse cara".
Mas não manjam das histórias. Um exemplo é a minha história mais comentada no meio dos quadrinhos até hoje, que é a da Tia Surubinha. E as pessoas só se recordam porque foi publicada na Chiclete Com Banana. E o pior é que vivo recebendo e-mail perguntando em que revista que saiu a Tia Surubinha. Aí eu explico que essa história nunca foi publicada. Porque, na verdade, o nome dela é "Saudosa Velhota". Acho que quando eu reeditar essa trama vou ter que trocar o nome, porque pega melhor pelo jeito [risos]. A sua maior tiragem então foi a do RxDxPx?
Sim, pois as publicações totalmente independentes variavam em uma média de 1.000 a 1.500 cópias. É porque as revistas saíam uma atrás da outra. Fazer revista, pra mim, não colava com essa ideia de sazonalidade e tal. Dependendo de quando elas saíam, vendia mais ou menos. Junho, julho, era uma passagem excelente, as pessoas iam muito ao cinema e às baladas. Agora, shows, no período do inverno, já era mais difícil, época de chuva. Até cheguei a reeditar alguns títulos, mas foi muito mais pela demanda dos colecionadores. Não gostava de por em máquina uma revista que já cumprira seu ciclo. Até por falta de estrutura, os papéis que tinha eram para imprimir novas publicações. Não valia gastar papel com reedições. Mas rolou de esgotarem algumas edições e fui obrigado a rodar de novo. Como a Lôdo #1, que particularmente não acho muito legal de ler, mas, para colecionadores que já têm quase tudo, é legar ter os números #1 e #2 da Lôdo.

9863ec75cfea6a3ffb3fb058bfe45bb5

Você nunca teve encalhe?
Não, porque o que não saía na vendagem de mão em mão, acabava saindo pelo correio, vendi muito assim. É uma coisa que valia a pena sobretudo para quem comprava. Era muito comum e prático pagar com cheque, até o começo dos anos 90. Hoje as coisas mudaram, você pagaria com cheque uma revista que custa R$7? Agora a internet está mostrando um caminho curioso também, pois quando o cara tem uma loja online bem-sucedida, o frete se torna atraente. O frete, relativamente alto, obriga o consumidor a fazer compra de dois ou três itens por vez. Se o frete é R$12, e o cara vai comprar inicialmente uma revista de R$7, ele acaba levando mais algumas, fazendo uma compra de R$30, R$40. O único porém é que no Brasil a gente tem um problema contábil. (…)

*Leia a entrevista completa na edição impressa da revista.