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Entretenimento

Os sete pecados lisboetas... na perspectiva de uma turista

Lisboa está cheia de tentações e de lucíferes. Deixa-te ir e desfruta a capital portuguesa.

Preguiça

Esta é a cidade das sete colinas e, mesmo que a tua intenção não seja calcorreá-las todas, sacode a preguiça do corpo, porque tens muito caminho pela frente. Lisboa, no que a caminhar diz respeito, pode ser um verdadeiro inferno. Andar, subir e descer. No entanto, este calvário tem recompensa: um belo rabiosque que depois poderás exibir na Costa da Caparica.

Soberba

Um dos denominadores comuns dos lisboetas é a sua humildade, a sua personalidade calma e generosa, ou seja, a antítese absoluta. Se existe algum pecado do qual estão isentos é o da vaidade. É surpreendente, a julgar pelo fabuloso património cultural que possuem.

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Esta herança celestial não é importante, embora a honra (ainda que tímida) nunca falhe. Ter para quê? Só me resta atribuir aos seus habitantes um tom mais sensível. Abdicam do material para se imiscuírem num intenso mar de sentimentos e emoções.

Para entendê-los melhor lê a obra do mestre Fernando Pessoa, uma divindade da literatura portuguesa e universal. Pessoa mal saiu de Lisboa e dedicou a sua vida a criar um universo paralelo e pessoal, onde experimentou todas as emoções do Mundo. Apenas ele e Deus conseguem exprimir-se assim.

As leituras deste pequeno criador, inquieto por viver, foram uma luta de papel e caneta. Maldito pela sua própria consciência fractal e pelos seus múltiplos alter-egos, condenados a não entender-se entre si.

Deu vida a mais de 72 heterónimos, em muitas ocasiões fazendo-se passar por eles, confuso pela indeterminação, o maior dos seus males. Todos os seus personagens eram ideologicamente díspares. Atribuiu, inclusive, um signo a cada um deles, de acordo com a sua identidade. Não conseguiu livrar-se nem por um instante de si mesmo, convertendo-se, assim, numa máquina de empatia, desassossegada e incompreendida.

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

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(Excerto de Tabacaria, de Álvaro de Campos)

Amén.

Gula

Amantes da gastronomia, este é o vosso paraíso particular. Se procuravam um lugar na Europa onde pudessem comer até rebentar, com todo o tipo de excessos e por meia dúzia de tostões, sejam bem-vindos.

Na gastronomia portuguesa as quantidades são exageradas, sempre acompanhadas de um bom vinho, para espantar os males. Se as quantidades te parecem excessivas, já sabes porquê. Por isso, come tudo sem refilar e mostra-te agradecido. Está claro que o mais difícil é saber por onde começar.

Entre os infinitos tipos de pães que podes encontrar nas padarias que há em cada esquina, os petiscos, os pastéis de Belém, o magnífico café (acompanhado por um tipo de doçaria que nem sabias que existia) e as 365 receitas de Bacalhau, (uma por cada dia do ano), escolher não será tarefa fácil. Prepara-te para pecar, dia sim, dia sim. Vais direitinho ao inferno. Mas se é por causa da massa folhada e da manteiga com sal, ala que se faz tarde.

Ira

Lisboa está cheia de tentações e de lucíferes. Neste caso, falamos dos dealers manfios cujo objectivo é passar-te a perna. Não se cansam de repetir a melodia - hassssh mariaaaa, cocaaaaa . Esses vigaristas que se fazem passar por vendedores de óculos, vendem, na verdade, folhas de chá com cola, caldos knorr e sabe-se lá mais o quê.

Não vaciles, porque esta malta também se dedica ao desporto dos cinco dedos e podes habilitar-te a ficar sem porta-moedas. Se te apanham desprevenido, controla a tua ira. Bebe umas minis, desfruta do pôr-do-sol e, se sentires que estás a alucinar, não é do que compraste, é do céu enfeitiçado de Lisboa. Se ainda vais a tempo, não deixes que te façam a folha. Está claro que o material de qualidade não se vende na praça mais central da cidade. As drogas aqui estão descriminalizadas e parece que os ladrões de segunda também. Se queres fumar uma coisa decente vai a algum dos vários miradouros que te oferece Lisboa e procura por alguém que pareça português.

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Avareza & Luxúria

Vais querer ir a todas as festas. Vais querer ser omnipresente para poderes estar em todas ao mesmo tempo. Não te preocupes se foste barrado no celestial Lux, (porque não gostaram da tua cara, ou porque abusaste na ginjinha). Realmente, não é nenhuma fatalidade. Pode ser que os deuses estejam contigo e encontres aquela tasca secreta, que é na verdade um after de fado, do mais pitoresco que pode haver.

Se, depois de percorreres todo o Bairro Alto e beberes muito vinho verde, ainda tens vontade de sair, não desistas porque a noita é tua. Funciona assim, vais ziguezagueando por ruas sinuosas e, desta forma, vais conhecendo toda a fauna e flora da noite lisboeta. Quanto mais bolorenta for a porta, melhor é a festa que há lá dentro. Entra. Talvez encontres um grupo de brasileiros, em pleno samba. Ou então, deixa-te levar encosta abaixo até chegares a uma mansão do século XIX em ruínas, cheia de borrachos hipsters, onde podes dançar e ouvir electrónica da boa. Ainda queres mais, mas como já não aguentas vendes a alma ao diabo e siga, outra porta. É uma fábrica abandonada, onde a malta do circo montou uma rave do demónio. Às tantas dás por ti a perguntar: Desculpa, disseste rio ou trio?

Inveja

Inveja é o que sentirás quando tiveres de abandonar este maldito limbo, onde todos (ou quase todos) os deleites mundanos e divinos são lícitos.

Não choramingues. Se ainda tens tempo dá um salto aos arredores "esquecidos" da cidade: Sintra, Cascais, ou Estoril, por exemplo. Também podes ir em busca de emoções fortes na Boca do Inferno, ou no Cabo da Roca, aquele limite onde acaba a terra e começa o mar. Em Sintra poderás apreciar os resquícios da época dourada portuguesa. Ainda se ouvem os ecos de lamento.

Descansa, que tu também lamentarás não poder viver aqui, porque a coisa está preta. Quer dizer, podes sempre lançar-te no negócio do chá com cola. Agora serás tu quem, qual personagem Pessoano, chora todas as lágrimas, choradas e por chorar.

Nem céu, nem inferno, está na hora de voltar a casa.