Por cada taxista "ultra" precisamos de cinco taxistas decentes

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Por cada taxista "ultra" precisamos de cinco taxistas decentes

Neste momento parece difícil concordar, mas nem todos temos de andar de Uber e odiar táxis. O outro lado da manifestação de taxistas em Lisboa.

Nunca chamei um Uber e nunca sequer vi a aplicação da Cabify. Já andei milhares de vezes de táxi. Já quase andei à porrada com taxistas. Já fui insultado, já insultei, já me senti absolutamente roubado, já vi gente a ser descaradamente roubada. Já entrei em táxis para sair dois segundos depois. Já exigi sair de táxis antes de chegar ao destino. Já apanhei táxis nas partidas do aeroporto, para não me chatear com os taxistas das chegadas. Já me irritei por irem demasiado devagar e já me acagacei por irem demasiado depressa. Nunca vomitei num táxi, mas uma ou outra vez terá sido por pouco.

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Enfim, tudo isto e o seu contrário, qual Trump de trazer por casa. E o contrário é muito. Gosto de andar de táxi e gosto de taxistas. Gente boa, quero acreditar, na sua esmagadora maioria. Gente com histórias para contar. Gente que tem a urbe na pele, cada esquina da cidade cravada na memória. Gente que te pode fazer rir e chorar. Gente que já me fez rir e chorar. Não é poesia de bolso, é a verdade. Mil vezes a incerteza de apanhar um bom, ou um mau, que a certeza higiénica de um serviço que vende a perfeição como lema. E foram de certeza muitos mais os bons, que os maus e sei-o porque tempos houve em que na Rádio Táxi já nem sequer tinha de dizer o meu nome.

O que no dia 11 de Outubro aconteceu em Lisboa, durante a manifestação de taxistas, que era para ser uma coisa e acabou por ser outra, não é culpa dos taxistas. É culpa de quem os lidera. É uma frase feita, um lugar comum, mas é indesmentível. E quem os lidera sabe bem quem, entre eles, têm de controlar para extremar posições. Sabe quem são os maus e quem são os bons e faz-se rodear dos primeiros, tendo a certeza de que os outros não têm a força necessária para erguerem a voz, nem a vontade de não serem solidários com uma causa que, nos seus princípios, é justa e, até, consensual. A questão da justiça, da igualdade concorrencial, é legítima e praticamente incontestada, percebeu-se ao longo do dia e é mesmo, de certa forma, apoiada pelas plataformas digitais.

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O problema é que a dificuldade dos taxistas expressarem os seus pontos de vista sem ser aos berros, ou à pancada, ou a cuspir alarvidades grotescas e criminosas que envolvem "meninas virgens" e que alguma comunicação social adora reproduzir, ficou depois do dia 11 mais óbvia e, aparentemente, mais incontornável. Mesmo que haja entre eles quem discorde em absoluto dos métodos e da forma. Isso mesmo testemunhei na Rotunda do Relógio ao conversar com meia dúzia de profissionais, na casa dos 30 anos, que, mesmo não querendo ser identificados, garantiram à VICE que "enquanto os dirigentes dos organismos tutelares da classe forem estes e não houver uma mudança geracional, será muito complicado falar-se com seriedade nas mudanças efectivas que o sector necessita".

À boca pequena, porque, lá está, a necessidade de lutar é óbvia e "não estar numa manifestação como a de segunda-feira seria um sinal de que não estariam interessados em defender os seus direitos". "Por outro lado, também é importante que as gerações mais novas não se deixem resvalar para este tipo de mentalidade de alguns dos mais velhos, que olham para tudo isto como um beco sem saída e não são capazes de perceber que também nós temos de ceder nalgumas coisas. E são esses que ainda têm mais influência". Dilemas tramados e a certeza de que não é com tiros nos pés que ganham o apoio de quem mais importa: os clientes.

E os clientes, já se sabe são tal e qual eles. Somos todos nós, que achamos que só por uma coisa ser tecnologicamente avançada é melhor, sem questionarmos que pode não ser bem assim. A Uber é uma multinacional com apetite voraz e objectivos pouco claros. Não é uma empresa familiar de média ou pequena dimensão. Quanto muito, nesse aspecto, e ainda assim salvo as devidas distâncias, talvez os únicos nos táxis que se aproximem sejam, precisamente os que mandam no sector e que, diz-se, são donos e senhores de enormes quantidades de alvarás, de empresas com centenas de carros e motoristas e a quem está a custar muito ver esse monopólio ameaçado.

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A Uber tem como accionista a Goldman Sachs e já anda a testar carros sem motoristas para, assim, se livrar de vez das chatices e contigências de ter intermediários num serviço que pode ainda ser mais rentável. Não há aqui anjos, nem demónios. E não quer dizer que não venha a entrar num Uber. Quero poder escolher e tenho a certeza que, a maior parte das vezes, vou escolher um fogareiro.

Há, sim, manipuladores e manipulados e um negócio que, num futuro próximo, com as mudanças profundas na mobilidade urbana, que por vezes parecem lentas, mas existem e são já visíveis, pode gerar cada vez mais dinheiro. Se não fosse assim, não existiria Uber, ou Cabify. Os taxistas, ou melhor, alguns taxistas é que parece que ainda não perceberam que a luta tem de ir por outros caminhos e quem os pode ajudar a ganhar a guerra somos nós.

Abaixo podes ver mais algumas imagens que captámos em Lisboa, no dia 11 de Outubro e que mostram o que a manifestação poderia ter sido. Um momento de demonstração de força, mas sem o recurso a ela. Um momento de demonstração de que, por trás de um taxista indignado, há sempre um daqueles taxistas que fazem parte do melhor que podemos e devemos ser enquanto povo.