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Os filmes do Richard Kern continuam a chocar muita gente

É tudo uma piada. O filme inteiro.

Se conhecem a VICE, conhecem o Richard Kern. Há anos que ele fotografa jovens mulheres com pouca ou nenhuma roupa (e uma variedade de outras coisas). Até temos uma série de vídeos com ele. Mas o que vocês talvez não saibam é que o Richard não esteve sempre no negócio das miúdas nuas. Antigamente, ele e os seus amigos — Lydia Lunch, David Wojnarowicz, Lung Leg, Sonic Youth e Henry Rollins — fizeram algumas das curtas mais pervertidas de sempre. Engavetados no cinema subversivo, Richard e os seus colegas cineastas chocaram profundamente os espectadores. Todos os seus filmes dessa altura já foram remasterizados e lançados em blu-ray. Há uns dias, cheguei ao trabalho de manhã e encontrei uma cópia dessa colecção na minha secretária. Claro que tive de ver tudo de uma ponta à outra. Depois liguei ao Richard e convenci-o a conversarmos. VICE: Recebi uma cópia da tua colecção. Vi-a no trabalho, numa sala escura. Assim tudo de seguida. Para ser honesto, há algumas coisas difíceis de ver, mas é um definitivamente um trabalho visceral e impressionante.
Richard Kern: E velho, com 40 anos. Hoje em dia, o que vês quando assistes a estes filmes? Agora que já passou tanto tempo.
Mais ou menos o mesmo que antes, isso não mudou nada. Parece que foi ontem e isso é o mais estranho. Mas continuo a olhar para eles e a imaginar o que as pessoas pensam quando os vêem. Com alguns até tenho uma certa ideia de como o público vai reagir, mas no geral não. Como o primeiro que fiz, Goodbye 42nd Street: fiquei mesmo surpreendido quando o mostrei pela primeira vez porque as pessoas gostaram. Pensava que era um filme Super-8 de merda, mas as pessoas responderam bem e incentivaram-me a continuar. Quando o fui exibir oficialmente, não me deixaram. "Não podes passar isto aqui!” O que também foi inspirador, porque passei a mandar à merda esse tipo de gente. Fazias parte do Cinema de Transgressão. Estavas a tentar chocar as pessoas ou isso foi só um efeito colateral?
Os filmes que precederam imediatamente esse movimento no underground eram todos muito aborrecidos. Parecia que uma das características necessárias para os filmes era que fossem todos chatos e lentos. Então, o nosso plano foi fazer filmes curtos, filmes que não fossem chatos, de preferência. O que pode não funcionar agora, mas na altura funcionou. Tentávamos desobedecer a qualquer padrão moral ou tabu que encontrássemos. Uma das minhas cenas era estragar relacionamentos e foder a cabeça às pessoas o máximo possível e algumas ficavam completamente chocadas com algumas das cenas. Mas estávamos nos anos 80, agora não sei qual será a reacção. Achas que é tão chocante agora como na altura?
Houve umas exibições em Berlim, no Instituto de Arte Contemporânea. Fizeram o mês do Cinema de Transgressão e passaram os filmes numa atmosfera tipo clube nocturno, como antigamente, em salas diferentes e esquisitas. As pessoas disseram que foi muito eficaz. E foi mesmo. Passei por lá e estava a dar um filme que um amigo meu fez e que eu não via desde essa altura. Não consegui ficar sentado durante o filme todo, era demasiado hardcore. Era uma atitude negativa, era tudo negativo, tudo niilista. Uma abordagem anarquista, uma atitude muito punk, do tipo “que se foda tudo”. Sentia que a única maneira que havia para destruir e foder as pessoas era estragar a sua vida amorosa e os seus relacionamentos pessoais. Tudo o que vês de mau, rebaixa-te. Estive a ler algumas das críticas e uma das principais dizia que os actores eram uma merda. Foi uma preocupação secundária para ti?
É engraçado dizeres isso porque nunca tinha pensado no assunto. Não era o mesmo tipo de abordagem e se eu estivesse a fazer um filme agora, ia continuar a não pensar nisso. Nunca pensei. Mas sim, eram actores de merda. Está tudo relacionado com o teu estado psicológico no momento em que vês o filme. Toda a gente nos filmes era assim na realidade. As coisas que eles faziam eram reais?
Acredita em mim, em Fingered, o Marty Nation era exactamente assim, sem exageros. O gajo que levantava pesos, ele era assim. Todos eram reais. A Lydia Lunch era assim. O Lung Leg era assim. A história foi baseada nas viagens da Lydia e do Marty quando ela tinha 16 anos e andava à boleia. O Marty levava a faca e começava a esfaquear e a cortar os estofos do carro, enquanto olhava para a cara do motorista. Eles eram todos muito estranhos. O gajo que levantava pesos no filme foi morto há cerca de dois anos. Alguém lhe deu um tiro. Foste muito produtivo neste período, quando os filmes foram feitos. Estavas obcecado em fazer filmes assim?
Sim, eu fazia um e tinha logo imensas ideias e tinha todo o equipamento, que também não era muito: uma Super-8, três luzes, um apartamento grande onde podia filmar e muitas pessoas que queriam fazer destas coisas. Não lhes chamava actores, chamava-os artistas. Nada tinha guião, os que estiveram mais próximos de ter um foram Fingered e You Killed Me First. Era só: “É isto que vai acontecer nesta cena. Vais dizer isto, ou alguma coisa assim.” Em Fingered, a Lydia e o Marty inventaram os diálogos enquanto gravávamos. Jogavam um contra o outro. Eu dizia-lhes o que íamos filmar no dia anterior e eles diziam-me o que queriam fazer. Não era aquela produção tradicional de filmes, sabes, de modo algum mesmo. Ainda tens contacto com estas pessoas?
Vi a Lydia há alguns dias, num bar de Williamsburg. Estava a ler. Mas mora em Barcelona, só nos vemos ocasionalmente.  Lung Leg em Submit to Me Now. Estou a tentar perceber a evolução desde esses filmes niilistas até às cenas que fazes agora, que me parecem mais subtis.
Fingered era um dos filmes favoritos do John Waters. Saí com ele algumas vezes e ele disse-me: “É interessante ser um gajo zangado quando se é jovem, mas quando se é velho, vais parecer um idiota se continuares assim.” Muitos destes filmes foram feitos quando eu estava viciado em qualquer coisa, quando fiquei sóbrio a única coisa que podia pagar para fazer era tirar fotos. Comecei a tirar fotos de todas as pessoas que eu conhecia, sempre a tentar fazer com que elas se despissem. O que evoluiu para isto. Há alguns filmes que fiz que ainda são como os antigos. Há um que acabei no ano passado que é mais pesado. É muito difícil de ver. E é um filme perfeito para mim porque é um documentário sobre uma rapariga a explicar por que se corta, a falar sobre isso. Mas é um filme muito poderoso. Chateou as pessoas. Para mim é um grande sucesso ser capaz de produzir esse efeito. E não era falso, não era montado, era algo real, que desiludia as pessoas. Tive a sorte de conseguir isso. É a mesma atitude. Mas depois há outros filmes, Face to Panty Ratio, por exemplo. É um filme bonito, não acontece nada de mal, mas estás a olhar para as cuecas das miúdas e a olhar para a cara delas, é muito hipnótico. Até que percebes: “Estou a olhar para as cuecas.” Muitas pessoas curtiram este filme, mas é um pequeno videoclipe sobre cuecas. Outras pessoas acham só que é pervertido. Não dá para dizer que é porno, porque não é porno. É só um filme focado em duas partes interessantes de uma mulher: o rosto e as cuecas. É errado olhar? Uma das minhas cenas sempre foi não me desculpar por fazer o que faço e, se tens algum tipo de perversão, não é uma perversão. Os rapazes gostam de olhar para as cuecas das raparigas, muitas raparigas gostam de ver outras raparigas em cuecas, mas as pessoas agem como se fosse um problema serem apanhadas a fazer isso. É tudo uma piada. O filme inteiro. Uma piada com o público. Acho que vi um bocado do teu trabalho actual em Submit to Mee Submit to Me Now.
Desisti de fazer filmes durante dez anos, mas, por volta de 2008, comecei de novo e comecei a sério outra vez aqui há alguns anos. Tudo isto são só coisas aleatórias que filmei nas sessões de fotografia — não é completamente aleatório, os meus temas são esses. No ano passado passei quatro meses a fazer dez ou 20 filmes, todos feitos com partes de sessões fotográficas. Coleccionei essas partes durante quatro anos. Só agora é que me sentei e editei tudo. Mas isto não é fazer cinema tradicional. Só dizia para a rapariga: “OK, anda daqui até ali para mim, por aqui até ali.” Filmei imensas raparigas, tipo o lado B das fotos. Dizia: “Vamos fazer uma parte em vídeo. Sentas-te aqui e quero que chores. Vê se consegues chorar, consegues?” E elas diziam: “Talvez.” Sentava-me e ficava à espera que elas chorassem e, se conseguissem chorar, eu filmava tudo. Ou dizia-lhes para terem um ataque: “Bate na cama, bate no sofá.” E todas estas cenas acabaram em filmes diferentes. Não é uma produção tradicional de filmes ou vídeos.