flau
8/10 Entre 2007 e 2010, esgotei todas as maneiras de apresentar discos íntimos e caseirinhos. Falei das nuvens, da minha bisavó e de ficar doente a ver o Agora Escolha, muito provavelmente. Hoje, a cada vez que me surge nas mãos um doce feito à escala das miniaturas, fico a olhar com cara de idiota para o documento de Word e à espera que o texto se escreva por si mesmo. Tal fenómeno nunca chega a acontecer e acabo por cair na armadilha comum de descrever um álbum de teor altamente nostálgico com as minhas próprias lembranças de puto. Apesar do cliché que envolve, a armadilha das memórias, como recurso para uma review que promete ser fofinha, é um cantinho apetecível. Our Small Ideas, o disco dos Boats originalmente lançado em cd-r e renovado o ano passado pela flau, numa edição com sete faixas bónus, pede uma apreciação mais carinhosa do que o habitual. Isto até porque tem aquele tipo de ternura que torna inevitável a recuperação de alguns bonitos episódios vividos antes dos 13 anos de idade: recorda-me, por exemplo, da sensação de receber a primeira bicicleta ou chegar ao final do Super Mario Land, no Gameboy, pela primeira vez, ou até mesmo da aventura que era trepar o tanque de lavar roupa para ver as traseiras da casa da bisavó. Tudo o que se escuta neste documento dos Boats estimula o pensamento a meter a mudança de marcha atrás. Os xilofones tocam, mas estão cansados; há caixinhas de música gastas pelo uso excessivo; escutam-se guitarras acústicas, embora nenhuma delas queira ser mais audível que qualquer outro elemento na equação dos Boats. O resultado não é deslumbrante, mas chega para colocar a dupla britânica, entretanto transformada em trio, junto dos mais aconselháveis casos de electro-acustiquinha de armário. Sim, há um lugar para Our Small Ideas entre Handwriting, do Khonnor, e os Boards of Canada, na gaveta dos discos para ouvir antes de adormecer, quando faz frio lá fora e só apetecer estar nas palhas.