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Tecnologia

O Rui Cruz ainda não tem namorada, mas continua a ter o Tugaleaks

Falámos com o homem a quem a polícia invadiu a casa às sete da manhã.
Foto cortesia Rui Cruz

Vivemos tempos engraçados. Enquanto dados privados de agentes da Judiciária e de árbitros são divulgados por hackers, o Rui Rio torna a Fontinha no nosso Zucotti Park e um miúdo é preso pelo crime de divulgar má música nacional e estrangeira ilegalmente.

Em Portugal ninguém tem seguido e relatado com mais atenção todos estes eventos que o Tugaleaks. Há um ano a incomodar muita gente, o site é um repositório de tudo o que é notícia sobre hacktivismo no nosso país. Falei com o Rui Cruz, o único autor do site que não se protege sob o anonimato, sobre este clima de cyber-luta em que vivemos.

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VICE: Olá Rui. Podes explicar-me como surgiu o Tugaleaks e que tipo de acção desenvolves por lá?
Rui Cruz: O Tugaleaks surgiu em finais de 2010, quando a Wikileaks publicou os famosos telegramas diplomáticos que mudaram o mundo. Nessa altura dedicávamo-nos a mostrar notícias nacionais e internacionais, mas, aos poucos, fomos fazendo o nosso trabalho exclusivo com investigações e criando laços de confiança com movimentos activistas lá fora. Hoje em dia, 95% do nosso conteúdo é original e, por vezes, único, embora os média o usem frequentemente. Até agradecemos.


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O guia Motherboard para não ser hackeado

Mas, para além de divulgar actividades de hacktivistas, também participas em algumas directamente? Porque é que os outros autores do site não dão a cara, por exemplo?
Eu, pessoalmente, dou apenas informação. Nunca ataquei um site, nunca fiz nada de ilegal. Os restantes membros do site Tugaleaks pertencem ao coletivo Anonymous e, embora não queiram dar a cara, também não fazem, ao que sei, nada de ilegal. Se fizerem também nunca será no Tugaleaks. Os Anonymous só aparecem nas notícias por casos de cracking, ou por mandarem páginas institucionais/partidárias abaixo. Que mais hacktividades são levadas a cabo por este grupo em Portugal de que não ouvimos falar?
Os media só falam do que vende. É normal que só falem dos Anonymous quando incomodam alguém, ou que só falem das manifestações quando há problemas pelo meio. Os Anonymous são activistas e hacktivistas. Embora alguns possam ter conhecimentos médios/altosa de informátic, também são as pessoas que vão para a rua fazer protestos pacíficos e legais contra as mesmas causas que qualquer outra pessoa dita normal. A diferença é que, por detrás de uma máscara não está uma pessoa, mas sim uma ideia. A ideia da liberdade. E aquela visita da PJ, já sabes a que se deveu?
Deveu-se a uma investigação num processo sobre o qual não posso falar. Penso que a polícia deve ter o direito de investigar quando existem fundamentos. Temos que dar tempo para as investigações correrem, mas estou perfeitamente tranquilo. Mas, existiam fundamentos? Na altura escreveste um post no teu blogue em que te mostraste bastante indignado com tudo aquilo.
É óbvio que qualquer pessoa fica indignada quando lhe entram pela casa às sete e pouco da manhã. No entanto, em vez de “indignado” prefiro dizer "não contente". Se existiram fundamentos vão ser refutados e estou confiante que vou ser ilibado.

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A verdadeira face do hacking

O que achas do facto de Assange trabalhar agora para um canal controlado pelo Kremlin? Parece-me um pouco vendido: passou de um importante activista pela transparência para mais um anti-americano. A Rússia não é propriamente um grande exemplo de liberdade de informação ou de expressão.
Bom, eu vejo as coisas de outra forma. Ele não pode publicar na América, por isso tem que o fazer onde lhe permitem publicar. O programa do Assange serve não tanto para ele, mas para lá levar pessoas que não são diariamente entrevistadas por causarem problemas com as entrevistas que dão. Por outro lado, a VISA e a MasterCard, com sede nos EUA, têm há mais de 500 dias um bloqueio aos donativos para a Wikileaks sem haver qualquer processo de investigação. Se calhar em termos temporais, a América é mais inconveniente que a RT.

Até pode ser, mas a RT não é um canal independente, é controlado por um regime que o condiciona editorialmente. Duvido que o Assange tenha grande liberdade para, por exemplo, entrevistar dissidentes russos, porque esses também causam problemas, neste caso aos patrões dele.
Conhecendo o feitio do Assange, se isso acontecer ele vira-se contra a RT, tal como já se virou contra outros jornais que colaboraram com a Wikileaks e hoje em dia não colaboram. Veremos. Mudando de assunto, o que tens a dizer sobre o caso do adolescente condenado por partilhar ilegalmente três músicas?
Esse caso é uma anedota. Duvido muito que a Alanis Morrisette tenha contactado a AFP para processar esta pessoa. Duvido também que a pena seja equivalente a uma boa condenação. Em vez da indústria, que tanto se faz de vítima e se queixa da quebra das vendas, criar infra-estruturas para dificultar a reprodução, persegue pessoas que partilham cultura. Embora legalmente não possa apoiar essa pessoa, estou totalmente contra uma condenação pela partilha de três(!) músicas. Ainda se fosse alguém no velhinho DC++ a partilhar um tera de ficheiros… Mas, três músicas? Não há mesmo nada de mais interessante para fazer? Organizações como a AFP, MAPINET, ACAPOR e afins anunciam sempre nos jornais este tipo de coisas. É melhor nos irmos habituando à lavagem cerebral. Voltando ao teu site, as tuas actividades como editor do Tugaleaks têm-te prejudicado profissionalmente?
Não. Trabalho por conta de outrem e por conta própria como webmaster e na criação de sites low-cost. Não tenho sentido nem um aumento nem uma diminuição em ambas as fontes do meu rendimento. Estava mais a dizer numa de desconfiança, ou seja, o pessoal não confiar em ti profissionalmente por causa do que possas vir a publicar no Tugaleaks.
Não, isso não me passa pela cabeça. Acho que há coisas mais importantes do que andarem a desconfiar de alguém que é verdadeiro e leal. Tinhas o domínio www.procuroumanamorada.com, que já não se encontra online. Quer dizer que serviu o seu propósito?
O domínio expirou e resolvi não renovar. Aquilo foi uma experiência, como webmaster, sobre mim próprio, expondo-me na internet. Infelizmente Portugal ainda não está muito aberto a ideias fora da caixa, pensamos muito certinho. Há que ser irreverente. O site proporcionou-me alguns encontros, sim, e ainda tentei algo com uma pessoa, mas durou só um mês. Achei que a experiência tinha de chegar ao fim, mas conto positivamente com uma boa experiência do acontecimento. Continuo solteiro (e disponível). Basta uma procura no Google para saberem quem eu sou.


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