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Os desertores militares venezuelanos querem juntar-se à revolta de Guaidó, mas estão retidos na Colômbia

"Estamos totalmente abandonados".
Venezuelan military defectors helplessly watch Guiado’s coup attempt from Colombia
Manifestantes anti-governo em Caracas, Venezuela, na quarta-feira, 1 de Maio de 2019. O líder da oposição, Juan Guaidó, convocou os venezuelanos para ocuparem as ruas de todo o país, para exigir a saída do presidente Nicolás Maduro. Maduro também está a pedir aos seus seguidores que se unam. (Foto AP / Fernando Llano)

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma VICE News.

VILLA DEL ROSARIO, Colômbia - Pelo terceiro dia consecutivo, algumas centenas de desertores militares venezuelanos deambularam por hotéis colombianos fortemente vigiados, observando impotentes as redes sociais, enquanto a insurreição para derrubar o presidente Nicolas Maduro fracassava em Caracas.

Dois dias antes, estavam esperançosos. Quando o líder da oposição Juan Guaidó anunciou o seu plano final para depor Maduro, rodeado por soldados armados e garantindo que tinha o apoio dos militares, cerca de 50 desertores venezuelanos aqui refugiados correram para a ponte internacional que liga a Colômbia ao seu país de origem, ansiosos por participarem na luta.

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"Hoje, bravos soldados, corajosos patriotas, bravos homens dedicados à constituição atendem ao nosso chamamento", disse Guaidó na manhã de terça-feira, 30 de Abril, perto de uma base aérea militar no leste de Caracas. Mas, os desertores não receberam nenhuma ordem. Em vez disso, as autoridades colombianas enviaram-nos nervosamente de volta para os hotéis onde têm vivido nos últimos dois meses.



"Nós respondemos ao chamamento para lutar pela liberdade", diz um desertor, que pede que o seu nome não seja publicado, porque as autoridades colombianas pediram-lhe não falasse com os jornalistas. E acrescenta: “Mas, desde então, não nos voltaram a dizer uma palavra. Estamos totalmente abandonados". À medida que a oposição venezuelana luta novamente para derrubar Maduro, as poucas centenas de soldados que trocaram de lado questionam-se sobre o porquê de terem agora sido ignorados por Guaidó. Em vez de se tornarem activos para a revolução, tornaram-se num símbolo da sua desorganização e uma grande dor de cabeça para a Colômbia.

"Esta é a situação mais delicada que enfrentei durante os meus 14 meses neste cargo", realça o responsável pela gestão de fronteiras da Colômbia, Felipe Muñoz, nomeado pelo presidente colombiano no ano passado. A Colômbia insiste que os desertores são requerentes de asilo não combatentes que deixaram a vida militar para trás. Mas, os venezuelanos dizem publicamente que estão só à espera de ordens de Guaidó para lutar.

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Muitos atenderam ao apelo para desertar em Fevereiro, quando a oposição, com o apoio dos EUA, planeou uma acção para confrontar a guarda fronteiriça da Venezuela com um comboio de ajuda humanitária proveniente dos EUA. Os líderes oposicionistas garantiram então que os militares venezuelanos abandonariam Maduro em massa, juntando-se a eles e equilibrando a balança de poder no país. O plano acabou por fracassar, mas quase mil membros das forças armadas venezuelanas desertaram, atravessaram a fronteira e entregaram-se. Desde então, vivem em três hotéis locais, alimentados e abrigados pelos colombianos e pela ONU, à espera de uma palavra por parte da liderança da oposição.

Sentados no hotel, acompanham cada palavra do governo Trump, que repetidamente faz ameaças de uso de força militar contra Maduro. Vivem cada dia ligados à espera de notícias da oposição venezuelana, um movimento que parece precisar de toda a ajuda possível. Mas, com a falta dessas mesmas notícias, a sua confiança diminui a cada dia que passa. "Há um grande descontentamento e desapontamento dos militares em relação a Guaidó", garante um desertor à VICE News sob anonimato. E justifica: "Se Guaidó não pode apoiar mil membros militares que aqui estão, como é que vai apoiar um exército de 300 mil?".

Venezuelan military defectors

Botas de um dos desertores da Guarda Nacional Venezuelana deixadas a secar num dos locais que albergam estes militares na Colômbia. 25 de Fevereiro de 2019 (AP Photo/Christine Armario)

Nos primeiros dias depois de aqui terem chegado, contam três dos desertores, os funcionários colombianos ajudaram muitos deles a contactar a família no exterior e a fazer planos para seguir em frente. A maioria das várias centenas que restam não tem ninguém para os receber fora da Venezuela e não fazem ideia de quanto tempo ficarão alojados num hotel. "Não fazemos absolutamente nada", diz um dos homens. E salienta: "Queremos lutar pelo nosso país".

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Ainda não está claro o que é que poderiam fazer. A Colômbia não permitirá que se monte uma insurgência no seu território. Sem armas ou dinheiro, estes jovens magricelas provavelmente não dariam mais do que alguns passos para lá da fronteira. "Os EUA e a Colômbia estão a seguir uma linha muito cuidadosa de acção em relação a estes desertores", afirma Geoff Ramsey, investigador da Venezuela no Departamento de Washington na América Latina. E acrescenta: "Ambos os países estão a manter publicamente a distância, porque não querem ser acusados de financiar actividades paramilitares".

No início deste mês, os desertores anunciaram nas redes sociais planos de marcharem para o consulado venezuelano na capital colombiana para pedirem que a oposição os envolva nos esforços para derrubar Maduro. As autoridades colombianas não permitiram que este plano se desenvolvesse. Por enquanto, os desertores recebem três refeições por dia no hotel, têm permissão para sair até duas horas por dia e estão proibidos de trabalhar enquanto os seus casos de requisição de asilo não forem processados. Às vezes, dizem, sentam-se e conversam sobre como é que vão “tomar” o estado vizinho na fronteira venezuelana se a luta começar, mesmo que não tenham armas nem dinheiro.

Pepe Ruiz, Presidente da Câmara de Villa del Rosario, uma pequena cidade nos arredores de Cucuta, na fronteira colombiana, onde estas centenas de desertores estão alojados, diz mesmo que já pediu a funcionários federais para os transferir para Bogotá. "Eles representam um perigo aqui", justifica.

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Numa conferência de imprensa na terça-feira, 30 de Abril, o ministro das Relações Externas da Colômbia, Carlos Trujillo, disse que não há um limite de quanto tempo é que os desertores poderão permanecer. "Estamos à procura de ajuda adicional para continuar a ajudá-los", garantiu. Por enquanto, a agência da ONU para os refugiados, cujo logotipo está nas tendas que se avistam dentro do pátio de um hotel em que moram os desertores, é o principal parceiro da Colômbia no apoio aos venezuelanos sob processo de asilo, incluindo os desertores. Contudo, um porta-voz da ONU assegura que a sua ajuda aos desertores venezuelanos vem com a condição de que eles renunciem às suas actividades militares.

Os desertores representam uma pequena fracção dos 1,2 milhões de venezuelanos que chegaram à Colômbia nos últimos anos, mas criam uma dor de cabeça desproporcional. Três anos de um crescente êxodo e do colapso cada vez maior da Venezuela, deixaram a Colômbia a lutar para manter a ordem pública nas áreas invadidas pela migração. Para além disso, as autoridades colombianas temem que discutir o seu apoio aos desertores possa causar ciúmes entre os outros migrantes daqui, que não receberam estadias em hotéis e três refeições garantidas à chegada.

Josh Balser, vice-director de programas do Comité Internacional de Resgate na Colômbia, diz que as ONGs têm de ser cautelosas ao se envolverem com uma questão tão política como os desertores militares. “É um assunto muito delicado. É politicamente carregado”, reforça. Outro líder de ONGs afirma que o governo colombiano convocou grupos humanitários e pediu-lhes que ajudassem a fornecer assistência financeira aos desertores, mas os grupos recusaram-se a envolver-se. Os colombianos dizem que não garantiram nenhum compromisso adicional de apoio aos desertores.

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Muitos analistas olham por isso para os EUA, o parceiro político mais próximo da oposição venezuelana.

O apoio humanitário ao grupo desertor por parte dos EUA é "muito atrasado e bastante lógico", diz Ivan Briscoe, director da América Latina do International Crisis Group. Adam Isacson, director de supervisão de defesa do WOLA, uma organização de defesa dos direitos humanos, afirma, por sua vez, que não o surpreende ver isso a acontecer.

Mas, os analistas olham com cautela, relembrando como o apoio humanitário aos rebeldes centro-americanos da época da Guerra Fria se transformou num esforço de armamento que alimentou a guerra civil na Nicarágua. Um arquitecto desse programa, Elliott Abrams, serve agora como enviado especial dos EUA para a Venezuela. "Sabemos que os EUA nos vão salvar", disse um desertor durante o almoço num restaurante local. E concluiu: "Lamentavelmente, não podemos fazer isto sozinhos".

Dylan Baddour é um jornalista que cobre a migração venezuelana na Colômbia.


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