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Música

Comer, Rezar, Dar de Ombros: Heems Está Dando a Volta por Cima, mas Está nem aí pra Você

Não importa quantos equipamentos de inverno ele possa comprar com o dinheiro que o rap lhe rendeu, o fato é que, hoje em dia, Heems não sabe muito bem o que pensar sobre o rap como vocação.

Foto cortesia do artista

É um dia frio pra caralho em Nova York, e Himanshu Suri, mais conhecido como Heems, acabou de limpar a entrada da garagem dos pais com seu soprador de neve. "Essa foi uma das coisas que comprei com o dinheiro que ganhei no rap", ele me conta pelo telefone, enquanto falamos sobre Eat Pray Thug. Mesmo que o assunto do qual estamos falando talvez pareça o início de uma nova fase da sua carreira – EPT é, tecnicamente, seu primeiro disco solo propriamente dito – Heems repetidas vezes menciona o rap como parte do seu passado. Uma hora, o nativo de Queens diz diretamente: "Não sei se vou continuar a trabalhar com música depois desse disco."

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Não importa quantos equipamentos de inverno ele possa comprar com o dinheiro que o rap lhe rendeu, o fato é que, hoje em dia, Heems não sabe muito bem o que pensar sobre o rap como vocação. Ele também não é o sujeito mais fácil de conversar neste mundo. Heems e eu provavelmente nos falamos meia dúzia de vezes nos últimos poucos anos. Sempre em termos amigáveis, mas quando chega a hora de entrevistá-lo, alguma coisa muda. Ele fica mais cauteloso, às vezes pedante, levando a conversa para qualquer rumo que lhe dê na telha. Tenho a sensação de que, num certo sentido, estas são táticas de desorientação retórica, desenvolvidas porque ele teve de passar a maior parte da vida se explicando, e agora que está à distância de um cuspe do seu aniversário de 30 anos, o cansaço bateu.

Embora ele já tenha tido uma reputação de festeiro e de espertinho com o Das Racist, seu grupo de rap com o MC Viktor Vazquez (Kool A.D.) e o Ashok Kondabolu (Dapwell), Suri vem, lenta, mas inexoravelmente, levantando e sacudindo a poeira. "Passei grande parte do ano passado voltando às minhas raízes, voltando ao que é importante, voltando à minha comunidade, voltando para a minha família", ele diz. A maior parte de Eat Pray Thug foi gravada em 2013, na Índia, e depois de passar anos vivendo com o dinheiro obtido de diversas atividades ilegais (a maioria delas relacionada ao rap), ele está com um emprego normal, e voltou a morar com os pais, cuja casa em Long Island ele ajudou a comprar, mais uma vez, com o dinheiro vindo do rap.

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É por causa de uma sensação de cansaço prematuro que Heems parece carregar nos ombros que realmente acredito que Eat Pray Thug, ainda que um álbum excelente, talvez seja de fato o seu último. Não é um disco do qual todos vão gostar, especialmente se você curtia o antigo grupo dele, Das Racist, por causa das palhaçadas e não das afirmações complexas sobre raças e classe integradas às piadas. Pelo contrário, é um disco nova-iorquino, da mesma forma que Talking Heads, Camu Tao e Beastie Boys fizeram discos nova-iorquinos; produtos de um meio cultural complexo, colagens de arte de alto e baixo nível, juntadas com palitos de dente e chicletes, e ancoradas por vozes tão fora do normal que você não pode evitar se deixar levar. O fato de ser sobre o 11 de setembro – mesmo quando o tema é outro – só faz acrescentar a isso.

Pela reticência que ele demonstrou comigo ao telefone, tenho a impressão de que Heems compreende que algumas pessoas não reagirão ao disco da maneira que ele espera. Com pontualidade britânica, no dia do lançamento, a Pitchfork (uma das primeiras a levantar a bola do DR) soltou uma resenha do Eat Pray Thug que foi justa, mas, em última análise, negativa. Heems foi ao Twitter responder ao escritor (que é branco): "O disco não foi feito para você, então tudo de boa".

Além do mais, Suri não precisa do rap. Ele tem outras merdas com que lidar: a saber, seu emprego, que é um novo desenvolvimento, com o qual ele se sente satisfeito. Suri me conta que um tempo atrás ele se fez a pergunta: "O que as mentes mais brilhantes da minha geração estão fazendo? Muitas delas estão envolvidas em start-ups". Então ele arranjou um emprego na empresa de tecnologia de um amigo, e trabalha de nove às cinco.

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"Estou literalmente tendo que equilibrar um emprego, estou fazendo a curadoria de uma exposição de arte, exibindo obras de arte nessa exposição, vou dirigir um clipe nesse fim de semana, estou fazendo divulgação, escrevendo tratamentos para os outros vídeos, estou formulando um plano de publicidade com a minha gravadora e tentando me focar em mim mesmo", diz.

Auto-retrato, via exposição de Suri na Aicon Gallery

Criado em uma família de trabalhadores no Queens, Nova York, Heems frequentou a prestigiosa faculdade de artes liberais Wesleyan University, e posteriormente trabalhou no campo das finanças, como headhunter, em Wall Street. "Todo mundo que cresceu junto comigo na minha comunidade é hoje advogado ou engenheiro ou farmacêutico, ou então foderam com as próprias vidas na época do segundo grau por serem uns idiotas", diz. Ele se viu na posição de "rapper profissional" quase que por acidente, quando a música "Combination Pizza Hut and Taco Bell", do Das Racist, virou um hit. É uma música sobre dois caras (Suri e Vazquez) que estavam em um combinado Pizza Hut com Taco Bell. Dependendo de a quem você perguntasse, era ou um comentário sobre a falta de sentido da cultura consumista das grandes cadeias de lojas, ou simplesmente não tinha sentido nenhum.

No intervalo de menos de um ano, o Das Racist soltou duas mixtapes que os transformaram de uma piada de internet nos caras que ajudaram a redefinir o termo "indie rap". O termo antes descrevia o rap lançado por gravadoras independentes e consumido por fãs exigentes do hip hop de todos os tipos, mas o Das Racist ficou famoso porque atraía literalmente a galera indie: eles usavam em suas batidas clássicos como Diplo e Chairlift, mencionaram o Tanlines [a dupla que inventou o emoticon “;(“ ], samplearam The Very Best e o tema do Nujabes para a série cult de anime Samurai Champloo, e deram às faixas títulos como “Coochie Dip City” e “Deep Ass Shit (You’ll Get It When You’re High)”. Ao mesmo tempo, foram tema de muitas matérias em publicações com um viés alternativo, como Pitchfork, The Village Voice e VICE (o primeiro vídeo que o Noisey lançou, na verdade, foi sobre um show do Das Racist em Seattle). "A gente ainda falava das coisas que eu queria falar, mas, até um certo ponto, nos escondíamos atrás das piadas", ele diz, acrescentando: "Eu queria falar sobre a minha experiência em um meio no qual não estivesse encenando a minha raça, ou encenando ser da classe trabalhadora para todo um público que não era. O hip hop era um meio da classe trabalhadora. Ironicamente, o meu público não era de jeito nenhum predominantemente de classe trabalhadora."

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Em pouco tempo, as coisas azedaram no grupo. Relax, sua estreia propriamente dita, foi uma decepção de crítica e de vendas, e os rigores das turnês (em 2011, o DR fez mais de150 shows, segundo a Forbes) tiveram um impacto negativo. "Na época em que começamos éramos mais amigos", Suri contou à Self-Titled Mag, em uma matéria de capa publicada em 2012. "A gente morava junto, trabalhava junto, e fazia as turnês junto. Com qualquer pessoa é preciso tomar uma distância depois de algo assim. Gostaria que não tivesse prejudicado esse lado das coisas". Quando 2012 caminhava para o fim, a banda implodiu. Em dezembro de 2012, Heems deixou escapar, num show em Munique, que o grupo havia se separado.

Após a dissolução do Das Racist, Heems, que havia lançado duas mixtapes irregulares, Nehru Jackets e Wild Water Kingdom, caiu em uma espécie de buraco negro. Ele passou pelo fim de um relacionamento e caiu em depressão, a qual ele combateu, em parte, se automedicando. Versos como “the great gats be that Tec-9 and that AK, cut lines of yay-yay on that big book from AA” (“Hubba, Hubba”) e “You addicted to the H-Man, I’m addicted to the H, man” (“Home” feat. Dev Hynes) estão espalhados pelo disco. "É essencialmente disso que trata o disco – ser sincero, ser vulnerável, e colocar tudo pra fora". Contudo, quando peço a Heems para falar sobre o abuso de substâncias químicas que o disco aborda, ele educadamente se recusa.

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Além disso, o Eat Pray Thug é, acima de tudo, um disco sobre o 11 de setembro, mesmo quando não é. Versos como “and then the towers hit the planes / and I’ll never be the same” (“e então as torres bateram nos aviões, e eu nunca serei o mesmo”, em “Flag Shopping”) funcionam, em parte, para explicar os efeitos devastadores que o 11 de setembro teve sobre comunidades minoritárias, assim como os efeitos devastadores que teve sobre Heems pessoalmente. "Eu estava tão próximo, próximo o bastante para ver as pessoas pulando dos prédios", conta ele. Uma fonte, por mais que sutil, dos fracassos das relações interpressoais de Suri e dos problemas com abuso de substâncias químicas pode ser rastreada até o 11 de setembro, um fenômeno que Heems repetidas vezes descreve para mim como sendo um "desgosto pessoal geopolítico". "Consegui ser sincero e escrever músicas sobre as coisas que passei, em vez de me esconder atrás de piadas, que eram um meio de lidar que eu havia internalizado de modo a enfrentar coisas extremamente dolorosas, como racismo e xenofobia."

Em vez disso, Heems aqui aborda o racismo e a xenofobia de peito aberto. "Flag Shopping" é sobre o pânico súbito em que as comunidades mestiças foram lançadas em consequência da onda de racismo pós-11 de setembro. "Al Q8a" brinca com o fascínio do rap de Nova York pelo Oriente Médio, retomando o uso que Dipset faz do termo "Talibã" e o verso de French Montana, “hi haters, our guns from Al Qaeda” (“olá haters, nossas armas da Al Qaeda”), com Heems vociferando contra drones do governo e fazendo o ouvinte lembrar de que ele faz rap “for the Arabs in bodegas toting steel under the registers” ("para os árabes em bares, com armas atrás do balcão").

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Foto cortesia do artista

E tem também a "Patriot Act", que, se for verdadeira a ameaça de Suri de que Eat Pray Thug é seu último disco, talvez seja a última música dele que o mundo ouve. A última música do disco é a declaração mais direta de todas feitas por Heems sobre a paranoia pós-11 de setembro. Ao contrário de "Combination Pizza Hut and Taco Bell", a faixa não deixa espaço para diferentes interpretações. Depois de 90 segundos de batidas meio espaciais e paranoicas, Heems fala, claramente e com um quê de tristeza, sobre o mundo pelo qual se viu rodeado na juventude.

Then the towers fell in front of my eyes. I remember the principal said that they wouldn’t. And for a month, they used my high school as a triage. So we went to school in Brooklyn; the city’s Board of Ed hired shrinks for the students, and maybe I should have seen one. From then on they called us all Osama. The old Sikh men on the bus were Osama. I was Osama. We were Osama. Are you Osama?

E aí as torres caíram diante dos meus olhos. Lembro que o diretor disse que não cairiam. E, durante um mês, eles usaram o meu colégio como um posto de triagem. Então a gente ia ao colégio no Brooklyn; o Comitê de Educação da cidade contratou psiquiatras para os alunos, e eu talvez devesse ter consultado um. Dali em diante, eles nos chamavam todos de Osama. Os velhos sikh nos ônibus eram Osama. Eu era Osama. Nós éramos Osama. E você, é Osama?

Talvez Eat Pray Thug seja importante para Heems porque representa a conclusão de um arco, a realização de uma carreira no rap. Embora Suri possa ter sido rotulado como "rap piada" no início, ele estava, o tempo inteiro, tentando explicar para nós que não era isso. Fez raps que continham piadas, é claro, mas a intenção por trás deles era mortalmente séria. E, ao final de Eat Pray Thug, Heems se certificou de que não haveria ninguém rindo. E talvez a intenção seja justamente essa.

Ele está, ao que parece, contente consigo mesmo, não importando o que aconteça daqui em diante. "Tipo, olha", ele me diz, "já fiz uma quantidade suficiente de coisas maneiras na minha vida, de modo que não preciso me preocupar com se as pessoas me acham maneiro ou não."

Drew Millard é um editor adjunto da VICE. Siga-o no Twitter.

Tradução: Marcio Stockler