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Ajude um Falcão a Encarar o Tribunal Francês do Século XIX

É sério.

O protagonista Jayjay Falcon e seu asa-direita Sparrowson.

Existe algo de mágico no sistema jurídico que encanta o ser humano. A argumentação a favor e contra o réu, as histórias divergentes, as reviravoltas, as provas de última hora, os argumentos ad hoc, os ataques ad hominem, mas ultimamente o tom de finalidade que o malho dá ao bater na mesa ativa algo em nossos espíritos que nos penetra com o sentimento de justiça – ou o seu repugnante oposto. O ser humano gosta de julgar, mas é ainda melhor quando todo um sistema de justiça concorda com seu julgamento, quando não há mais a quem recorrer e o processo se encerra. É por isso que existe tanto público para o que os gringos costumam chamar de courtroom drama ou, em português bem falado, novela de crimes. O gênero de entretenimento de crime e tribunal faz muito sucesso no cinema e na televisão, especialmente na terra do hambúrguer (EUA), mas também no resto do mundo (como o vício que a minha mãe tem por Law & Order pode confirmar). A ideia da japonesa Capcom de fazer uma série de jogos baseada nos casos de um advogado de defesa, Phoenix Wright – o primeiro da série tendo saído em 2001 para GameBoyAdvance –, pode parecer meio estranha, mas deu bem certo, já tendo, hoje em dia, cinco jogos principais, [inclusive participando na série Marvel vs. Capcom. ](https://www.youtube.com/watch?v=-LILhai7IHI)

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Uma dupla de ingleses, a animadora, artista e escritora Mandy Lennon e o designer, programador e escritor Jeremy Noghani, está desenvolvendo um game, que, segundo eles, está em desenvolvimento há mais de um século… e, bem, é verdade se considerarmos a matriz original da arte usada no jogo. Todos os personagens de Aviary Attorney – ou pelo menos o desenho deles – foram criados na primeira metade do século XIX na França pelo artista, ilustrador e retratista J. J. Grandville. Trata-se de ilustrações originalmente feitas para o livro de ensaios e contos satíricos Scènes de la Vie Priveé et Publique des Animaux, publicado pela primeira vez em 1841. Com a proibição da publicação de caricaturas políticas nos jornais franceses em 1835, o artista, que tinha seu ganha-pão basicamente nessa arte, teve de testar outros campos e parece ter se firmado como ilustrador de livros, inclusive fazendo alguns trabalhos menos interessantes do que seus famosos animais personificados, até sua morte, em 1847.

O trailer de lançamento dá uma boa ideia do tom do jogo.

A própria imagem absurda mostrada em uma ilustração de Grandville (um tribunal presidido por animais) apresentou a ideia de Aviary Attorney para os desenvolvedores, que começaram a criar o enredo a partir da escolha de algumas figuras do artista que se tornariam os principais personagens desse game. Jayjay Falcon (lê-se fal-côn) é o advogado de defesa controlado pelo jogador que, ao mesmo tempo em que conversa com seus clientes para tentar livrá-los das grades das tenebrosas prisões parisienses entre uma revolução e outra, caminha como um flanêur pela cidade em busca de provas físicas que o ajudem a ganhar os casos. Serão, ao todo, quatro casos que você, com seu fiel e engraçadinho companheiro, Sparrowson (uma espécie aviária de Watson do Sherlock Holmes), terá de enfrentar e possivelmente vencer.

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A charmosa e tumultuada Paris do século XIX.

Embora o jogo esteja em estágio mais ou menos inicial de desenvolvimento e essa história de crowdfunding seja meio estranha às vezes, parece que os trabalhos estão avançados o bastante para que se consiga manter a data inicial para seu lançamento, em junho do ano que vem. O game vai se desenrolar mais ou menos como um adventure com elementos de visual novel; a arte dos objetos usados no decorrer da história também será feita a partir de uma pesquisa realizada em enciclopédias do século XIX, mantendo o mesmo tom da arte dos personagens.

A trilha sonora do jogo não será feita por uma colaboração de produtores 8-bit com pitadas de k-pop, house progressivo e um tiquinho de minimalismo francês, como 80% dos jogos indies da face da terra, mas basicamente a partir das composições de Camille Saint-Saëns, um dos maiores expoentes do romanticismo francês na música – fino mesmo, bem século XIX. Uma das metas extra do financiamento coletivo é a de contratar uma orquestra de câmara, que são só umas quatro pessoas, no máximo umas seis, para gravar as composições de Camille Saint-Saëns; mas, embora o jogo já esteja quase financiado com o mínimo pedido pela dupla, acho meio difícil atingirem a meta de cento e cinquenta mil libras pedidas para esse último extra.

Embora a arte de Aviary Attorney respeite um pouco mais o decoro original do estilo das ilustrações do século XIX, quando o vi pela primeira vez, ele logo me remeteu ao trabalho feito pelo surrealista Max Ernst em seus cinco volumes de narrativa visual bizarra de Uma Semana de Bondade. Assim como o futuro game, as colagens de Max Ernst pegam a rica fonte da gravura de ilustração francesa do século XIX para recombiná-la de maneira original. O material de origem e a recorrência de pássaros no trabalho do surrealista são o único ponto em comum, já que suas criações são material para pesadelo, e não para gostosas risadas, como provavelmente será Aviary Attorney.