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Aprendendo a Verdadeira Amarração do Amor

Fomos a um workshop de shibari e bondage e descobrimos que na hora de atar a galera, suor e trabalho são mais importantes do que ter experiência como escoteiro.

Todas as fotos são da Anna Mascarenhas.

Reza uma lenda no Manual do Escoteiro Mirim que, nas palavras do próprio Baden-Powell, criador dessa peculiar forma de preparar os jovens para o serviço militar, "um escoteiro de segunda classe que não chega a ser um escoteiro de primeira classe, na verdade é de terceira classe". Como nunca conquistei nem um mero distintivo em meus três anos como escoteiro – só cumpri a tarefa de demonstrar que sabia usar seguramente uma faca, senão não poderia nem encostar numa lâmina – sempre achei que seria um zero à esquerda no quesito amarrar pessoas, afinal, das dezenas de nós requisitados para ser um primeira classe, só lembrava de uns três: direito, aselha e nó de correr.

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Sorte que minha formação incluía metade do trampo. Alto, prático e atencioso, Toshi-san, um dos mais legais mestres do shibari – arte japonesa de amarrar gente, que geral acaba misturando com o nome "bondage", do inglês "prender" – no Brasil, acabou com as minhas apreensões logo cedo. Para atar pessoas, explicou ele, só precisamos saber dois nós: o sempre multiuso nó direito e o que pareceu ser uma variação do nó prússico, do qual eu tinha uma lembrança rudimentar.

A sala, bem iluminada pelo sol dominical de outono, não parecia em nada com a masmorra que muita gente associa ao BDSM [acrônimo para "Bondage, Dominação, Submissão e Sadomasoquismo"]. O workshop, parte do último dia da quarta edição do festival PopPorn, realizado na Trackers, centro de São Paulo, era frequentado pelos mais diversos tipos – casais baunilha-flex, o pornógrafo J. J. Rodríguez, um fotógrafo de nus e sua modelo, e alguns membros da comunidade BDSM de SP.

Toshi, ladeado pela namorada e modelo de amarração Jéssica, começou a aula explicando os conceitos básicos do kinbaku (o nome mais chique de shibari). As técnicas foram desenvolvidas no Japão medieval, um país insular que sofria com a escassez de metais e que precisava imobilizar seus prisioneiros – comuns ou de guerra – sem o uso de grilhões ou barras de ferro. Com a unificação do reino e a diminuição dos conflitos, a bela arte de imobilizar seres humanos com cordas acabou indo parar no âmbito do teatro e, obviamente, para dentro dos quartos dos mais aventurosos casais e surubeiros.

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Mais importantes do que a história são as regras de segurança. O amarrador tem que ser responsável pelo bem-estar da pessoa amarrada, dentro dos preceitos de SSC [São, Seguro e Consensual] do BDSM. Ou seja, para começo de conversa, nada de usar droguinha ou mamar uma cana antes de se dispor a amarrar ou ser amarrado. Além disso, é preciso monitorar a cor e a temperatura da pele alheia, afinal, uma vez que você exerce pressão constante sobre um membro, acaba restringindo a circulação de sangue e pode causar danos – incluindo a lesão do nervo radial, localizado no braço, e que muitas vezes sofre grande estresse durante algumas situações de atamento. Outro dado importante da brincadeira é dar preferência absoluta do uso de cordas de fibras naturais, em vez de cordas de náilon e outros materiais sintéticos. Para os iniciantes, Toshi recomenda cordas de algodão, entre oito e seis milímetros de espessura.

Dado o papo básico, bora pôr a mão na corda. Nossa modelo foi a repórter Marie Declercq, que, dadas as tatuagens nas pernas, parece ser uma entusiasta do lance. Primeiro, Toshi ensinou a "amarração de uma coluna", usada para amarrar um braço, uma perna, um lance que seja uma coisa só. É massa, nem é tão difícil e ainda sobra uma alça para você prender o atado em algum canto qualquer e só soltar depois que ele começar a se comportar.

Aí a coisa começou a complicar com a "amarração de duas colunas", destinada a juntar duas coisas – um braço ao outro, uma perna a outra, o braço de uma pessoa à perna de outra, você entendeu. Além de ser um pouco mais complexo, Toshi aproveitou para mostrar que é possível fazer muita coisa com oito metros de corda, e improvisou um separador de braços na hora. Com um pouco de criatividade, habilidade manual e muito treino, não parece haver limite pro shibari. O lance é que eu careço dos dois últimos quesitos e já comecei a dar uma suadinha, mas acho que fiz o trampo direito (julguem vocês pelas fotos).

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Mas o quente e, admito, mas difícil, é a última lição do workshop, o "famoso" (pelo menos entre os fetichistas) Takatekote, ou "boxtie" para os estadunidenses. Se você já viu mais do que duas imagens de bondage no tumblr, incluindo nosso rolê pela indústria japonesa do amor, com certeza se deparou com alguma variação dessa amarração.

No Takatekote (repita várias vezes para decorar o nome, funcionou comigo), amarra-se as mãos às costas e depois envolve-se o resto do tronco com as cordas. A partir daí é só alegria – pode-se atar outros membros ao inserir mais cordas no conjunto e, com uma amarração boa e sólida, dá até para suspender alguém, apesar de não termos ido tão longe.

Tudo parece simples com Toshi explicando, mas, mano, quando você gira de um lado e depois para o outro, começa a se perder. Tentei colar olhando para a galera em volta, mas foi o Toshi quem me salvou – essa belezinha que você vê aí é mais obra dele do que minha. Ainda tentei mais um par de vezes, e acho que ficou meio mal-ajambrado. Uma das lições importantes do Toshi é que, se o lance que você fez não parece simétrico, alguma coisa está errada. Além de fetichista, o shibari tem um grande componente estético, artesanal mesmo, e é sempre preciso ficar de olho nisso.

Observando o Toshi enlaçar a Jéssica deitada no chão com facilidade, fiquei pensando no longo caminho que tenho pela frente se quiser amarrar alguém de modo eficiente e bonito. Bom, já comprei 30 metros de corda, abri todas as abas dos tutoriais dos Two Knotty Boys no YouTube e adicionei o Toshi no FetLife. Só faltam voluntários para amarrar. Tá afim? Manda um e-mail para colonobomdenoh@forafreiras.com que a gente negocia. Agora, deixa eu voltar a tentar desatar minha perna da cama que deu ruim.