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O MinC fica, mas o seu futuro político é incerto

Temer voltou atrás na decisão de fechar o Ministério da Cultura, mas a nova chefia e um crescente fetiche pelo fechamento da pasta mantém o drama vivo para o setor de cultura.

Foto via Flickr/Coletivomundo

Foram nove dias entre a medida provisória editada pelo presidente interino Michel Temer que limou o Ministério da Cultura (MinC) e o anúncio da volta da pasta feita pelo ministro da educação Mendonça Filho. Nesse período, o MinC foi rebaixado a uma secretaria sob a tutela do Ministério da Educação (MEC). Claro, o barulho por parte da classe artística foi grande. Prédios ligados ao ministério foram ocupados em todo país. E velhos caciques da política nacional, como Renan Calheiros, se articularam para reverter a decisão.

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Para acalmar a gritaria, Temer tentou colocar uma mulher no comando da nova Secretaria Nacional de Cultura (tentativa de silenciar outra cagada, a de excluir mulheres da chefia de ministérios). Não conseguiu. Cogitou vincular a secretaria à Casa Civil. Não deu certo. Também apelou para o manual clássico do político e prometeu mais grana. Tanto o novo Mendonça Filho quanto o próprio Temer anunciaram que iriam aumentar o orçamento da cultura em 2017 — valores não foram especificados.

Difícil era acreditar nisso. A fusão do MinC com o MEC fazia parte de uma tentativa do atual presidente de atender aos clamores da sociedade para enxugar a máquina estatal, que caminha para um assombroso rombo de R$ 170 bilhões. Além do MinC, outras oito pastas foram eliminadas. Não faria sentido propor uma fusão entre MEC e MinC que não fosse para economizar dinheiro. Assim, a realidade para o que havia sobrado do MinC era a de recursos reduzidos e estrutura capada.

Nada garante que cortes e demissões não sejam feitos com o novo ministro Marcelo Calero.

Durante esse processo, estávamos tentando entender como o fim do MinC poderia afetar o desenvolvimento da cultura no Brasil. O cenário mudou novamente, mas a nossa investigação ainda vale. Assim, veja como seria o cenário cultural sem o MinC, embora nada garanta que cortes e demissões não sejam feitos com o novo ministro Marcelo Calero.

Esqueça por um momento a ideia de que o MinC é apenas artista famoso pendurado na Lei Rouanet, ou a de que ele só financia peça de teatro com uns parças tochando o dedinho uns nos cus do outro. Em 2016, a pasta contava com 37 projetos, que abrangem diferentes segmentos dentro do campo cultural. Tem paciência para ler? Selecionamos uma lista com 15 deles:

1. Plano Nacional de Cultura, que prevê metas e estratégias para políticas culturais. Até 2020 tem 53 metas, que você confere aqui.

2. Economia da Cultura, que tem ações voltadas à economia do setor cultural.

3. Acervos, que é uma política especial de integração e difusão de acervos culturais.

4. Cultura Indígena: ações voltadas às culturas indígenas.

5. Diversidade: ações voltadas à cultura popular e a públicos segmentados, como o recém-implantado comitê de cultura LGBT.

6. Livro e Leitura: editais, prêmios e ações específicas voltadas ao fomento à leitura, à economia do livro e à modernização de bibliotecas no país.

7. Política Nacional de Museus: gestão do Sistema Brasileiro de Museus, que envolve mais de três mil instituições museológicas e administração direta de 29 museus em todo o país.

8. Biblioteca Nacional: administração do principal acervo bibliográfico do Brasil, e de todos os seus programas de difusão, como a Biblioteca Digital e o programa de traduções.

9. Quilombolas: certificação e acompanhamento das políticas voltadas às comunidades quilombolas do país

10. Cultura Negra, que mira ações de fomento e promoção da cultura negra no país.

11. Intolerância religiosa, que propõe ações de acompanhamento e combate de violações à liberdade de crença.

12. Patrimônio: política permanente de preservação e promoção do patrimônio material e imaterial brasileiros, com superintendências do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

13. Direito autoral: supervisão estatal de todo o sistema de gestão coletiva de direitos autorais, com funções regulatórias estabelecidas pela lei 12.853/2013.

14. Brasil de Todas as Telas, que tem R$ 1,9 bilhões destinados a produção, distribuição, programação, desenvolvimento de projetos e construção e digitalização de cinemas. Em 2015, 739 filmes e séries receberam recursos do Fundo Setorial do Audiovisual.

15. VOD Brasil, projeto em elaboração de plataforma brasileira de vídeo por demanda, que agregue toda a produção sob guarda da Cinemateca e que dê acesso à produção audiovisual nacional. Ou seja, acesso a tudo aquilo que você pagou no item acima.

Alguns desses projetos eram tocados diretamente pela pasta por meio de seis secretarias nacionais (Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural, Secretaria de Políticas Culturais, Secretaria de Articulação Institucional, Secretaria do Audiovisual, Secretaria de Educação e Formação Artística e Cultural e Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura) e quatro diretorias (Diretoria de Direitos Intelectuais, Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, Diretoria de Infraestrutura Cultural e Diretoria de Relações Internacionais). Outros são responsabilidade de sete instituições vinculadas: Iphan (patrimônio), Ibram (museus), Fundação Cultural Palmares (cultura negra), Funarte (teatro, dança, circo, música, artes visuais e artes integradas), Ancine (cinema e audiovisual), Fundação Biblioteca Nacional (com sua política de acervos e difusão) e Fundação Casa de Rui Barbosa (memória, pesquisa e formação).

Na prática, a medida provisória que matava o MinC também eliminava a estrutura administrativa que permite tocar esses projetos. Teoricamente, essas responsabilidades deveriam ser absorvidas pelo MEC. Porém, não era possível saber quem faria o quê e quais funcionários do MinC seriam remanejados — sim, durante os nove dias, tudo ficou paralisado. Assim, os projetos tocados diretamente pelo MinC eram os mais ameaçados pelo corte — os projetos tocados pelas entidades vinculadas não são administrados diretamente pelo MinC .

Entre esses projetos, estão o Cultura Viva e os Pontos de Cultura, bandeiras das gestões Gilberto Gil e Juca Ferreira. Essa linguagem de governantes quase sempre é incompreensível e serve de eufemismo. Então, o que são os Pontos de Cultura? São pequenas associações, coletivos e centros culturais que fomentam atividades culturais. Exemplos: a Associação Indígena dos Produtores Agrícolas do Poço da Pedra, em Salgueiro (PE), que promove artesanato, informação e pesquisa do povo Atikum. Ou a Associação Jequieense de Cegos em Jequié (BA), que faz projetos de inclusão de deficientes visuais por meio da dança, da música e do teatro. Aqui, você consegue visualizar todos os pontos do país. Dados do MinC mostram que 4.500 pontos foram atendidos em mais de mil municípios.

Um projeto para 2016 que ficou sob forte ameaça foi a programação cultural especial para as Olimpíadas — com festas de rua, espetáculos de teatro, dança, exposições e shows.

Um projeto para 2016 que ficou sob forte ameaça foi a programação cultural especial para as Olimpíadas, que teria investimento de R$ 85 milhões. Nesse pacote, estão inclusos festas populares de rua, espetáculos de teatro e dança, exposições em museus e shows. Além dessas atividades, há também a Casa Brasil, um espaço para promover a cultura nacional que já havia dado as caras nas Olimpíadas de Londres. Tudo isso poderia não acontecer (e não sabemos ainda como a nova chefia do ministério tocará isso).

Com os cortes, as sete entidades vinculadas estavam menos ameaçadas, segundo João Brant, ex-secretário-executivo do MinC. "Mas ao serem apenas vinculadas a uma secretaria nacional do MEC, toda a capacidade que essas entidades tinham de disputar uma vaga na agenda do governo se perde", disse ele antes da reviravolta no caso. De fato, o temor existia também entre elas. Tentamos contato com todas as sete vinculadas e apenas a Fundação Casa de Rui Barbosa nos respondeu.

Lia Calabre, presidente da fundação, afirmou também antes da reviravolta: "A instituição teme pela descontinuidade de projetos e políticas que vieram sendo criados e aperfeiçoados ao longo dos anos 2000, o que significaria a perda de direitos constitucionais previstos na Constituição de 1988 e um grande retrocesso no processo democrático e participativo no país".

Segundo Brant, os projetos tocados pela Ancine também não estavam ameaçados. Mas tudo isso ainda é algo a ser visto.

Em relação a alguns assuntos quentes no MinC, como direitos autorais e Lei Rouanet, tudo está parado. Os servidores aguardam a chegada da nova equipe, que acontece nesta terça (24), para saber o que deve acontecer.

Sobre o primeiro tópico, vale a instrução normativa publicada no último dia 4, após consulta pública, que regulariza a cobrança de direitos autorais por associações de gestão coletiva (alô, Spotify! você pode ficar mais caro!)

Já a Lei Rouanet segue sem modificações. O Tribunal de Contas da União (TCU) barrou a aprovação de incentivo para eventos culturais com "potencial lucrativo" — nada de dinheiro para estrelas do axé e do sertanejo.

Já a Lei Rouanet segue sem modificações. A última novidade havia sido a puxada de orelha que o Tribunal de Contas da União (TCU) deu em relação a eventos culturais com "potencial lucrativo". Isso agora está proibido. Nada de dinheiro para estrelas do axé e do sertanejo. De modo geral, porém, com o vai e volta do MinC, os servidores responsáveis pelas análises de aprovação de projetos estavam afastados das atividades. O sistema ficou paralisado.

FORMIGUINHA
Claro, os cortes geravam economia, mas insuficiente para resolver qualquer um dos problemas do Brasil. O ex-secretário estima que ao eliminar a estrutura administrativa do MinC é possível economizar, no máximo, R$ 40 milhões — um cenário que já deixaria os atuais programas debilitados. Qualquer valor acima disso só seria possível atingir eliminando de fato os programas. Qual é o tamanho da contribuição disso em relação ao resto do problema nacional? Bom, o novo ministro da saúde, Ricardo Barros, lamenta um corte de R$ 5,5 bilhões no orçamento de sua pasta. Nem se todo o orçamento previsto para 2016 para o MinC fosse inteiro direcionado para saúde seria possível cobrir esse rombo. A pasta tinha previsto R$ 2,3 bilhões.

Em 2016, O Ministério da Saúde tinha orçamento previsto de R$ 88,9 bilhões e o MEC de 31,5 bilhões.

Vale lembrar o tamanho do MinC em termos orçamentários. Em 2016, O Ministério da Saúde tinha orçamento previsto de R$ 88,9 bilhões e o MEC de 31,5 bilhões. O MinC era uma formiguinha perto de um elefante.

Ainda assim, o ministério também estava fazendo sua parte.Os cortes já vinham ocorrendo nos últimos anos. Em 2016, a pasta tem disponível R$ 602 milhões para investir em políticas culturais — o resto do dinheiro previsto no orçamento é para gastos obrigatórios, como gastos com pessoal, ou vindo de projetos que têm arrecadação específica, como a Ancine. Os R$ 602 milhões são equivalentes ao valor nominal de 2007 para investimentos em políticas culturais. Esse é um fenômeno que atingiu outros ministérios pequenos, como do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Social e o do Desenvolvimento Agrário. No ano passado, esse valor foi de R$ 700 milhões.

Além disso, um outro fenômeno vem atingindo de forma generalizada os ministérios brasileiros. Mesmo com orçamento reduzido, alguns gastos continuam a crescer ano após ano, como os recursos destinados à Previdência. Isso resulta em um achatamento ainda maior da grana que as pastas podem utilizar de fato.

LONGO PRAZO
O fim dos programas atuais era só uma das faces do fim do MinC — o ponto mais visível e altamente conectado no curto prazo. Mas, qual seria o resultado a longo prazo?

Brant diz que algumas políticas culturais demandam tempo para gerar resultados. Um exemplo são as leis de audiovisual e da Ancine, que garantiram o crescimento do cinema brasileiro por meio de fomento público nos últimos 15 anos. E a ideia pode ser estendida para vários campos de atuação, inclusive para tornar o brasileiro maior consumidor e produtor de bens e serviços culturais.

"Em nome do quê mesmo que o Temer estava fazendo isso? Há um fetiche de diminuição de ministério que causa economia de palito e muda muito pouco a estrutura geral", diz Brant.

Em 2014, uma pesquisa realizada por Gisele Jordão, professora da ESPM, concluiu que 42% dos brasileiros não consome cultura, o que inclui não visitar cinemas e museus, não frequentar festas regionais, espetáculos e peças de teatro e ignorar livrarias e bibliotecas. Claro, ampliar o repertório da população exige políticas de longo prazo. E a ausência de um ministério dedicado a isso certamente não ajudava.

"Em nome do quê mesmo que o Temer estava fazendo isso? Há um fetiche de diminuição de ministério que causa economia de palito e muda muito pouco a estrutura geral", diz Brant.

A grande pergunta que pairava no ar desde o último dia 12 de maio era se, em vez de virar uma secretaria, o MinC conseguiria continuar a existir com uma estrutrura mais enxuta, já que não está fácil para ninguém e toda a esplanada dos ministérios está sofrendo cortes.

"É possível manter o MinC e fazer parte do ajuste", admite o ex-secretário.

Com a retomada do MinC, integrantes de associações artísticas já se mostraram abertos a dialogar com o novo ministro da pasta, Marcelo Calero. Segundo a Folha de S. Paulo, representantes da APTR (Associação de Produtores de Teatro), e do Procure Saber e o GAP (Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música) já se reuniram com Calero no último fim de semana.

Agora, com a reviravolta no caso, o cenário da cultura brasileira pode não sofrer tanto no curto e no longo prazo. Ou não. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

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