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Elmore Leonard, o Mestre

Uma entrevista com

Não vamos perder tempo na introdução porque você já deveria saber quem é esse cara. Só vou dizer uma coisa: Elmore Leonard, aos 84 anos, é uma máquina de produzir histórias detalhadas, emocionantes e hilárias de criminosos. Ele escreve diálogos tão bons que você juraria que foram tirados de conversas de verdade. Leonard entende melhor que Deus a arte de criar um personagem de carne e osso do zero. Conversamos com ele em seu quarto de hotel em Nova York. Ele estava dando um tempo da turnê de lançamento do seu mais novo livro,Road Dogs, que junta três personagens já existentes em obras anteriores — Jack Foley, Cundo Rey e Dawn Navarro — e se passa em Venice Beach, Califórnia. Como sempre, você acaba lendo o livro compulsivamente. É 100% entretenimento. VICE: Acabei de lerRoad Dogs (ainda sem título em português)ontem à noite. Li de uma vez só, levou umas dez horas.
Elmore Leonard:Essa é a melhor forma de ler. Assim você lembra tudo que está acontecendo. Gosto da forma como você cria essas situações que parecem que vão se arrastar pela trama, mas são detonadas quase que imediatamente. Por exemplo, quando Jack Foley chega na Califórnia e conhece a Dawn Navarro. Já tinha um clima armado em torno da questão de se eles transariam ou não.
É verdade. Em qualquer outro livro, esse clima seria mantido por algum tempo. Mas você já parte para outra e coloca eles na cama logo no primeiro encontro.
Lembro do meu editor dizendo, enquanto eu escrevia o livro: “Não acho que a relação deles deveria ficar séria assim em tão poucas horas”. E eu falei: “Não se preocupe, vai ficar bom”. Ficou parecendo bem real do jeito que você escreveu.
Funciona nesse livro. Ele não vai esperar até o terceiro encontro, ou coisa parecida, para tentar dar um beijo nela. O cara acabou de sair da prisão. É, ele não é do tipo que espera. E tem a personagem Danialle, quando o Jack e a Dawn vão passar a perna nela, eu achava que ia rolar o maior suspense em torno disso durante boa parte do livro, mas foi pá-pum, em poucas páginas ela já está dizendo que sabia da cilada e que não se importava.
Essa personagem se chama Danialle Karmanos porque o marido dela me pagou 40 mil dólares em um leilão para eu usar o nome dela no livro. Tenho feito isso para vários livros—eventos para arrecadar dinheiro, leilões com modalidades diferentes: “Você quer estar no meu romance?” Ah, então o nome Danialle Karmanos foi tirado de uma pessoa de verdade? Que engraçado.
Karmanos é um centro de pesquisa e tratamento de câncer gigante que fica em Detroit. O marido dela também queria estar no livro. Então ele participou de outro leilão e só teve que pagar 5 mil dólares para ganhar. Mas o papel dele é bem menor. É o papel do cadáver.
Sim, ele está morto. [risos] Você conta qual personagem eles vão ser, ou eles só descobrem quando sai?
Não conto nada. Ouvi dizer que você começa com a construção dos personagens antes mesmo de desenvolver um enredo.
Bom, personagens em situações específicas. Por exemplo, o Foley vai sair da prisão e o Cundo Rey também, o mesmo personagem do meu livroLa Brava, dos anos 80. Gosto do Cundo Rey. Ele estava nesse livro mais antigo mas não teve destaque. Então quis trazer ele de volta. Achei que ele tinha morrido no fim doLa Brava(Joe la Brava).
Também fiquei com medo que ele tivesse morrido. Lembro de procurar no livro pensando: “Meu Deus, tomara que ele esteja vivo.” Ele levou três tiros no peito, mas sobreviveu. Pelo visto sim. Você faz um esboço dos personagens ou você já coloca eles direto na história?
Bom, esses três — Foley, Cundo e Dawn — já conhecia. O Clooney fez o papel do Foley emOut of Sight (Irresistível Paixão), e espero que ele queira fazer novamente, mas ainda não leu o livro. Estou achando que vai acabar virando um filme.
Vai sim. Então, esses três personagens eu já conhecia. Não tive que me preocupar em imaginar qualquer coisa sobre eles que não fizesse parte desse enredo. E não perco muito tempo com enredo. Gosto de ir inventando as situações conforme vou escrevendo, sem esboço. Você já conhece praticamente todo mundo que vai estar no livro nas primeiras 100 páginas. Então, no segundo ato, tenho que fazer uma adaptaçãozinha, criar um subenredo para encaixar os próximos acontecimentos. No terceiro ato, que normalmente já transfiro para o manuscrito por volta da página 300—meus livros normalmente têm umas 350 páginas — penso em um final. É um processo que você desenvolveu ao longo da sua carreira, ou sempre foi assim para você?
Tenho feito desse jeito há 30 anos. Às vezes não parece arriscado, não saber o rumo da história?
Não. Não me preocupo com isso. Se não funcionar, não funcionou. Mas se eu gostar dos personagens, sei que vai funcionar. Sei que vou me divertir com eles, isso para mim é o principal. O processo de escrever tem que ser divertido, senão esquece. Deve ser legal para você, já que está sempre escrevendo.
Estou escrevendo um livro agora. Se chamaDjibouti. Tem a ver com os piratas Somalis. Uau!
Uma cineasta de 35 anos começa a ler sobre esses piratas no jornal e decide que quer fazer um documentário sobre eles. Ele fez três documentários até agora e todos ganharam prêmios. OKatrina, ela fez em Nova Orleans, onde morava, então saiu de casa e filmou Katrina. Ela fez um outro sobre supremacia branca chamado… Esqueci o nome. Então a personagem do seu novo livro é baseada nessa cineasta?
Não, ela é minha personagem. É totalmente fictícia? Pelo jeito que você fala dela, eu pensaria que ela realmente existe.
Eu sei, é porque eles se tornam reais para mim. Depois que acaba o livro, fico imaginando: “O que será que eles estão fazendo agora?” Isso é incrível.
Então, ela arruma um assistente, que é um negão enorme de 72 anos que era marinheiro. Ele já deu a volta ao mundo umas 50 vezes. Já esteve por essas águas, pelo Mar Vermelho, Golfo de Áden, Oceano Índico, contornou a Península Somali. É lá que esses piratas estão operando. No livro tem até aquele último sequestro do navio americano, em que eles mantiveram o capitão como refém em um bote salva-vidas, e que atiradores de elite atiraram nos três piratas — um tiro em cada um. Aqueles disparos foram impressionantes.
Eles não estavam tão distantes. O bote estava alinhado com odestroyer. Os atiradores estavam atrás dodestroyere acho que eles estavam com os rifles apoiados em um giroscópio para conseguir manter o nível. Mas três tiros na cabeça, de um barco gigante flutuando no mar, para um bote no escuro… É bem impressionante, com ou sem giroscópio.
Três tiros para acabar com a história. Adoro esses piratas.
Bom, ela também adora, tem uma simpatia enorme por eles pelo fato de sua área de pesca estar sendo contaminada por lixo tóxico. Eles também estavam tendo uma concorrência enorme com grandes companhias chinesas e japonesas que estavam mandando pescadores para lá. Então eles começaram a sequestrar navios para pedir resgate. E os seus personagens principais entendem o lado deles.
Logo no primeiro capítulo, ela chega em Djibouti. O assistente já está lá com um barco alugado. Naquela noite, ele mostra Djibouti, que é um caos absoluto, para ela. Eles cruzam com um pirata que está na cidade para uma noitada, ele tem uma Mercedes e vai dar uma volta. Não é um pirata qualquer, tem um certo nível e muito dinheiro. Vive pela Somália. Ela também conheceu outro cara no vôo de Paris que sai por aí conversando com piratas, tentando convencê-los de que isso não vai acabar bem. Tentando desviar eles do caminho que escolheram.