​Pai refugiado: histórias de quem vive longe

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​Pai refugiado: histórias de quem vive longe

"Se aparecer um trabalho, vou fazer tudo, tudo mesmo, pra tirar meus filhos daquele país", diz Jean-Claude Ditutala, um congolês refugiado no Brasil.

O angolano Nsimba Eduardo mostra fotos de sua esposa e suas filhas. Foto: Guilherme Santana/ VICE

O passado beligerante continua na memória de quem hoje se refugia no Brasil. Enquanto muita gente estará filando um belo rango e abraçando seu velho preferido no mundo neste domingo (8), no Dia dos Pais, vários caras passarão o dia longe dos filhos. Fomos até a Casa do Migrante, no bairro do Glicério, em São Paulo, conversar com alguns imigrantes e entender suas histórias e saudades.

O congolês Jean-Claude Ditutala passou 25 dias no fundo escuro de um barco para chegar ao Brasil depois de ser ameaçado pelo Exército. Foto: Guilherme Santana/ VICE

Nascido na República Democrática do Congo (RDC), país que há anos sofre com problemas sociais provocados pelo conflito armado, Jean-Claude Ditutala conta que há meses não tem notícias da família. Ele deixou sua nação depois que seu pai foi ameaçado de morte pelos militares, assim como todos os outros homens da família. "Meu pai disse pra fugirmos", relata. Aí começa uma verdadeira história de sobrevivência. Jean-Claude se refugiou em um porto, onde conheceu um navegante que o ajudou a cruzar as fronteiras. Primeiro, ele ficou escondido sozinho em um sítio por dias a fio. "O homem me comprou um galão de água de cinco litros e bolachas, dessas de criança." Depois, navegar foi preciso. Foram longos 25 dias no fundo de um barco, no escuro total. Sem saber aonde ia, ouviu a palavra "Brasil" quando a embarcação alcançou o Porto de Santos. "Ele disse que aqui ninguém me mataria, que eu estaria livre. Ele me mostrou a estrada, e, lá, pedi carona até o centro de imigrantes, onde ficavam os estrangeiros e refugiados. Na estrada, um moço me deu carona."

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Pai de uma menina de seis anos e um garoto de um ano e oito meses, Jean-Claude até agora não conseguiu contato nenhum com sua família. Os números de telefone que tem não funcionam mais. Em seu país, comemorar o Dia dos Pais é para quem "tem dinheiro". "Sim, senhora", responde quando perguntado sobre a existência do desejo de trazer a família para cá. "No momento, eu não tenho dinheiro. Mas, se aparecer um trabalho, vou fazer tudo, tudo mesmo, pra tirar meus filhos daquele país."

O motorista de táxi haitiano Alain Succes. "Não queria passar o Dia dos Pais sem meus filhos, mas vim pro Brasil buscar uma vida melhor." Foto: Guilherme Santana/ VICE

Motorista de táxi, o haitiano Alain Succes está na mesma situação: longe da família e sem emprego. Chegou ao Brasil há exatamente um mês. Desde que um terremoto atingiu o Haiti no dia 12 de janeiro de 2010 e mais de 200 mil pessoas foram mortas, o país que compõe o Caribe nunca mais conseguiu se reerguer – o que justifica os diversos haitianos que aportam em terras brasileiras diariamente.

"Não queria passar o Dia dos Pais sem meus filhos, mas vim pro Brasil buscar uma vida melhor", diz Alain, que mal fala português. Pai de duas crianças, ele explica com pesar por que veio sozinho: não havia dinheiro o bastante para trazer toda a família.

O pai do angolano Nsimba Eduardo morreu há mais de dez anos. Hoje, a saudade é ainda maior, já que há sete meses ele não vê as filhas e a esposa, que ficaram em Angola quando ele precisou sair de seu país para tentar a vida no Brasil. Apesar de sua língua nativa ser o português, a timidez o impede de falar muito. Com a barba feita no maior estilo, jaqueta e headphones repousando no pescoço, ele abre a mochila e mostra as fotos da família. "Sinto falta de estar perto delas. Quero trazê-las pra morar aqui comigo."

Pai de um casal de gêmeos, o congolês Evrard Kiteo Masonbele teve de fugir depois de ser preso por participar de uma manifestação contra o presidente de seu país. Foto: Guilherme Santana/ VICE

Em janeiro deste ano, uma manifestação que foi fortemente reprimida pela polícia tomou conta da cidade de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo. O caos foi instaurado: lojas saqueadas, gás lacrimogêneo e tiros de arma de fogo disparados pelos policiais. Um dos manifestantes contra o presidente Joseph Kabila hoje vive no Brasil. Evrard Kiteo Masonbele conta que alguns de seus amigos de luta morreram ou foram presos. "Assim como eu", fala. "Depois, fugi da cadeia com a ajuda de um tio. Estou em situação de refúgio no Brasil."

Calmamente, ele explica em português que o Dia dos Pais não é celebrado na RDC, um dos países mais pobres do mundo. "Não temos muita possibilidade. Não acontece nada de especial." Pai de um casal de gêmeos, Evrard tira o celular do bolso para nos mostrar a foto dos filhos, que ele não vê há seis meses. "Sinto muito a falta deles", suspira.