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Música

Cassetes: Jon Collin

Infinitas rotas para um psicadelismo interior, solitário.

The Great Stink

Eiderdown Records

O virtuosismo é uma arma potencialmente perigosa, seja qual for a aresta artística. Isto porque a obra pode ceder na exposição quase gratuita do domínio técnico, aniquilando a criatividade e a originalidade que mereceriam igual destaque. Um erro mais que comum nas piores memórias do prog rock. Num outro plano, encontram-se aqueles que apesar da sua autoridade, pouco ou nada têm de exibicionista, sabendo calibrar com sabedoria esse importante limbo. Como gajo justo que julgo ser, num caso ou no outro, não citarei nomes (vocês saberão quem são eles). Esta apreciação entre água e azeite não introduz propriamente o guitarrista Jon Collin em qualquer um dos papéis, embora, na necessidade de escolha, se aproxime mais do segundo caso. Não que seja um virtuoso reconhecido e absoluto — nem sequer essa vontade parece existir —, mas reúne experiência necessária para o aceitar como um músico para além do competente, reservando constantes surpresas e demonstrando um óbvio à vontade com o instrumento. E, claro, evitando o show off até mesmo quando poderia ter espaço para tal.

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Ao terceiro lançamento a solo (o primeiro sob o selo Eiderdown Records), o norte-americano assina um não menos que brilhante registo de como a música pode e deve libertar-se de certas amarras. O termo rock impõem-se por numa certa ordem natural das coisas, mas torna-se confinante a essa mesma esfera; existe um fantasma blues/folk demasiado físico a vaguear os cantos e recantos de

The Great Stink

, assobiando a contemplação árida de Ry Cooder ou murmurando a ausência de formas de Loren Connors. Menos concentrado numa eventual cinematografia sonora, Collin parece, sim, procurar infinitas rotas para um psicadelismo interior, meio solitário, de quem procura encontrar um universo paralelo entre as quatro paredes de uma mera divisão — e esqueçam o teletransporte, isto é outra cena. Há que esgravatar nas referências e influências e buscar mais além do que o imediato nos traz. Este é definitivamente o ponto de arranque deste bacano que nem sequer deixou de fora elementos como sons ambiente captados (em que se escutam, ao longe, conversas alheias, cadeiras arrastadas e automóveis a passarem na estrada). Perfeito estado de submersão no momento, nas ideias e (por que não?) nos devaneios. Afinal de contas, é assim que se transcede do mundano e como o outro grego um dia gritou "EUREKA!", enquanto se banhava em águas quentes. E convenhamos, quem nunca teve uma epifania espojado no sofá ou confortavelmente sentado na retrete que atire a primeira pedra.

Em jeito de nota adicional, e falar nisto também interessa, um thumbs up à editora de Seattle, que nos últimos tempos tem trazido uma mão cheia de óptimos discos, a maioria em formato cassete, e sempre com um grafismo absolutamente de top. Quem sabe, afaste de vez o mofo do grunge que a pobre cidade tem carregado desde os Nirvana.

Quanto a "The Great Stink", nesta altura da leitura já se percebeu que é uma façanha risonha. De e para bravos que não se contentam com pouco.