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Música

Fomos lá e vimos: Samuel Úria

Pelo meio houve um kinder de surpresas.

Pouco depois de o árbitro apitar para a segunda parte da invasão castelhana, começou no pequeno auditório do CCB a mais recente apresentação de Samuel Úria em Lisboa. Apresentou-se catita como sempre e iniciou as hostes com a purgação irónica que lançou o álbum com o mesmo nome: "se isto fosse fácil eu não o fazia, se fosse difícil eu nem lhe tocava". Depois desse perfeito começo para um set perfeito, o cantautor acolheu os que se deslocaram à capital “madrilena” e explicou que tocaria algumas canções mais antigas, como "Rua Fonte Nova", em que canta sobre a rua onde achava ter nascido.

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Terá sido nesta altura que os mais atentos se aperceberam que estavam à beira de um grande concerto, muitíssimo melhor do que ver os abdominais do Cristiano Ronaldo pela enésima vez. Seguiu-se “Água-de-colónia da Babilónia”, já acompanhado por toda a banda e pelo coro “doze ao todo”, que sendo sete dão jus ao nome. Só então veio à baila o último trabalho de Samuel, ao soar a candura de “Deserto” e a ardente “Espalha Brasas”, que se o mundo não estivesse de pernas para o ar, ganharia o festival da canção com uma perna às costas. Clássicos como “Lamentação” e o menos conhecido “Para Ninguém” antecederam um dos momentos altos da noite: “Lenço Enxuto”, a melhor canção do ano para a Sociedade Portuguesa de Autores e belíssima reflexão sobre a ancestral dualidade masculino-feminina. Depois de muitos lenços encharcados enrijeceram-se as almas com “Pequeno Mundo” e “Não Arrastes o Meu Caixão”, que terminou em poderosa roque-alhada.

No segundo momento alto da noite Samuel chamou a violinista “cheia de graça” Miriam Macaia (que por coincidência carregava no ventre uma convidada clandestina chamada Graça) para interpretar a delicada “Batuta e Batota”. Sempre em falsete veio o grande “Teimoso”, seguido pela maravilhosa balada folk “Em Caso de Fogo” e culminando a primeira parte com o hino “Império”, tema em que Úria abusou com mestria do mais despretensioso oversinging do mundo e que deu direito a dueto de solo de guitarra com Ben Monteiro. Para a segunda parte estava reservado um kinder de surpresas: uma convidada especial chamada Ana, que afinal era Márcia e que afinal não iria cantar “Eu Seguro”, mas sim “Barbarella e Barba Rala”, das mais bonitas da costela baladeira do cantautor. Nova saída e regresso pedido a muitas palmas, com a notícia do resultado final de um jogo supostamente importante, do qual já nos esquecêramos sensivelmente desde os primeiros acordes.

A noite chegou ao fim com a “brutalidade” de “Tigre Dentes de Sabre”, que reuniu todos os convidados em palco, à excepção da Ana, e com brutalidade rasgaram merecidos aplausos que deram por encerrada uma brilhante apresentação do irónico e antitético músico, que vem elevando a cena popular-rock portuguesa à grandeza de um passado que já lá vai e de um futuro que temos esperança que esteja a caminho. Mostra o caminho à malta, Samuel! Fotografia por Tiago Paiva