FYI.

This story is over 5 years old.

cenas

O Nuno organiza os concertos que quer ver

A Sidewalk Bookings é uma promotora de concertos em modo homemade.

Conheci o Nuno às sete da tarde. Ele tinha combinado ir jogar à bola com os Lusitanos, uma pequena equipa de futebol composta por portugueses, e treinada pelo Cônsul de Portugal em Barcelona. Mas tranquilizou-me, não havia pressas nem stress. No fim da conversa disse-me que, porque era o último a chegar, tinha de levar os coletes para lavar. Fiquei a saber uns dias mais tarde que se tinha lesionado porque não chegou a tempo de aquecer.

Publicidade

É um tipo simpático, tímido e modesto. Tem uma coisa chamada Sidewalk Bookings, que segundo ele não é mais que um blog, uma página de facebook, um endereço de e-mail, uma data de gente pronta a ajudar, muitas horas de trabalho, amor à música, amizade e carinho. E já não é pouco. Também é a única promotora que traz músicos portugueses a Barcelona – à excepção de uns casos pontuais, como A Casa Portuguesa ou o ByNicho. Desenvolve-se a uma velocidade orgânica, é homemade, e talvez seja esse o segredo do seu sucesso, discreto e tranquilo. O êxito é o equilíbrio entre o bem-estar e a realização pessoal. O luxo é para os estúpidos, dixit Munari.

Combinámos ver-nos uns dias mais tarde para uma espécie de entrevista barra almoço com o resto da dream team. Durante a conversa o Nuno explicou-me que a Denise – a sua amada – é a responsável pelo catering, desde sempre. E eu achei boa ideia simular a diáspora Sidewalkiana. Ele aceitou, check. "Levo o vinho, está bem?", check.

Os cartazes são da autoria do Vasco Valentim.

Sábado, duas e tal, chego atrasada. Quatro pessoas à minha espera. Ninguém se chateia. Cool.

A Denise já tinha tudo preparado. Em cima da mesa, acepipes. O Diederik e o Alex conversavam em inglês, ao pé da janela. Há cerca de um ano o Diederik mudou-se para Florência, e foi espectacular coincidir com ele, porque embora o Nuno seja a personagem principal deste artigo não entrou nisto sozinho. Tudo começou em Outubro de 2011. O Nuno era responsável pela coordenação e o Diederick pela parte técnica. Eu perguntei-lhe se tocava algum instrumento para tentar perceber qual era a lógica da divisão de tarefas. Mas não era isso. Ele limitava-se a observar atentamente o que os outros faziam, e como não era tão disciplinado como o Nuno, resolvia as coisas conforme elas se apresentavam. Pronto, funcionavam como um relógio, estavam feitos um para o outro, e eram felizes. A Denise cozinhava quiches e saladas com a ajuda da Vanessa, que também ajudava a imprimir os cartazes que o Vasco desenhava. As tarefas que iam sobrando dividiam-se segundo a posição do sol.

Publicidade

Acepipes.

"Diederik, tens alguma história para contar?" Bem, há a dos Toro & Moi.

Foi o primeiro concerto que organizaram, e provavelmente o mais importante. 114 entradas. O Nuno gostava muito deles mas ninguém os trazia a Barcelona, e ele chegou-se à frente. Como eram bastante inexperientes não sabiam que tinham de providenciar a bateria, e às sete da tarde do dia 21 de Outubro (em estado de choque) pegaram nos telefones e ligaram para mais ou menos toda a gente que conheciam. Vivemos na era da velocidade super sónica, por isso 20 minutos antes das nove o problema estava surpreendentemente resolvido. Ufa. Mas era divertido. O Nuno diz que com amigos é tudo muito mais fácil. "Mesmo quando alguma banda não era muito simpática nós divertíamo-nos sempre. Imagina o que é ser bastante calado, como é o meu caso, e ir buscar alguém que também não fale muito."

Os concertos foram acontecendo, Galadrop, ITAL, Sunflare, Norberto Lobo, Umberto, CAVE, e tantos outros. As histórias vão-se contando sozinhas. "Houve aquela vez do Umberto, lembras-te?", diz o Diederik. Era uma sala pequena e havia este rapaz, o Umberto. Ele dedica-se a fazer música "de terror" e o ambiente, claro, é uma componente importante. Pediu-lhes uma daquelas máquinas de fumo, como as do Mini Chuva de Estrelas, e eles arranjaram-lhe uma mesmo boa. Embora tenham sido avisados - "Olhe que ela é muito potente, é só ligar um bocadinho e desligar logo." - e tenham explicado isto ao Umberto, ele ou se esqueceu, ou curte mesmo fumo, e a sala ficou intransitável. As pessoas iam entrando sem ver nada, recorda a Denise, era incrível. A meio do concerto o fumo começou a dissipar-se, as pessoas dançavam. O Umberto tinha trazido umas projecções de filmes de terror que agora já conseguiam ver-se, e estava tudo na maior. Afinal havia ambiente.

Publicidade

Por esta altura a Denise já tem tudo preparadíssimo, e cada um pega em três ou quatro coisas para levar para o terraço. Comemos outdoor. Barcelona style.

À mesa com: Alex, Diederik, Nuno e Denise.

A quiche da Denise.

Projectores de fumo não são a única coisa que os músicos pedem. Há um pouco de tudo, há até quem peça falafels porque sim, só para ver quem é que alinha. 5 pares de meias vermelhas, salas sem fumo, um saquinho com erva da boa, toalhas pretas, e húmus, sempre húmus. Mas nestes três anos o Nuno já aprendeu que se não podes vencê-los junta-te a eles, ou então dá-lhes a torta de cenoura da Denise.

O Alex, fã e novo elemento da Sidewalk, acha que estes três anos serviram para criar um reputação sólida, e de certa forma coerente. Embora os estilos sejam do mais variado, existe uma linha transversal a todos eles. Um tipo de intensidade, o mesmo tipo de sensação. Quando o Diederik foi para Itália era preciso encontrar alguém que pudesse ajudar o Nuno. "Ás vezes tenho tanto trabalho que nem encontro o tempo para ouvir música. O Alex é o meu fornecedor." Trabalhou em teatros e tem experiência de palco. A Sidewalk é um passatempo, uma mini-versão – mas mais fixe – do que fazia antes. Também é músico, e por isso tem uma sensibilidade importante na hora de escolher este ou aquele tipo de amplificador.

"Mas então como é que se escolhem as bandas?", pergunto. O critério é visceral, é o que o Nuno curte. "Ah, mas e se gostares da Beyoncé?". O mais difícil, explicam-me, é entender quantas pessoas, potencialmente, virão ao concerto, e quanto é que estão dispostas a pagar por uma entrada. A Sidewalk não toma decisões baseada no lucro que vai ter, mas é importante que os concertos se paguem a si mesmos. O Alex acha que as pessoas vão a festas de forma quase automática, porque é o que culturalmente estão habituadas a fazer, e que se fosse possível contrariar ligeiramente esta tendência, a gente que organiza concertos ficaria a ganhar. O próprio Diederik admite ter perdido grandes momentos musicais em prol de mais uma ou duas cervejas, tomadas à fresca.

Publicidade

Os cartazes são da autoria do Vasco Valentim.

A história que mais curti foi a do Norberto Lobo. Quando cá veio estava doente e teve de ir ao hospital. Como dormia em casa do Diederik foram até lá para descansar. Talvez nem houvesse concerto. Enquanto o Diederik preparava um café, ouve uma guitarra e o Norberto que pergunta: "Incomoda-te?". Esteve uma hora e meia naquilo, para puro deleite do holandês. Depois jogaram xadrez e ouviram discos. "How cool is this?" Houve concerto e foi um êxito, 120 entradas vendidas. À saída uma amiga disse à Denise: "Não falem comigo, não quero ouvir mais nada até chegar a casa". A Sidewalk escolhe salas pequenas e intimistas, como é o caso do Heliogàbal, Miscelanea, ou nunArt.

Descemos para comer a fantástica torta de cenoura da Denise – é uma receita de família, claro que é secreta – e tomar café. Ficámos ali, só a rir-nos.

A jóia da coroa: Torta de cenoura.

Amanhã, sábado, dia 15 de Novembro, acontece em Barcelona a primeira edição do Portugal Alive. É organizada pelo Consulado de Portugal com a ajuda da Sidewalk Bookings. Vão cá estar os Dead Combo, o B Fachada, e o meu querido Anxious Myopic Boy. Começa às 20h, na sala maior do Apolo, e a entrada é livre. Voltem na segunda, que eu conto-vos tudo.