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Por dentro do caos e do ódio em Charlottesville

A manifestação da alt-right de sábado passado na Virgínia já começou violenta. Depois piorou.
Unite the Right no sábado

A manifestação "Unite the Right" acabou em caos logo antes de começar. Por volta do meio-dia do sábado, uma cornucópia de racistas se reuniu ao redor de uma estátua do general confederado Robert E. Lee que dever ser removida, e seus oponentes os cercaram nas ruas abaixo. Cerca de 20 minutos antes do começo agendado do protesto, os dois lados já estavam jogando pedras e garrafas plásticas um no outro. O ar estava tão cheio de spray de pimenta que tinha gosto de rapé.

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Alguns minutos depois, tropas de choque da Polícia Estadual da Virgínia declararam o protesto ilegal e limparam a área ao redor do monumento confederado. Manifestantes dos dois lados se dispersaram, com os extremistas de direita marchando mais de um quilômetro e atravessando uma rodovia até outro parque. Os contramanifestantes do Black Lives Matter eventualmente se juntaram numa rua comercial no centro da cidade.

No McIntyre Park, Eli Mosley queria saber quem estava armado. "Preciso de atiradores", disse o veterano do exército e nacionalista branco que seria o "general" da direita alternativa. "Vamos mandar 200 pessoas com fuzis de volta para a estátua."

Ao redor dele, homens mais velhos com lapelas nazistas, um cara com cota de malha e gente do ramo texano da Vanguard America, um grupo nacionalista branco, trocavam piadas entre si. Algumas pessoas queriam dispersar, mas Mosley não topou.

Ele chegou a centímetros do rosto de outro nacionalista branco que sugeriu que todo mundo fosse para casa para evitar ser preso. "Eu sou a porra do organizador", ele gritou, com as veias saltando e cuspe voando. "Me ouça, cacete!"

A tensão já era alta em Charlottesville logo antes do meio-dia, enquanto nacionalistas brancos dentro do Emancipation Park estavam num impasse com contramanifestantes nas ruas abaixo.

Felizmente, ninguém ouviu Mosley. Mas o dia acabou de maneira horrível independente disso, depois que um carro avançou contra uma multidão de manifestantes, ferindo pelo menos 19 pessoas e matando uma mulher de 32 anos chamada Heather Heyer. A polícia prendeu James Alex Fields, um homem de 20 anos de Ohio acusado de homicídio em segundo grau, com três acusações de ferimento malicioso e uma por fugir da cena de um acidente.

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No rescaldo, políticos dos dois partidos condenaram o protesto e o ataque com carro, com o senador republicano do Texas Ted Cruz chamando o caso de "terrorismo doméstico". (Fields ainda não foi acusado formalmente de terrorismo.) Mas o presidente Trump evitou apontar um culpado, em vez disso denunciando a violência de "muitos lados".

Esse lapso pareceu particularmente irritante considerando as imagens alarmantes do protesto Unite the Right, que se espalharam rapidamente pelas redes sociais. Na noite de sexta-feira, supremacistas brancos carregando tochas marcharam de maneira macabra pelo campus da Universidade da Virgínia, no que parecia uma manifestação da KKK sem os capuzes. No dia seguinte, eles se fizeram notar de novo, usando abertamente símbolos nazistas e de outros movimentos de extrema-direita.

Oficialmente, a manifestação era contra a remoção da estátua de Robert E. Lee, mas acabou servindo como uma convenção para alguns dos nacionalistas brancos mais extremos do país, além de antifas e outras pessoas dispostas a se opor a eles. Para líderes de extrema-direita, foi uma chance de ver quantos simpatizantes estavam dispostos a mostrar isso em público, em vez de apenas anonimamente na internet.

A Polícia Estadual da Virgínia marchou pelas ruas do centro de Charlottesville, tirando as pessoas das ruas do que eles diziam ser um protesto ilegal.

Especialistas disseram que Charlottesville seria uma inflexão para o movimento de "identidade branca" – não apenas a maior reunião de racistas nos EUA em pelo menos uma década, mas também um ponto onde vários grupos marginais se fundiriam com os trolls online, que se tornaram politicamente ativos durante o Gamergate, para formar uma coalizão ampla e sem precedentes.

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Para pessoas como o líder da alt-right Richard Spencer e o gerente do site Daily Stormer Andrew Anglin, o objetivo era claramente alcançar pessoas que podiam não ser abertamente racistas, mas que discordam do "multiculturalismo" – uma visão se tornando cada vez mais aceitável no discurso mainstream na era Trump.

"Eles esperam se tornar maiores que a soma de suas partes, ampliando seu círculo eleitoral alimentando os medos de um grupo cada vez mais elástico de brancos deslocados, que se sentem ignorados pela política, durante esse tempo de desconforto com uma demografia e paisagem cultural em mutação que os deixou para trás", me disse Brian Levin, diretor do Centro de Estudos de Ódio e Extremismo da Universidade da Califórnia San Bernardino.

Três amigos, que não são afiliados a nenhum grupo, dirigiram até Charlottesville da zona rural da Virgínia para se divertir e defender a estátua de Robert E. Lee.

Jason era uma dessas pessoas. Ele me disse no McIntyre Park que nunca tinha se envolvido em ações políticas antes, mas dirigiu cinco horas do oeste da Pensilvânia para encontrar outras pessoas de direita pela primeira vez. O homem de 25 anos, que tem uma empresa e não quis dar seu nome completo porque trabalha para uma empresa da Fortune 500 e temia perder o emprego, tinha só um amigo que inicialmente topou vir ao Unite the Right, mas que preferiu ir a um casamento na última hora.

Jason é um teórico da conspiração do 11 de Setembro que ouvia Alex Jones quando era adolescente, mas antes do Unite the Right tinha medo de dizer abertamente que era membro da direita alternativa, mesmo na internet. Ainda assim, ele se sentiu chamado a Charlottesville pelas tensões políticas cada vez maiores e porque sente que precisa se defender da esquerda que, segundo ele, não diferencia pessoas com bonés do MAGA e gente com bandeiras neonazistas.

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Ele estava desapontado com as pessoas se dispersando do McIntyre, já que esperava socializar depois – talvez tomar umas cervejas para comemorar o que ele via como um dia de sucesso.

"Nacional-socialismo, fascismo, seja lá como você queira chamar, isso é união de verdade", ele me disse. "O multiculturalismo e o politicamente correto forçados pela mídia – você pode colocar quantos cartazes e adesivos quiser, mas no final do dia, as pessoas com quem você conversa no trabalho, você joga conversa fora com elas, você conversa por conveniência, mas isso é união de verdade, união de classe."

Chris Howell, por outro lado, parece ter aparecido aqui principalmente por tédio. Ele nasceu e cresceu em New Castle, Virgínia, que tem uma população de menos de 200 pessoas e nenhum semáforo, ele me disse. Mas essa semana, uma coisa incomum aconteceu: um amigo no Facebook disse que teria algo rolando numa cidade universitária a apenas duas horas de sua cidade. Para o trabalhador de estrada de ferro de 22 anos e três amigos, o Unite the Right era o entretenimento mais promissor do final de semana, além de uma chance de defender uma peça da história confederada de hordas de esquerdistas da costa.

Howell disse que sua parte favorita do dia foi se sentar com um contramanifestante e dialogar – mas que quando as coisas começaram a esquentar, ele foi atacado com uma bengala. Enquanto membros da Guarda Nacional e da polícia estadual vinham na nossa direção dos dois lados do centro de Charlottesville, e um helicóptero sobrevoava, seu amigo mostrou um machucado sangrando na cabeça. O grupo estava se preparando para voltar a New Castle, mas sabia que há mais batalhas no horizonte – o ato mortal de terrorismo praticamente garantiu isso.

"Eles não nos ajudam em nada", Howell disse sobre o acusado do ataque que tinha acabado de ser preso. "Essa gente nos faz parecer pior. Todo mundo vai embora com nada além de mais ódio."

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Tradução: Marina Schnoor