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Música

Os My Bloody Valentine recusam-se a ser crescidos

E nós agradecemos.

Em 1991, eu tinha quatro anos. Não vibrei com

Loveless

, não senti a angústia de um futuro sem futuro. Limitei-me a ser uma criança, a aproveitar o melhor que a infância tem: bonecas e grandes lanches em casa da avó. Mais de uma década depois, e já dentro de um estúdio de rádio, descobri uma capa a tons de rosa que viria a mudar a maneira como encaro o shoegaze e como lhe imponho um limite máximo, uma nota. Foi aí, na (quase) maturidade de uma

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connoisseur

musical em potência, que me entreguei aos My Bloody Valentine.

Facto: os MBV não se perderam no tempo. Antes, fizeram aquilo que poucas bandas conseguem: tornaram-se eternos perante uma comunidade que cresceu com eles e para outra, à qual pertenço, que continuou a levar com o seu legado, a compreendê-lo e a aprofundá-lo. E qual é esse legado? São as guitarras sujas, é uma voz sombria/abafada/afectada, uma pop depressiva-reverberada, é a distorção melódica-fatalista, é o sonho de uma aceitação que pode nunca chegar. Aliás, foi isso que Kevin Shields sempre tentou transmitir, até mesmo na banda-sonora de

Lost in Translation

, de Sofia Coppola. E, tal como Thurston Moore dos Sonic Youth, Shields (na minha cabeça, pelo menos) será sempre o gajo despenteado, de Converse nos pés, que nunca cresceu e que, de resto, se recusa a fazê-lo.

É um 9 em 10.

Consequentemente, a maneira como

m b v

chegou cá fora é espelho dessa atitude de “puto-grande-que-tem-quase-50-anos”. Aliás, o site

Tiny Mix Tapes

chegou a brincar com aquilo que, por momentos, se pensou que seria uma partida (o lançamento, mais de 20 anos depois, de um novo disco dos irlandeses), dizendo que o terceiro longa-duração dos MBV teria o nome de "403 – Error" [nota que o site oficial da banda dizia, após a sobrecarga de servidor, na madrugada de sábado para domingo]. Apesar de todo este fuzz, não caí da cadeira quando, finalmente, ouvi o aguardado

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m b v

. A beleza intrínseca, em continuidade com

Loveless

, é o fio condutor, harmonizador de uma imersão na zona da psicadélia dopada.

21 anos depois é como se duas décadas não tivessem passado pelos My Bloody Valentine, basta ouvir-se o incrível primeiro tema “She Found Now”. O mais bonito é que agora, como há 8035 dias atrás, a adolescência magoada e os vocais etéreos a contarem histórias de feridas incuráveis fazem o mesmo sentido para a criação de um trabalho actual, de uma obra-prima que poderemos, indubitavelmente, recordar daqui a outras duas décadas. Os pormenores, os preciosismos, a preocupação com todo e qualquer detalhe continuam a ser a marca dos My Bloody Valentine clássicos. A aceitação, a atenção de uma comunidade melómana emocionada, o número sem-fim de downloads (sinais de um novo tempo, ao qual os MBV parecem ter-se adaptado sem dificuldade) são a impressão digital de um público que os segue, sem receios. Até daqui a 20 anos, se preciso for.