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A Arte Marcial que Cria Guerreiros Pacíficos no Afeganistão

Um ginásio no Afeganistão onde jovens treinam a arte marcial kurash, uma luta que combina luta em pé e judô.

Membros do Clube Central de Konduz com seu diretor, Mohammad Anwar, no centro.

Num grande galpão renovado da cidade de Konduz no Afeganistão, atletas de 20 e poucos anos treinam como loucos. Eles se vestem com os gis mais descombinados e sujos que já vi, além de faixas coloridas que mais significam vontade de improvisar do que a conquista de certo nível de habilidade. Aqui, eles usam o equipamento disponível — um tatame gigante e seus próprios corpos.

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Eles se revezam carregando uns aos outros nos ombros, pulando por cima e se arrastando por baixo dos colegas. Até quatro atletas se alinham e se curvam, enquanto os outros se lançam como esquilos voadores por cima de suas costas. Algo impressionante e exaustivo de se assistir.

É também muito encorajador ver tantos jovens em idade militar treinando em vez de apontar armas uns para os outros. Aqui, eles cooperam numa coisa com que todos os afegãos — sejam tajiques, uzbeques, hazaras ou pachtuns — concordam: o kurash. O esporte é tão popular no Afeganistão que até os talibãs aprovam.

De acordo com a Confederação Asiática de Kurash, o esporte se originou por volta de 1.500 a.C., no que hoje é o moderno Uzbequistão. O kurash pode ser considerado uma arte marcial no sentido de que combina elementos da luta em pé e do judô. Como os oponentes não podem agarrar abaixo da cintura, nem lutar no chão, o ritmo do kurash é rápido. O objetivo é jogar o oponente no tatame. Quando os joelhos de um dos competidores tocam o solo, a ação para e eles recomeçam na posição em pé.

O kurash é tão popular que mesmo competições amadoras atraem milhares de espectadores (só homens, mulheres não têm permissão para assistir). As apostas são frequentes. Em Konduz, foi o dinheiro local, não internacional, que proporcionou a transformação do prédio num ginásio.

Mohammad Anwar é o diretor do Clube Central de Konduz, que conta com dois mil membros e gerencia outros centros similares na região.

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“Isso evita que os jovens se envolvam com coisas ruins”, diz Anwar. “Eles vêm para cá para deixar seus corpos saudáveis. O kurash os mantém longe das drogas e de outros problemas.”

Akram Uddin (de azul) é o orgulho de Konduz e campeão de kurash da Ásia.

Akram Uddin, um homem troncudo de 29 anos, começou a treinar aqui quando tinha só 16. Ele ficou tão bom que aos 22 foi convidado para competir num torneio em Macau. Infelizmente, ele não venceu.

“Mas quando vi como todos os outros atletas trabalhavam duro, como eram bons e como ficavam orgulhosos quando suas bandeiras eram hasteadas enquanto eles recebiam suas medalhas, eu disse a mim mesmo: 'Farei isso pelo Afeganistão.'”

E assim ele fez. Akram voltou para casa e treinou duro para competir em 20 países diferentes da Ásia e Europa. E acabou se tornando o campeão da Confederação Asiática.

Os membros do clube conseguem pular por cima de até quatro pessoas.

O kurash foi cogitado para fazer parte dos Jogos Olímpicos de 2020, que acontecerão em Istambul, Tóquio ou Madri, mas não entrou na lista, anunciada este mês. A luta perdeu para coisas como escalada competitiva.

Mesmo assim, até lá, Akram teria 36 anos, muito além de seu auge como um atleta de esporte de combate. Mesmo insistindo que conseguiria se sair bem, ele terá que se contentar em orgulhar o Afeganistão num palco menor.

Por enquanto, os outros membros do clube praticam seus movimentos, graciosamente deslocando seu peso, usando as leis da energia, gravidade e movimento para jogar os outros com toda força no tatame.

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Akram atua como árbitro em algumas lutas entre competidores de peso pesado, médio e leve. Todos mostram intensidade e um nível de habilidade capaz de rivalizar com qualquer clube de artes marciais em qualquer lugar do mundo.

O espírito guerreiro não está em falta no Afeganistão, apesar de tudo. Felizmente, quando jovens lutam entre si aqui ninguém acaba morto.

Texto e fotos por Kevin Sites.

Kevin Sites faz parte da rara espécie de jornalistas que prospera em meio à guerra. Como o primeiro correspondente de guerra da Yahoo! News entre 2005 e 2006, ele ganhou notoriedade cobrindo cada grande conflito do globo durante um ano, usando uma abordagem solitária e tecnológica para contar uma história, o que ajudou a inaugurar o “movimento mochileiro” no jornalismo. AtualmenteKevin está viajando pelo Afeganistão, onde cobre os tumultos do país durante a “temporada de combates” enquanto as forças internacionais se retiram do país. Veja mais matérias do Kevin aqui na VICE em breve.

Siga o Kevin no Twitter: @kevinsites

E visite o site pessoal do Kevin: KevinSitesReports.com