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Música

Jimi Hendrix: Por Trás da Música

Se você quer ouvir as músicas famosas, compre os discos.

André 3000 como Jimi Hendrix. Foto cortesia de Darko Entertainment

Saiu agora o novo filme sobre o Jimi Hendrix escrito pelo cara que adaptou para o cinema Doze Anos de Escravidão, livro de Salomn Northup. Mas não dá pra saber isso pelo título: All Is By My Side. Fui muito fã do Hendrix no colégio, quando eu ouvia os discos dele no modo repeat na casa do meu amigo Ken (as gravações do Monterey Pop Festival eram as nossas favoritas), e mesmo assim ainda não entendi o título. Talvez seja uma piada extremamente interna sobre o Jimi.

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O filme usa títulos estranhos e sobrepostos para apresentar os personagens numa história que, de outra forma, permaneceria firmemente arraigada na era de ascensão dos filhos do flower power. Os títulos parecem pertencer a um documentário; já as atuações, especialmente a de André Benjamin (o André 3000 do Outkast) como Jimi, são fortes e convincentes o suficiente para confundir isso com não ficção. Mas a iluminação e a produção são estilizadas até o ponto da chapação purple haze. Enquanto o mundo é evocado com equilíbrio suficiente entre atuação realista e atmosfera enfumaçada para capturar o espírito do maior guitarrista místico que já viveu, os diretores entram e saem de algumas armadilhas da produção de uma cinebiografia - especialmente aparentes numa produção que não tem os direitos sobre a obra do artista. E esse é o elefante na sala, certo? Eles não conseguiram o direito de usar as músicas do Jimi.

O que é uma pena, porque esse filme realmente merecia as músicas. Benjamin só toca algumas canções reconhecíveis; por exemplo, quando Jimi toca "Sergeant Pepper's Lonely Hearts Club Band" em Londres, com metade dos Beatles na plateia. Como na película sobre o Francis Bacon que não usou nenhuma de suas, nas produções sobre Jean-Michel Basquiat ou mesmo de Jackson Pollock (com Ed Harris), pode-se argumentar que a arte foi replicada o suficiente nesses filmes para manter a meada da narrativa intacta, sem muitas omissões que distraem.

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O filme de Jimi funciona no nível da atuação: todos esses atores revelam os homens por trás dos artistas. Mas o que significa não ter a arte deles representada? Especialmente quando ela é tão conhecida quanto as músicas do Jimi Hendrix? Uma coisa é imitar um quadro de Jackson Pollock, o que Ed Harris fez muito bem (coincidentemente, metade de um dos quadros aparece no filme do Hendrix); outra coisa é tocar no estilo instrumental de um Jimi Hendrix. No primeiro caso, aceitamos as pinturas como pelo menos uma representação do original - e mesmo se fôssemos especialistas em Pollock e soubéssemos que a versão do filme não é exatamente correta, nós acompanhamos a ideia, assim como acompanhamos a de macacos falantes se o mundo ao redor deles apoia a fantasia. Mas quando cena após cena ouvimos músicas que soam quase como Jimi Hendrix, mas nunca explodem nas verdadeiras músicas de Jimi, ficamos esperando, esperando e esperando…

Mas há uma coisa interessante em como essa obra lida com tais algemas. Em vez de uma cinebiografia convencional que te dá um monte de coisas que você já sabia, temos uma abordagem que, aparentemente, conjura o Jimi secreto, o Jimi autêntico, o Jimi por trás da música. O primeiro terço do filme tem a personagem de Imogen Poots (ela faz Linda Keith, a mulher que o descobriu e que também era a namorada de Keith Richards) como guia: o protagonista quase não fala enquanto ela o leva de músico de apoio em Greenwich Village até líder de sua própria banda em Londres. Lá, como Lana Del Rey quatro décadas mais tarde, ele finalmente estoura. Essa abordagem permite que o público vá gradualmente se aproximando de Jimi - ao mesmo tempo em que a personagem de Imogen o vai conhecendo. Ela é o motor de partida do filme, um motor excelente e intrigante, já que se trata de uma mulher ligada a dois gênios da música, mas que não tocava. (Vale notar que Kathy Etchingham, uma namorada australiana de Hendrix retratada apanhando dele no filme, contestou a precisão da cena.)

Em Londres, Jimi começa a se tornar o motor da narrativa, saindo com garotas e definindo sua presença de palco. Nessa parte do filme, o ouvimos tocar, mas nunca cantar. André 3000 é tão bom nos maneirismos, na voz e na psicologia abaixo da superfície de Jimi que acreditamos que ele é Jimi Hendrix sem realmente ouvir suas músicas. Mas não é o Jimi que esperamos. A falta das canções de Hendrix, na verdade, acrescenta uma autenticidade, cortando a abordagem de Hollywood que costuma inserir músicas óbvias em lugares convenientes; em vez disso, dá a impressão de que estamos assistindo às coisas como elas realmente aconteceram, porque ele não está tocando seus hits mais conhecidos desde o começo.

O clímax vem quando Jimi finalmente canta, o que é um pouco estranho, porque ele não ficou conhecido por cantar - e dizem que ele odiava sua voz. Mas, nesse filme, como o público ficou esperando por isso o tempo inteiro, sua voz é um crescendo bem-vindo que finalmente preenche as expectativas definidas no início e adiadas por tanto tempo. Vejo agora que isso é a peça final pela qual ficamos esperando, o último teste pelo qual André 3000 tem de passar: Ele parece e fala como o Jimi, ele se veste como o Jimi, entende a mente do Jimi - mas ele consegue cantar como o Jimi? Ninguém liga se ele consegue tocar guitarra como o Jimi, porque não temos como saber se ele está realmente tocando ou não. No entanto, podemos julgar o canto - e quando ele finalmente canta, com sucesso, tão mais tarde no filme, perguntamos retroativamente: teria sido melhor se tivéssemos ouvido isso antes? Não, não nesse filme. Ele é sobre o homem por trás da música. Se você quer ouvir as músicas famosas, compre os discos.

Tradução: Marina Schnoor