FYI.

This story is over 5 years old.

cenas

Se tens o teu quarto desarrumado, provavelmente estás deprimido

A grande doença do nosso tempo.

A tristeza constante, muitas vezes sem se saber o porquê. O vazio, a dor, o desleixo total, a vontade de se estar só, sem ninguém por perto. O sono, muito sono. Muito sono mesmo: às vezes, a vontade de dormir pode ser tanta que se pode desejar nunca mais acordar. A depressão é a grande doença da nossa era. A crise de que tanto se fala, a loucura social e as pressões a que somos submetidos todos os dias são algumas das justificações para o aumento do número de casos, mas pode ser mais do que isso. A depressão pode chegar a nós sem nenhum motivo ou causa aparente. aquela sensação de vazio que não se vai embora. Quis saber mais sobre o tema, até para prevenir futuras neuras, e fui falar com a psicóloga Lídia Águeda, da Associação de Apoio a Doentes Depressivos e Bipolares (ADEB), e com o psiquiatra Adrián Gramary do Centro Hospitalar Conde Ferreira, no Porto. Ambos me explicaram que a depressão pode ser endógena (provocada por factores biológicos), ou exógena (provocada pelas circunstâncias do dia-a-dia), e garantiram-me que mesmo nos casos endógenos o meio ambiente circundante infere, e muito, no tratamento da pessoa deprimida. Para quem está a ajudar alguém a sair de um estado depressivo, tal como me explicou a Lídia, “tudo tem de ser negociado, é muito importante não se impor nada”. E quando uma depressão entra já numa fase mais avançada, o que é que acontece? “As pessoas não saem da cama sequer, não tratam da higiene pessoal e o quarto está um caos. Quando se chega a este extremo pode decidir-se pôr termo à vida. É uma tristeza sem fim”, explicou. Um dos sintomas do Transtorno de Personalidade Borderline é, precisamente, a depressão. Neste caso, tratar-se-á de uma depressão endógena. Embora a doença seja cinco vezes mais frequente nas pessoas que tenham familiares com esta patologia, Lídia Águeda disse-me que as causas ainda não são bem conhecidas. “Os portadores relatam frequentemente abusos, violências e abandonos precoces. Daí a dificuldade em perceber se a perturbação é adquirida por factores genéticos ou se foi uma forma de adaptação a um meio envolvente também ele instável e pouco seguro. Por isso, teremos de ter sempre uma perspectiva biopsicossocial sobre as causas da Perturbação da Personalidade Borderline.” Eu e a psicóloga da ADEB tivemos uma pequena conversa sobre a doença, até porque já conhecia um portador disposto a contar-me o seu testemunho. Os principais factores são o medo constante de se ser abandonado, uma sensação permanente de vazio, uma baixa auto-estima e uma dificuldade permanente em administrar as próprias emoções. Os excessos relacionados com drogas, gastos económicos e comida são recorrentes e geralmente é difícil manter o emprego. A manipulação e controlo são algumas das características, pelo que lidar com estas pessoas pode não ser fácil. Odeiam a rotina, mas através da psicoterapia encontram nela uma aliada. Já preparada, com a minha pesquisa feita, tive então uma conversa com um portador de Transtorno de Personalidade Borderline. A Joana (chamemos-lhe assim) não é dos casos mais graves e afirma que teve a infância perfeita. Neste momento, apesar dos altos e baixos que possam surgir, afirma que nesses momentos sabe o que fazer e como agir. VICE: Quando é que te apercebeste que tinhas Transtorno de Personalidade Borderline?
Joana: Tardiamente. Quando terminei a licenciatura, entrei em depressão, por volta dos 20. Andei três anos em psicoterapia e aos 23 fui ao psiquiatra que me diagnosticou, embora já se suspeitasse do que que podia ser. Na adolescência, os meus professores de sétimo e décimo anos já diziam que algumas coisas não batiam certo. Chegaram, até, a aconselhar a minha mãe a levar-me a uma psicóloga. Pensei que não, que era algo normal, uma fase de transformações. O que levou os teus professores a suspeitar? Eras muito rebelde?
Não, nem por isso. Até era bastante alinhada. Não admitia falhanços, tinha de ser tudo perfeito. Sentia, também, medo de ser abandonada. Nunca tive grandes motivos para isso, ao contrário das outras pessoas com Borderline que tiveram uma infância menos feliz. A minha foi perfeita. Penso que, no meu caso, é mesmo uma questão genética, cerebral. No que diz respeito ao medo de seres abandonada, já consegues lidar com isso melhor?
Depende, depende mesmo. Na minha psicoterapia, um dos passos era aprender a estar sozinha, aprender a ter o meu espaço. Hoje em dia, dou muito valor aos momentos em que estou só. Até chego a dizer a quem me rodeia: “Hoje não falem comigo, se fazem favor.” Actualmente, lido melhor com a solidão. Tenho 25 anos e estou a entrar na fase em que a doença, embora seja permanente, tem tendência a estabilizar. E quanto à tua relação com os outros?
A minha relação com os outros… [risos] Os meus pais não percebiam algumas coisas. Sofreram imenso a assistir a fases minhas de total passividade e vazio. Tentei várias vezes o suicídio. Tive os meus momentos neuróticos e perdi muitos amigos. É complicado… Algumas pessoas, no entanto, perceberam e acabaram por ficar. Quem se ressentiu mais foi a pessoa com que estava há já algum tempo. Teve de passar de tudo comigo, desde as tentativas de suicídio até aos berros sem motivo. Não era algo direccionado ao meu companheiro. Hoje em dia já não estamos juntos e sozinha acabei por me reorganizar. Mas, claro, sinto falta do apoio dele, é difícil abrir-me da mesma maneira com outra pessoa. O teu dia-a-dia, a relação com o teu trabalho. Como é que geres isso?
Há dias melhores do que outros. Quando o tempo está cinzento, regra geral, a cabeça está má. Nos dias em que estou mais cansada, com falta de sono, é pior. Tenho, muitas vezes, dificuldades em me organizar, disciplinar e concentrar. Não é fácil, porque sou ansiosa por natureza e tudo está ligado. Não é só o trabalho, é tudo. Depende da fase em que estás. Por muito que queira criar uma barreira entre a vida pessoal e profissional, este turbilhão vai ser sempre assim. Os excessos são uma característica dos portadores de Borderline. Também passaste por isso?
Sim, já fizeram parte. E, por vezes, ainda fazem, mas é muito mais esporádico. Tive gastos excessivos, em que não percebia muito bem onde estava a gastar o dinheiro. Abusei na comida, também. Engordei cerca de 20 quilos, comia para tentar ultrapassar o vazio. O álcool e as drogas não foram propriamente um problema, apesar de já ter experimentado. Há, contudo, uma parte racional em mim, ao contrário de muitos borderliners. Um lado que me diz: “Não, não vou experimentar." Tenho medo de não saber lidar bem com isso. Recuso-me a experimentar MD, LSD e afins, por exemplo… Sei que me podem fazer mal. Ainda sentes essa sensação de vazio?
Já a senti mais, mas isso tem que ver com a minha forma de lidar com as coisas. Volto a dizer, se não fosse o facto de estar medicada e se não tivesse uma rotina, era muito pior. Quando não tenho uma rotina é mesmo mau. Quando não estou medicada, pior ainda. Nos momentos em que estava à procura de emprego ou desocupada, sentia um vazio constante: “O que estou aqui a fazer, a minha vida não faz sentido.” Tinha medo de que os meus amigos não gostassem de mim. Mas estar constantemente a lutar contra aquilo que sou, contra estes sintomas, é um combate permanente. E exaustivo. Só quem passa por isto é que percebe. Uma coisa é aprenderes a lidar com o teu problema inserida num meio em que te sentes protegida, no seio da família e de pessoas que sempre conheceste, mas como é quando sais desse circuito? Quando estás ao pé de pessoas que te são estranhas?
Tenho de ter uma máscara. Lá por ter isto, não vou deixar de ter a minha vida. Tenho de me proteger e tenho sorte de ser, naturalmente, uma pessoa comunicativa. Entre amigos ou conhecidos, na vida social, sou aquela pessoa simpática. Mas também houve fases em que não queria sair de casa, conviver. Mas são fases, isso é sempre por fases. Na minha vida profissional, opto por dizer às pessoas “olha, tenho isto, por vezes vou estar desta maneira” e peço alguma compreensão. Claro que também não vou andar com um cartaz a dizer que sou maluquinha. Que não sou [risos]. Se bem que, hoje em dia, já falo mais abertamente sobre a questão. Creio que há um estigma em relação às doenças do foro psiquiátrico que precisa de ser quebrado. No teu caso, pode ser difícil porque não é uma doença muito conhecida.
Não é tão conhecida e pode ser mal-interpretada. O doente pode passar por má pessoa. Mas há uma coisa que tem de ser dita: eu não sou um caso agudo de borderliner. Há casos bem piores do que o meu. Tive também sorte com a minha primeira psicóloga por ter feito algumas terapias que foram fulcrais para a minha auto-regulação. Sei que estou a ficar mal e sei como tenho de agir. Claro que nem sempre é automático. Depois de me aperceber de que estou a entrar numa espiral negativa, pode demorar uma semana ou mais a agir. Isto é, eu sei quando estou mal e sei o que tenho de fazer, mesmo que não seja de imediato. Isto difere-me logo dos outros casos: tenho o racional muito presente, actualmente. Mas claro que há momentos de pura irracionalidade. Entretanto, com os anos e com a prática, vou mantendo o equilíbrio possível. Mas, como já disse, é uma luta constante e há alturas em que estou física e mentalmente estafada de tentar manter a ordem. Criaste mecanismos de regulação?
Há pequenas coisas que me ajudam a ordenar a cabeça. Tenho aquelas rotinas em casa que me são úteis. Sei que tenho de pôr a mala num sítio específico, a loiça tem de ser lavada de uma certa maneira, a arrumação tem de ser ordenada. Imagina que estou numa semana complicada e que deixo várias peças de roupa no meu quarto por arrumar… Isso dá-me tendência para deixar o quarto desarrumado e depois a minha mente fica desarrumada. E aí já não consegues voltar atrás.
Torna-se mais difícil. Conseguir consigo, mas demora muito mais e começo a ficar desorganizada mentalmente. É uma bola de neve. Quando iniciaste a tua psicoterapia certamente tiveste de contar coisas pessoais, deixar cair a máscara por um bocado. Isso não te incomodou?
É um lugar seguro. No início estava muito reticente, mas ganhei confiança com a minha primeira psicóloga. Tanto que depois ela não continuou mais a fazer psicoterapia e eu tive de procurar ajuda. Interrompi os tratamentos durante um ano porque sentia que não podia contar a minha história novamente a outra pessoa. Até que numa altura já estava tão desesperada que voltei à psicoterapia outra vez. Podes dizer o que te apetecer, a pessoa não vai contar a ninguém, não te julga. Pelo contrário, está ali para te ajudar. E agora, como estão as tuas relações íntimas e amorosas?
Consigo lidar melhor com isso, mas ainda é um problema. Mesmo a nível das amizades. Continuo a ser um bocado manipuladora (mesmo sem querer) em certas coisas, é uma das características. Agora prefiro estar sozinha do que dar-me a outros, para manter o meu espaço. Tenho medo de arriscar e de sentir num futuro outro sentimento de perda. Por isso, protejo-me. É claro que tento lutar contra isso, mas é lixado. E depois, claro, há a necessidade de ser reconhecida, elogiada e mimada. Tem tudo a ver com o distúrbio, mas preferia que isso não fosse assim. Obrigada, Joana. E boa sorte. Não é só o quarto desarrumado que pode ser um indicador de depressão. O psiquiatra Adrián Gramary dá consultas gratuitas ou de baixo custo a quem precisa de tratamento e não tem condições financeiras, através da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Segundo o que ele me explicou, a depressão enquanto consequência de factores externos revela-se com sintomas de ansiedade e mau humor. A pessoa fica irritada, com pouca paciência e tolerância para os problemas. Desmotivada. Deixa de ter prazer com as coisas que lhe interessavam. De repente, parece que tudo se torna desinteressante.” De acordo com o psiquiatra, quando as pessoas não têm uma perspectiva para o seu futuro, isso leva a que fiquem, primeiro, tristes e desiludidas. Mas há pessoas que não se ficam por aí. Apresentam fragilidades, circunstâncias desfavoráveis, que em alguns casos são mais acentuadas dos outros. Portanto, quando assim é, provavelmente surgirá uma depressão.” Chegou até mim, sem estar a contar, o caso de uma pessoa que entrou em depressão após ter terminado o seu curso e não conseguiu encontrar trabalho. E então fui conhecer a história da Margarida (nome falso). VICE: Explica-me como e quando tudo começou.
Margarida: Acabou por ser um conjunto de várias coisas. Os primeiros sintomas, contudo, começaram no último ano da minha licenciatura quando entrei em estágio. O que é que aconteceu?
A minha relação com o meu orientador não era muito boa. Estava sempre a criticar o meu trabalho e como sempre fui boa aluna na faculdade, isso desorientou-me. Chegava a berrar, por vezes. Sentia-me tão controlada que mal conseguia falar ou agir de forma espontânea. Entrei num estado de ansiedade tal que, em vez de evoluir, só fazia mais asneiras. Nunca ponderaste abandonar esse local?
Sim, o lógico era sair dali mas meti na cabeça que tinha de levar as coisas até ao fim. Como o estágio não era assim de tanto tempo mantive a esperança de dar a volta às coisas. Como queria mesmo abraçar a profissão que tenho, tive dificuldades em admitir aquele falhanço. Quando me perguntavam como tudo estava a correr limitava-me a responder que estava tudo bem. No final, quando a avaliação chegou, os meus professores tiveram uma conversa comigo e tive de ser sincera. Compreenderam, sossegaram-me e aconselharam-me a não deixar que aquela experiência me afastasse do que eu queria. Mas não reagi muito bem. As reprimendas constantes foram um autêntico balde de água fria. Já te sentias mal nessa altura, então.
Quando regressei à faculdade para fazer as disciplinas finais estava esgotada, só queria que tudo acabasse. Lembro-me, também, de passar os dias com muito sono. O meu estado de espírito não era o melhor porque qualquer coisinha era capaz de me afectar sem razão aparente. Dava comigo, por vezes, a chorar, sem conseguir explicar o porquê. Consegui, no entanto, arranjar forças para acabar o ano mas só pensava na altura em que regressaria a casa. Foi quando as coisas pioraram. Pioraram porquê?
Em primeiro lugar porque não consegui arranjar emprego. Em casa, sem nenhuma ocupação e sem saber como dar a volta à situação, acabei por me isolar mais. Não queria sair e só me apetecia estar sozinha, mesmo. Passava os dias em pijama e não conseguia fazer mais nada a não ser ver televisão. Quanto menos falasse e quanto menos falassem comigo, melhor. O meu quarto, claro, estava uma autêntica miséria. Os meus pais, no início, não compreenderam bem a situação e meteram-me entre a espada e a parede por ter parado de procurar emprego, mas já não me interessava. A minha mãe, particularmente, chateava-se imenso por não querer fazer nada em casa. Afundava-me cada vez mais e não me importava. Sentia-me derrotada por completo. No início, os meus pais pensaram que as coisas iam melhorar mas o tempo passava e eu não reagia. Finalmente perceberam que a situação já estava a ir longe de mais, eu já não tinha controlo sobre mim e levaram-me à minha psicóloga. Foi quando comecei a ser acompanhada. Como é que reagiste?
Não muito bem porque não sabia o que dizer. Estava completamente baralhada e não me apetecia falar. Depois de algum tempo, quando comecei a ganhar confiança com a minha psicóloga, consegui abrir-me mais, mas não foi um processo repentino, demorou o seu tempo, mas foi essencial para me restruturar por dentro e compreender as coisas. Quando é que percebeste que estavas a melhorar?
Quando quis, por mim própria, sair mais de casa. Fazia parte do meu tratamento e foi extremamente benéfico. Para isso contei com ajuda da minha família e dos meus verdadeiros amigos. Aqueles que, apesar do meu afastamento, regressaram e quiseram ajudar na minha recuperação. E agora, como estão as coisas?
Bem. Estou empregada, finalmente, e as coisas estão a andar para a frente. Ainda bem. Quando começaste a trabalhar não sentiste medo do que irias encontrar? Até pela má experiência que tiveste antes.
Claro! Voltei a sentir alguma ansiedade, mas como continuei com o meu tratamento consegui controlar isso. Comecei por demonstrar alguma impaciência face aos resultados daquilo que fazia, mas por incrível que pareça o meu chefe também me ajudou bastante. Falava imenso comigo, no início, e ensinou-me que saber esperar pode ser uma grande virtude. Agora compreendo que tudo faz parte de um processo. Por muito que queira aprender não posso saber tudo num dia. O que não sei hoje, sei amanhã e o que não sei amanhã, sei depois. Tenho mais calma e não me culpabilizo tanto pelo que de mau pode acontecer. Quando aprendi o significado da palavra "paciência" comecei a trabalhar melhor e os resultados positivos acabaram por chegar. Também tenho os meus dias maus, não me posso negar a isso. Nas alturas de maior tensão continuo a ver fumo a sair da cabeça dos meus colegas. Ainda há momentos em que podem surgir respostas tortas, mas quando assim é tento distanciar-me e não levar as coisas a peito. Isso não vai mudar independentemente do sítio em que venha a trabalhar, portanto tenho de me habituar. O ambiente no meu emprego não é mau, nisso acho que até tenho sorte. E recaídas?
Tenho dias bons e dias piores. Há alturas em que ainda vou abaixo, como qualquer pessoa, mas consigo erguer-me outra vez. Também estou a aprender a não guardar tudo para mim. Falo mais e exteriorizo mais as coisas. É por uma questão de sanidade mental. Mais uma vez, neste aspecto, a minha família tem sido fulcral. Se no início não conseguiam compreender porque é que tinha desistido de tudo, começaram a agir de forma mais tolerante. Em vez de imporem as coisas passaram a respeitar o meu tempo, a não me julgarem. Isso fez-me sair, aos poucos, do meu casulo.