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​A bomba L(aibach) na hora H da Coreia do Norte

A Coreia do Norte foi durante muito tempo um território desconhecido para a maioria do planeta, mas de há uns anos para cá têm sido muitos os curiosos que por lá passam.

Fotografia de Jørund F. Pedersen.

Coreia do Norte, esse belo pedaço de terra quase virgem - para não estragar - pois é só para convidados. Um bocado como aquelas loiças de Limoges, que são só para usar em dias de festa. Um sistema único, opressor e esquizofrénico, que alguma malta seleccionada de direita tanto gosta de atirar à generalidade da esquerda, mas com um sistema de corrupção que foi buscar inspiração ocidental, porque, gabe-se-lhes a exigência, é preciso aprender com os melhores. Um país de contrastes, portanto.

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A semana passada, o regime de Kim Jong-un diz ter realizado com sucesso o primeiro teste subterrâneo de uma bomba de hidrogénio, ainda que com a desconfiança da comunidade internacional. A notícia foi recebida com preocupação, apesar das dúvidas que foram levantadas quanto ao real poderio que o regime de Pyongyang alega. Porém, como geralmente boys with toys dá merda, espera-se que seja só um ameaço do género "agarrem-me que eu vou-me a eles", mas sem consequências. Espera-se.

A Coreia do Norte foi durante muito tempo um território desconhecido para a maioria do planeta, mas de há uns anos para cá, têm sido cada vez mais os curiosos. De jornalistas [o Guia VICE para a Coreia do Norte é de visualização obrigatória] a desportistas norte-americanos, artistas noruegueses ou motoqueiros neo-zelandeses. Foi até local de passeio para o escritor José Luís Peixoto, e de parceria comercial pontual - sob a forma de assistência técnica - com uma fábrica de moldes da Marinha Grande, por exemplo.

Cartaz do concerto.

E para lixar ainda mais a narrativa, agora qualquer um pode chegar ao pé do colectivo artístico/banda industrial-rock-avant-garde-performance-cinemática eslovena, Laibach, e dizer-lhes com um ar sério: "Sei o que fizeste no Verão passado!". Na verdade, todos souberam, já que foi notícia um pouco por todo o mundo. A causa para tamanho alarido é que foram a primeira banda de rock ocidental a tocar na capital do país, em 2015.

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Numa conversa de bastidores [aquando da actuação da banda no Festival leiriense Entremuralhas] que este escriba teve com um dos seus fundadores, Ivan Novak, este partilhou as suas aventuras. A banda tem um passado ligado à resistência e provocação através de várias disciplinas artísticas. Formaram-se na antiga Jugoslávia e, numa actuação em 1983, tiveram tomates para projectar a imagem do ex-presidente Tito juntamente com um pénis, o que lhes valeu sérios problemas. Para esta agremiação de performers ousados, e sobretudo irónicos, a ida à Coreia do Norte foi quase uma consequência de quem se mete a jeito. "Quando recebemos o convite, percebemos logo que ir era um imperativo", salienta Novak.

Os passos para lá chegar, depois de revelados, até fazem sentido. Ao pegar na descrição do percurso que os Laibach percorreram, eis o que podem fazer para terem uma tempestade perfeita se estiverem interessados em tocar em Pyongyang: em primeiro lugar, a banda convidou para realizar o seu videoclip, "The Whistleblowers", o artista norueguês, Morten Traavik, que mantém diversos projectos artísticos e intercâmbios culturais nas terras do Grande Líder, onde, por causa disso, já lá esteve quase 20 vezes.

A estética - mente sã, corpo são - deve ter ajudado, assim como a sonoridade algo militarista. A verdade é que é um excelente vídeo e a melodia pode meter a assobiar até os mais incautos. O realizador mostrou o resultado final às autoridades norte-coreanas, que devem ter gostado, pois o passo seguinte foi fazer um convite formal aos Laibach para irem lá tocar nas comemorações dos 70 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, e da libertação da Península Coreana da ocupação japonesa.

"Tocámos músicas do filme "Música no Coração", que eles lá gostam bastante, mas também outras versões, originais nossos e uma música tradicional coreana, a "Arirang", uma das mais populares", desvenda o artista esloveno. Passearam um pouco pelo país, e Ivan diz que encontrou um território muito bonito, com gente simpática e, apesar do isolamento, garante que há algumas pessoas que até falam inglês, árabe ou mandarim.

"Andaram a dizer que nós íamos lá prestar vassalagem ao regime. Isso são tretas!", atira Ivan, sem grande paciência para coisas mundanas. Quando uma outra jornalista, para quebrar o gelo, lhe perguntou o que achava de Portugal e da comida, ele apenas respondeu: "Really?". "O que fazemos é tudo irónico e para provocar", assume.

No entanto, desta vez não foram lá com a intenção de criar embaraços ao regime. "Fomos mais contidos, a intenção não era provocar. Houve muita negociação, mas no fim, fomos tratados como estrelas e a experiência para os Laibach foi inesquecível", conclui.