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O centro de reabilitação mais duro do mundo é um mosteiro na Tailândia

Tham Krabok, um mosteiro tailandês, o equivalente a uma clínica de reabilitação ocidental, trata os pacientes com uma bebida castanha que lhes provoca o vómito, todos os dias a seguir ao almoço.
Fotografias por Maruetea Cult

O Alesha encolhe-se no momento em que o monge saca a rolha de uma garrafa empoeirada e a aproxima de um pequeno copo de vidro. Verte 25 centilitros de um líquido castanho bastante espesso. Suando baixo o sol do início da tarde, Alesha - um heroinómano em desintoxicação - engole em seco antes de tragar a estranha mistura. Depois lava o copo dentro de um balde de aço inoxidável com água morna. Um ou dois minutos depois, já estava de joelhos apoiado sobre as mãos, a respirar violentamente e a vomitar o conteúdo do seu estômago para uma sarjeta.

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Este ritual angustiante acontece diariamente em Tham Krabok, o equivalente monástico tailândês da Betty Ford Clinic. Localizado a 150 quilómetros a norte de Bangkok, na província de Saraburi, este mosteiro, nos últimos 50 anos, tem vindo a tratar viciados e é amplamente considerado como a clínica de reabilitação mais dura do mundo.

Dois pacientes Tham Krabok participam na purga da tarde diariamente.

Existe muito pouca indulgência no mosteiro. Os alojamentos e a desintoxicação são gratuitos, mas a vida é rigorosa e disciplinada. Os rituais diários começam com uma limpeza ao chão do mosteiro às quatro e meia da manhã. Só é servida uma refeição por dia às 7 da manhã. Os monges, todas as noites às 18h30, dão início ao seu cantar ritual. Todo a gente usa o mesmo uniforme, cedido pelos monges, e têm de abandonar os seus pertences pessoais durante toda a estadia. A estadia mínima é de sete dias, mas alguns ficam até um mês.

Mas a principal razão pela qual o mosteiro goza de fama, é a sua poção castanha - cujos ingredientes secretos estão muito bem guardados -, que é dada aos pacientes todos os dias depois do almoço para induzir uma "purga" maciça através de vómitos.

A supervisionar a administração do emético à base de ervas está Katrisha, uma freira sénior estrangeira de Tham Krabok que vem de Londres. Toxicodependente por mais de 20 anos, Katrisha foi também beneficiária da substância castanha. Se para ela a sensação de alienação confortável provocada pela heroína era o céu, então os seus primeiros dias de reabilitação na Tailândia foram um inferno.

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Um monge enche uma garrafa de medicina herbal caseira do mosteiro. Esta não é o emético de ervas, mas uma outra mistura com mau gosto dada aos pacientes.

"Aqui tens de realmente confrontar-te contigo mesmo, não existem as mesmas facilidades que no Ocidente", disse ela. "Eu estive viciada em heroína durante muito tempo, estava claro que o processo não iria ser fácil. Nunca estive interessada no estilo de desintoxicações ocidentais, com metadona ou outro tipo de remédios. Eu não queria estar a trocar uma droga por outra ou a facilitar o processo. "

Ela disse-nos que se ia deixar as drogas, teria de ser para sempre. "Vomitar as tripas todos os dias para aquela sarjeta, enquanto fazia o desmame da heroína foi horrível. Absolutamente horrível. Mas porém, era muito real, assim que desbravei caminho até ao final."

Katrisha nos seus aposentos dentro do mosteiro.

Os métodos pouco ortodoxos e a atmosfera espiritual de Tham Krabok ganharam fama mundial, em parte porque parece ser bastante eficaz. De acordo com um relatório, que estudou as taxas de recuperação de 65 toxicodependentes que entraram para o mosteiro, 90% dos que foram para Tham Krabok completaram o programa e 60% ainda estão livres de drogas um ano depois. Essas estatísticas são chamativas em comparação com as taxas de recuperações em centros de reabilitação ocidentais, que estão mais perto de 30 ou 40 por cento. A taxa de recuperação dentro dos programas para Alcoólicos Anónimos, que estão em maioria nas instalações de reabilitação ocidentais, é de apenas 5 a 10 por cento.

O programa de reabilitação foi concebido no final de 1950 durante a dura governação do Marechal de Campo Sarit Thanarat. O ditador era inflexível em relação às drogas e milhares de toxicodependentes foram executados sob o seu regime. Em resposta, os monges de Tham Krabok desenvolveram o programa de desintoxicação de drogas e pressionaram com sucesso para que fosse introduzido como um meio de reabilitação de viciados em heroína e ópio. O mosteiro também trata alcoolismo e a dependência à metanfetamina, um problema crescente na Tailândia devido à prevalência de Yaba, um derivado da metanfetamina, que se traduz literalmente como a "droga da loucura."

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Desde de 1959, mais de 100 000 toxicodependentes passaram pelos portões do mosteiro para se desintoxicarem no meio das suas estupas douradas e da colecção de beatíficos Budas gigantes. Ao final da tarde, ao dar uma volta pelos terrenos ao redor do mosteiro, o ambiente tranquilo desmentia a temível reputação deste local. Cães rafeiros adormeciam à sombra e os monges, com as suas vestimentas vermelhas, conversavam entre si a caminho das sessões de meditação. Na zona residencial, os pacientes jogavam ténis de mesa ou tocavam melodias em velhas guitarras acústicas. A cena era descontraída e divertida, mas não se iludam sobre a força mental necessária para conseguir tirar o melhor proveito possível da experiência em Tham Krabok.

Monges descansam depois de tomar pequeno-almoço no refeitório comum do mosteiro.

"Aqui a desintoxicação física é apenas uma pequena fracção do processo", disse Mitrakhovich Evgenii, um chef de Minsk, Bielorrússia, que veio para o mosteiro para tratar o seu vício em heroína. "Tens de fazer o restante trabalho mentalmente e através das tuas acções."

Enquanto Evgenii reconheceu que o processo de reabilitação é extremamente difícil, "a maior parte dos monges aqui presentes também foram pacientes, por isso existe um maior sentimento de empatia e compreensão. Ninguém é tratado com luvas de seda. Antes pelo contrário. Mas é verdade que a atmosfera existente incute um tipo de determinação que torna o sucesso possível."

Dois pacientes a tomar o Sajja (voto) antes de iniciar a sua reabilitação em Tham Krabok.

Central para a psicologia está o Sajja (voto), que é realizado antes do início do tratamento. Liderados por um monge sénior, os pacientes prometem solenemente renunciar as substâncias tóxicas. Um acto sagrado realizado - de acordo com a crença budista - "com uma visão clara do universo," o Sajja é levado muito a sério. Na verdade, os pacientes só têm uma oportunidade para se reabilitarem em Tham Krabok, com a proibição de uma possível volta ao retiro se o voto for quebrado.

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"Tens de estar comprometido com a Sajja", disse Vijit Akarajitto, vice-abade do mosteiro. "Estás a pedir os elementos para acreditar no teu voto, por isso, é absolutamente vital que também acredites totalmente nele. Se tens fé, o Sajja pode conectar-te à tua própria força de vontade, assim como a uma poderosa força espiritual. Pode ser como um barco salva-vidas que te guia através de águas turbulentas ".

Vijit Akarajitto, vice-abade do mosteiro.

De volta à sua casa nos arredores do mosteiro, Katrisha, a freira sénior, estava a apanhar os últimos raios do sol. Uma galinha local dava-lhe bicadas à volta dos pés enquanto suaves estirpes de reggae pulsavam na calma da noite tailandesa. Tinha sido um dia inteiro a ajudar pacientes que, muitas vezes, se encontravam perturbados, mas ela falou com enorme satisfação sobre o que conseguiu conquistar em Tham Krabok.

"Percorri um longo caminho, e estou muito orgulhosa disso. Aqui recuperei o sentido de ser", disse. "Não existe nenhuma cura milagrosa. Precisas de realmente querer deixar o vício e estar preparada para dar tudo para alcançar esse objetivo. Se não fizeres isso, vais falhar. Frequentemente vemos muitas pessoas a tratarem o mosteiro como mais uma tarefa que têm de ser riscada da lista de afazeres. Eles consideram que fazer uma desintoxicação na Tailândia é algo exótico. O tratamento só vai funcionar se o paciente for sério e estiver comprometido com a sua recuperação. Não pode ser um turista. Não pode ser uma vítima. Tem de ser um guerreiro."

Segue Duncan Forgan no Twitter.