Viver no inferno de Idomeni. Fugir do horror de Idomeni
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Viver no inferno de Idomeni. Fugir do horror de Idomeni

A fotojornalista freelancer e colaboradora da VICE Portugal, Ceci de F, passou vários dias no Campo de Idomeni, na Grécia, acompanhou a tentativa de fuga de um grupo de refugiados pela fronteira da Macedónia e acabou detida e agredida pelas autoridades.

Texto por Sérgio Felizardo.

Segunda-feira, 14 de Março de 2016. Milhares de refugiados, há meses bloqueados no Campo de Idomeni, tentam desesperadamente passar a fronteira grega para a Macedónia. A notícia correu Mundo, como tantas outras arrancadas ao desespero que parece não ter fim naquele pedaço de terra transformado em inferno, em plena Europa. A fotojornalista freelancer portuguesa e colaboradora da VICE Portugal, Ceci de F, estava há vários dias a fotografar em Idomeni quando ouviu os primeiros rumores sobre um plano em curso para uma possível fuga através de uma zona sem vedação junto à linha fronteiriça.

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Passados quase dois meses, os contornos desta história continuam a não ser claros. Falava-se de uma acção organizada por activistas, mas também corria a informação de que, por trás da tentativa de organizar a saída de Idomeni estaria um padre… "Durante quatro dias tive dormi numa tenda enorme instalada pelos Médicos Sem Fronteiras, que abrigava centenas de pessoas. Havia camas vagas e os próprios refugiados cederam espaço e mantas a alguns jornalistas. Por isso, fui-me apercebendo dos rumores", recorda a jornalista. E acrescenta: "Num primeiro momento, um jovem e amigo sírio que vivia na tenda falou-me sobre esta intenção, explicando que teriam a ajuda da Cruz Vermelha".

Era, "obviamente, um engano", relata Ceci de F, realçando que foi exactamente isso que comentou com o sírio. "Ainda assim pediu-me conselhos, se deveria ir ou não, se seria viável ou não… No dia seguinte, domingo, já durante a noite, entrou na tenda um grupo de homens, liderado por um jovem, que apelava à 'aventura' de tentar passar a fronteira e garantia que seria uma possível solução para a situação deplorável estas pessoas viviam naquele Campo".

Ao meio-dia de segunda-feira, os rumores tornavam-se realidade. Famílias inteiras, muitas crianças, de mochila e sacos às costas, começaram a deslocar-se em direcção à vila de Idomeni, para daí seguirem para a montanha. Ceci decidiu acompanhá-los. "Existia um mapa que indicava o caminho até a uma parte da fronteira não vedada, do qual só tive conhecimento no dia a seguir", lembra a fotojornalista. E continua: "Ainda na vila, cruzei-me com uma jovem mãe sozinha, Cotana, que "carregava" quatro filhos pequenos, dois deles ainda sem idade para caminharem e doentes. Espontaneamente decidi ajudá-la e peguei numa das crianças que ela segurava em cima duma mochila. Levei-a numa cadeirinha improvisada com uma camisola minha".

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Algum tempo depois, o grupo - composto por cerca de quatro mil pessoas - foi bloqueado pelo exército macedónio. Vários jornalistas e voluntários que seguiam com os refugiados foram sendo separados, "por serem europeus", mas a colaboradora da VICE manteve-se "fora do radar" das autoridades. A intenção era ficar com eles, "principalmente depois de ver a forma abusiva como eram verbalmente tratados". "Depois de mais de uma hora sentados no chão, completamente molhados e gelados por termos atravessado o rio a caminhar, decidi mostrar o meu passaporte", conta.

Acabou detida e levada para a localidade mais próxima, já no lado da Macedónia, com cerca de 80 outras pessoas, incluindo por exemplo o jornalista da Time, Simon Shuster. "Já na esquadra da polícia de Gevgelija fui fisicamente agredida, mais de uma vez pelo mesmo agente, sem motivo algum, obviamente, ou, segundo eles, porque estávamos a comer pizza dentro das instalações, ou porque não os deixávamos andar". Abusos que a fotojornalista denuncia com o sentimento amargo de, na altura, só poder imaginar o que se estaria a passar com os refugiados.

A libertação foi conseguida a troco de dinheiro e de uma "sentença" de expulsão do País por seis meses. Na memória ficam as imagens da tragédia humana vista com os seus próprios olhos e captada pela sua objectiva. Um trabalho que tinha começado meses antes, ainda as vedações de arame farpado se levantavam em países do espaço Shengen, lembrando outros muros, outros ideais e outras formas de actuar, tão distantes do conceito europeu de união. "Queria desenvolver a ideia da 'criação' de uma nova Europa que rompe com os valores que, supostamente, a tinham fundado, como a tolerância, a paz e livre circulação (de pessoas, mercadoria e capital) desde que começaram a chegar em massa pessoas que fogem da destruição, terror e morte dos seus países de origem em busca de refúgio", explica.

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O projecto foi interrompido, mas, ainda assim, no regresso a Portugal havia uma história para contar. Havia, aliás, muitas histórias. "No tempo que estive em Idomeni, não me concentrei em nenhuma história, ou tema, em particular. Ia disparando. Como fotógrafa documental fui péssima, mas foi algo que se ficou a dever àquelas circunstâncias muito particulares e que acabei por compensar com a parte humana e com uma convivência intensa com aquelas pessoas. Com a partilha do dia-a-dia delas", conclui.

Abaixo podes ver mais imagens captadas por Ceci de F em Idomeni e durante a "fuga" dos refugiados.