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Música

Discos: Inigo Kennedy

Frente a frente com um veterano.

Vaudeville

Token

Será preciso recuar no tempo, até à aurora deste milénio, para compreendermos o brutal input que a techno fecundou nesse útero bastardo da música electrónica. Após a facção mais militante, centrada na hipnose fria e maquinal, assistiu-se a um despoletar de outras sensibilidades e novas portas para a mente. Distante do papel da trip colectiva (adeus, festas em bosques e pinhais) em prol da viagem solitária num mar de outras almas soltas (olá noites a altas horas numa cave mal iluminada), a explosão cedeu à implosão e o animal entrou numa bendita metamorfose sem retorno. E não raras vezes é assim que se acende a faísca da novidade. Com um fósforo no bolso, uma parede já gasta de ideias servindo a fricção e a vontade de dar aquele bafo de inovação.

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Da faísca ao lume, bastou uma atenção apurada a elementos até então externos: o papel dos paisagens e dos seus detalhes — cuja escola germânica da Basic Channel não é alheia —, as melodias vindas de um outro espaço que não este que conhecemos, e ainda o fluxo permanente de teor pós-cinematográfico. A eficiência da gestão de puras batidas sempre foi, é e será, suficientemente sustentável quando existe mestria e inteligência, contudo quando a isso se adiciona "algo mais" (sendo isso sinónimo de material de peso), discos como

Vaudeville

 acontecem. Curioso mesmo é reparar que boa parte dessa bagagem chega não de editoras estabelecidas, mas sim de pequenas labels como esta maravilha belga chamada Token — que alberga uma tropa massiva a ter debaixo de olho.

Podemos sempre especular sobre o imaginário de um álbum cujo título recorre a um modelo de espectáculo de variedades. Obviamente não observam por aqui danças exóticas, mulheres em cintos de liga ou distintos cavalheiros de bigode e cartola. No entanto, a acreditar numa eventual interpretação titular,

Vaudeville

 resume todos os acréscimos referidos no início e mais alguns. À sua maneira, também tem um quê de techno de variedades; hábil na forma como cativa pelo tom enigmático e pelo resultado inesperado no seu papel de entretenimento sério para a mente. Ou então o título é, na verdade, fruto do apetite mais aleatório de Kennedy e, enfim, aí perdemos uma boa oportunidade para sonhar menos.

Em todo o caso, este mosaico sonoro não dispensa o grau honorífico de real broa. Não se poderia esperar outra coisa de quem maneja com tamanha perfeição os confins da techno aliados à música concreta. Vitórias vindas de quem já alcançou a respeitosa fasquia de uma centena de discos, quer em nome próprio, quer na vasta lista de heterónimos. Estamos, portanto, frente a frente com um veterano de origens insondáveis e destinos inimagináveis. Um tipo a quem não se recusa uma boleia ao outro lado da realidade, aquele lado que tanto ansiamos, mas tão poucas vezes visitamos.