FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Eiderdown Records: Seattle, guitarras, cassetes e fins de noite

Seattle continua incompleta.

Nunca pensei que, em todo o meu tempo de vida, alguma vez uma canção dos Pearl Jam viesse salvar uma introdução para a qual só tinha más soluções e péssimas metáforas. Mas Seattle obriga a falar de 1992, 1992 obriga a falar de grunge e os Pearl Jam tinham uma canção, que à semelhança de tantas outras da banda, repetia variantes da mesma frase até que fosse impossível esquecê-la: “Saw things clearer once you were on my rear view mirror”. Traduzido isso significa qualquer coisa como: “Pelo retrovisor vi as coisas muito mais lucidamente”. E é verdade que o retrovisor serve como excelente utensílio para estacionar o carro, em parkings apertadinhos, ou para guiá-lo por autoestradas com elevados níveis de sinistralidade. O “retrovisor”, dos Pearl Jam, contudo estava apontado a uma realidade passada onde reinava a violência e a angústia, tal como mandava a regra na maioria dos discos vindos de Seattle entre 91 e 94. O Eddie Vedder cantava enfurecido com o seu lar e nós, rapaziada de 14 e 15 anos, imaginávamos que os ambientes familiares daquela malta conseguiam ser bem piores que os nossos. Ah, que bom é sentir esse conforto no rock.

Publicidade

Mas qualquer abordagem a Seattle, por mais canções e discos que envolva, permanece incompleta se deixarmos de fora tudo o que compõe o imaginário da cidade. Olhamos pelo retrovisor do tempo e lá estão as camisas de flanela, os gajos de cabelo comprido, os lenhadores de mau feitio, o hype e o Matt Dillon a pausar no

Singles

. Esse retrato estende-se de igual modo a uma Seattle em que toda a gente toca ou já tocou numa banda, aos pedais de efeitos, ao fuzz patenteado pelos Mudhoney e às guitarras que desbravam o caminho que leva a tudo isso. No fundo, uma Seattle efervescente em que a vontade de fazer música é enorme, independentemente dos motivos por detrás disso.

A indústria, que engoliu sofregamente Seattle, tão depressa a vomitou e o resto da história já todos conhecemos melhor que a matemática da segunda classe. A verdade é que nunca mais as luzes voltaram a encandear Seattle como no início dos anos noventa. Assim, a cidade regressou à sombra de onde veio e, tal como tantas outras, passou a ser um lugar que nos obriga a vasculhar para chegar a algo de valor. Sedeada em Seattle, a

Eiderdown Records

é, desde 2011 e com um catálogo maioritariamente feito de cassetes, uma daquelas labels que garante aos mais curiosos as devidas recompensas. Adam Svenson, o homem que toma as principais decisões na Eiderdown, gere a casa com um gosto eclético e aventureiro, e nunca entende a fita da cassete como um ghetto para a música que não tem direito aos formatos de maior fidelidade.

Publicidade

O som algo descorado da cassete não podia aliás ser mais apropriado como veículo para uma música que se desgasta e se esquece enquanto avança. E é nessa erosão que a Eiderdown Records encontra o tema que une uma grande parte das suas cassetes, que visualmente são também reconhecíveis pelos seus desenhos viscosos e aspecto cavernoso (impressionantes criações do ilustrador Max Clotfelter). No interior das cassetes o que encontramos adequa-se perfeitamente ao

artwork dominante na Eiderdown

: música que, independentemente de todas as formas que assume, cresce dentro de uma atmosfera húmida, adormecida e que não conhece a luz do sol há uns quantos meses. O próprio slogan da label aponta para a prosperidade dos “late night sounds”. Com tudo isto poderíamos até julgar que a Eiderdown funciona como uma espécie de incubadora para clones da Grouper (senhora maior de toda a música nocturna e meditativa), mas aqui há espaço útil para muito mais que isso.

<a href="http://eiderdownrecords.bandcamp.com/album/endless-caverns-colour-breathing" data-cke-saved-href="http://eiderdownrecords.bandcamp.com/album/endless-caverns-colour-breathing">Endless Caverns "Colour Breathing" by Endless Caverns</a>

Em jeito de corridinho pelo catálogo, comecemos pela cassete de Endless Caverns, que por acaso até é, de todos os nomes, aquele que se encontra mais perto de Grouper:

Colour Breathing

 comunica para dentro através de tristes digressões de guitarra que associaríamos de igual modo a um John Frusciante fodido da vida. Também por causa disso

Colour Breathing

 não será dos mais convidativos lançamentos da Eiderdown. Bem mais extrovertida e apelativa é a cassete a cargo do casal Ecstatic Cosmic Union, que, em

Publicidade

XCU

, começam por nos arrastar até aos sintetizadores de John Carpenter e por aí vão trepando até ao valente krautrock de “Skarab’s Bones”. Não é preciso ir mais longe que isso para encontrar uma das melhores opções que a Eiderdown tem para dar. A tape dos Datashock leva-os pelo deserto de mão dada com os Bardo Pond (e até mete o som de um patinho de borracha em

delay

), enquanto o rock psicadélico ameno da turma Planets Around the Sun faz crer que podia estar aqui uma óptima solução para dizer adeus ao sol de Carcavelos, num dos dias de Milhões de Festa. Fica a dica. Resta-me apenas dizer que cada uma destas maravilhas em fita não custa mais que cinco dólares (sensivelmente três euros e meio). Fumem menos. Comprem mais música.

<a href="http://eiderdownrecords.bandcamp.com/album/gonzalez-steenkiste-stuffed-with-the-down-of-the-eider" data-cke-saved-href="http://eiderdownrecords.bandcamp.com/album/gonzalez-steenkiste-stuffed-with-the-down-of-the-eider">Gonzalez & Steenkiste "Stuffed With The Down Of The Eider" by Eiderdown Records</a>

(Há uns dias, o meu boy Nuno Afonso escreveu

isto

sobre a cassete de Jon Collin, também da Eiderdown Records. Apreciem.)