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Opinião

E se um dia o Papa afirmasse que Deus não existe?

Já não seria mau se a Igreja Católica fizesse, de facto, alguma coisa concreta para acabar com a pedofilia e os constantes casos de abusos sexuais na instituição.
O Papa Francisco tem uma montanha difícil de escalar para lavar e renovar a imagem da organização. (Foto por Kai Pilger no Unsplash)

Com mais um mega-escândalo no seio da Igreja Católica - desta vez, as notícias oriundas do Estado da Pensilvânia (EUA) falam de trezentos padres que terão abusado sexualmente de mil menores, ao longo de sete décadas -, começa a ser evidente a cultura pedófila nos seus bastidores.

Uma forma de actuar que leva ao extremo a velha máxima bem ao gosto do bloquista "capitalista", Ricardo Robles (este no capítulo da política da habitação em Lisboa), "faz o que eu digo, não faças como eu faço".

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A necessária "Operação Pénis Limpos"

Fulano com uma fita na testa: "Pá, cortem todos menos o meu… Tenho contas para pagar!". (Filme "Boogie Nights", 1997, com Mark Wahlberg no papel de um actor porno. Cortesia New Line Cinema)

Durante a secular existência desta corporação religiosa, além da virtude de espalhar amor, misericórdia e ajudar os pobres e frágeis no quotidiano, houve outras duas maneiras de estar que se cristalizaram. A abrir, os seus poderosos tentáculos serviram para cimentar a riqueza material e obter uma influência crucial nos países onde o número de seguidores é avassalador; a outra prende-se com uma estrutura de pecado que foi protegendo as perversões sexuais dos seus membros.

No segundo ponto, através de manchas espalhadas um pouco por todo o globo (Europa, Austrália ou América do Sul) e o amontoar de estórias sórdidas, constata-se que a pedofilia está enraizada no sistema eclesiástico. A sua erradicação não se faz de um dia para o outro e não passa por nenhum Concílio (onde o clero se "masturba" com discussões estéreis), ou somente pelo fim do celibato obrigatório.

Aliás, será que mesmo que a castidade deixe de ser requisito, o facto de um indivíduo estar casado ou de exercer a sua vida sexual livremente, é impeditivo de abusar de outros - especialmente crianças? Em qualquer tipo de violação, quem perpetra o crime sente-se impune e, quando estão menores envolvidos, essa convicção ganha maior relevância. Entre as muitas formas de combater esta epidemia, as autoridades civis devem investigar e prender quem deve ser preso (tenha trinta ou noventa anos) e a Igreja expulsar liminarmente os transgressores - cúmplices incluídos. Isto já não vai lá com quaisquer espécie de perdões…

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Do mesmo modo, antes de ser ordenado, cada padre devia passar por testes do foro psicológico para ver se são detectados comportamentos e patologias desviantes. Sob outra perspectiva, se fossem as vítimas a decidir nesta "Operação Pénis Limpos", possivelmente seria aprovada a castração química para "cortar os anseios da cabeça de baixo". Aproveitando a maré de sugestões, para quando a ascensão de mulheres nos lugares de topo da hierarquia? Isto de ser um boys club forever já cheira a mofo. É hora de deixar a visão delas interferir positivamente neste histórico império.

Se alegadamente Francisco defende que "o Inferno não existe", será plausível acreditar na existência de Deus?

Vendo a importância e a responsabilidade do catolicismo na sociedade (mesmo que hoje o facebook ou "bíblias" similares sejam vistos como fontes de inspiração, em detrimento de sermões enfadonhos), é chocante apercebermo-nos do altíssimo nível de encobrimento dado por instâncias superiores aos constantes relatos de agressões sexuais.

A somar às inaceitáveis mudanças de supostos malfeitores para outras paróquias - facto deliberado por muitos bispos locais -, no último domingo, 26 de Agosto, os media dão nota de um polémico comunicado do arcebispo Carlo Maria Viganò, em que defende a renúncia do actual Sumo Pontífice por este ter protegido o cardeal norte-americano, Theodore McCarrick, desde 2013 (McCarrick demitiu-se em Julho último por terem vindo à superfície relatos de eventuais abusos a menores e seminaristas). Até ao momento, a resposta a esta acusação foi evasiva.

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Vê: "Um homossexual 'recuperado' é o líder da Igreja Católica alt-right"


Ao longo dos cinco anos no cargo, Francisco tem sido um Papa cosmopolita, denotando uma mentalidade arejada e não apegada a tempos medievais. Basta ver que condenou a pena de morte, abriu uma janela à homossexualidade ou mostrou abertura às uniões de facto e casamento entre divorciados. Com um discurso consentâneo com a realidade, até os ateus e os agnósticos reconhecem o seu carisma natural. Por mais vergonha que transpareça (com salpicadelas de cinismo?), é nítido o esforço para estar à altura dos problemas de peso que afectam o seu pontificado. Longe vão os tempos em que bastaria meia dúzia de Avé Marias para solucionar qualquer imbróglio…

Numa carta recentemente publicada no site oficial do Vaticano, relativamente ao extenso esgoto pedófilo, o Papa é taxativo na defesa das vítimas e no apontar do imenso "lixo" existente na instituição. Ainda assim, independentemente da sinceridade e das desculpas (o mesmo sucedeu, este último fim-de-semana, na passagem pela República da Irlanda), isso não chega para compensar os danos causados a milhares de rostos que têm de lidar com um eterno fantasma.

Como o próprio admitiu anteriormente, reformar esta organização é equivalente a "limpar a esfinge com a escova de dentes". É uma missão árdua, lenta e cheia de bloqueios - convenhamos que ter gente conservadora e reaccionária por perto, atrapalha. Por este motivo e devido aos inúmeros acontecimentos de contornos sexuais na "mansão" que governa (mais a rede de corrupção financeira), qualquer dia salta-lhe a tampa e anuncia a inesperada bomba atómica.

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Depois de pretensamente ter dito que o "Inferno não existe", como seria se afirmasse que Deus é uma fantasia humana? Eis algumas das consequências imediatas:

  • Rapidamente, o Papa Francisco seria destituído e exilado para uma morada desconhecida do grande público (para evitar ataques de cristãos fanáticos);
  • Messi avançaria para a implementação da sua religião - "iluminado" pelos fiéis de Maradona que criaram rituais bastante particulares;
  • Gradualmente a despedida via "adeus" cairia em desuso;
  • O economista e católico dos quatro costados, João César das Neves, virava monge numa ilha grega e ganhava coragem para visionar o documentário Religulous (2008), com Bill Maher - ver trailer no desenlace deste texto -, e a fita The Invention of Lying (2009), com Ricky Gervais;
  • E o Vaticano modificava qualquer coisa… Para continuar tudo na mesma, como se nenhuma conduta fosse preciso alterar.

Com a credibilidade da Igreja Católica a atingir níveis dantescos (ao pé disto, o Ballet Rose, o Processo Casa Pia e os eventos que deram origem ao movimento #MeToo, são meninos de coro), é caso para afirmar "Habemus Fumo Negro".


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