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Por dentro da funerária que posiciona os mortos como se estivessem vivos

Falamos com o chefe de uma das funerárias mais antigas e criativas de Nova Orleans sobre os “embalsamamentos extremos”.
Drew Schwartz
Brooklyn, US
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Foto via WGNO (esquerda) e Marín Funeral Home (direita).

Duas semanas depois que Renard Matthews foi tragicamente baleado e morto em seu bairro em Nova Orleans, o rapaz de 18 anos parecia exatamente como era em vida. Em seu velório, ele estava reclinado numa cadeira na frente de uma TV “jogando” NBA2K, com um controle de PS4 nas mãos. Usando óculos escuros, meias e chinelos, e uma regata do Celtics, ele até tinha seus petiscos favoritos – Doritos e um refri – numa mesinha próxima. E era exatamente isso que a família queria.

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O velório de Matthews foi o exemplo mais recente do que diretores de funerária chamam de velórios “não tradicionais”. Em vez de ter seu ente querido deitado num caixão, algumas famílias escolhem colocar os corpos em cenários relacionados ao defunto, para vê-los como eram em vida antes de serem colocados no descanso eterno. A prática apareceu em Porto Rico em 2008 como uma despedida mais comemorativa pro falecido, com a Marín Funeral Home posicionando os corpos em cima de motos ou em pé num ringue de boxe.

Foto por Ricardo Arduengo/AP.

Em 2012, velórios com “embalsamamentos extremos” chegaram a Nova Orleans, quando a família de Lionel Batiste – percussionista da famosa Treme Brass Band – pediu a Charbonnet-Labat-Glapion Funeral Home para colocá-lo perto de seu bumbo, as mãos descansando sobre a bengala que ele sempre usava. Quando Mickey Easterling, uma socialite de Nova Orleans conhecida pelas festas extravagantes, morreu dois anos atrás, sua família contratou a funerária Jacob Schoen & Son para dar sua festa de despedida, a posicionando com seu boá de penas marca registrada no pescoço, um cigarro numa mão e uma taça de champanhe na outra. Quando Miriam Burbank, uma torcedora do Saints, faleceu, a filha contratou a Charbonnet para posicioná-la como ela geralmente era vista: sentada numa mesa usando preto e dourado, com um cigarro mentolado entre os dedos e uma lata de cerveja Busch ao lado.

Numa época em que você pode lançar os restos da sua cremação no espaço, esses embalsamamentos não tradicionais são outra maneira criativa como as pessoas estão escolhendo celebrar a vida de alguém, e mudar a narrativa cercando a morte. A VICE falou com o diretor de funerária Patrick Schoen – que organizou o velório de Easterling – para descobrir como esses serviços funerários pouco tradicionais são realizados, por que eles estão ganhando popularidade especificamente em Nova Orleans, e por que as famílias escolhem esse tipo de evento.

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Você pode falar um pouco sobre quem era Mickey Easterling?

Patrick Schoen: Ela era uma socialite de Nova Orleans, e era sempre o centro das atenções. Ela sabia viver. Ela recebeu muitos astros de Hollywood quando eles vinham para cá e ela aparecia direto no jornal, sempre se divertindo muito. Ela tinha uma casa linda na beira de um lago aqui, e ela dava festas extravagantes.

Como o velório dela foi organizado?

Era o último desejo dela. Ela o compartilhou com a filha, e quando ela faleceu, a filha me ligou e explicou quais eram os interesses da mãe. Ela e eu trabalhamos juntos em tudo. A premissa do velório, basicamente, era ela sendo anfitriã numa festa. Era uma festa com muito champanhe, e a ideia é que ela saiu para seu jardim depois da festa, sentou num banco e caiu no sono. Essa era a ideia. Com a taça de champanhe ainda na mão, que era Waterford Crystal. Na outra mão ela tinha um cigarro. Ela até tinha um broche escrito “bitch” – de diamantes de verdade.

Um restaurante famoso aqui de Nova Orleans, o Galatoire, serviu o prato favorito dela no velório. E claro – sendo Nova Orleans – colocamos uma banda de jazz para tocar. Foi uma festa muito legal. Ela estava um pouco distante de nós, quase como um cenário, com orquídeas e outras flores a cercando, flores que foram escolhidas pelo florista dela para parecer que ela estava num jardim. Ela tinha um pequeno balde perto dela com a garrafa de champanhe dentro, e um boá pink. O cabeleireiro dela fez o cabelo e tudo. Ela estava usando suas roupas de grife favoritas.

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Vocês já tinham feito um velório assim antes, com o corpo numa pose?

Não, nunca fizemos um assim antes.

Como você reagiu quando a família dela te abordou para fazer esse velório? Você teve alguma reserva sobre isso?

Bom, o ponto aqui é que nosso trabalho é satisfazer as famílias. Nesse caso, era basicamente satisfazer a Sra. Easterling. Quer dizer, foi o último pedido dela, e ela nos procurou para isso, e demos o que ela queria. Essa é a coisa mais importante para nós, garantir que a pessoa tenha seu pedido atendido.

Eu nem sabia que tínhamos essa habilidade. Fiquei pensando “Precisamos fazer isso, independente de como”. E nossa equipe pensou em tudo. Foi um grande desafio, pelo menos para nossa funerária.

Como as pessoas responderam ao velório?

O evento foi muito bem recebido, acredite ou não. Ninguém ficou chocado, ou pensou que era inapropriado ou algo assim. Quer dizer, você tem que entender: velórios assim não acontecem todo dia. Então foi uma surpresa e tanto para quem compareceu. Mas o essencial aqui era ter certeza que o velório dela seria lembrado, e foi. Foi notícia no mundo todo. Até colocamos um carro funerário na porta, para as pessoas não ficarem tão chocadas e parecer mais com um velório comum. Só para deixar todo mundo um pouco mais confortável, mesmo que não tenhamos colocado o corpo dela no carro. Foi tudo feito aqui na funerária, e claro que ela teve que chegar aqui numa van normal, porque a posição dela já estava pronta.

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Vocês tiveram alguma resposta negativa, e que problemas as pessoas têm com esse tipo de velório?

Acho que as pessoas só ficaram surpresas. Se as pessoas não entendem, ou não tiveram a chance de ver algo assim, claro que você vai ouvir “Ah, uau, isso foi muito diferente”. Esse tipo de coisa. Mas ninguém disse nada depreciativo. Elas só pensaram que era, não sei, estranho? Mas acho que o ponto aqui é, essa era Mickey Easterling. E foi assim que ela viveu, e foi esse o velório que ela escolheu.

De que maneira realizar esse tipo de velório é mais desafiador que um velório tradicional?

Primeira coisa, as pessoas que fazem curso de ciência funerária não aprendem como colocar uma pessoa morta sentada num banco. Eles não ensinam isso no curso. Então esse é um grande desafio. Eles tiveram que descobrir como fazer isso, e conseguiram. Lembro de receber uma ligação dizendo “Meu Deus, vocês estão loucos? Como vocês esperam que a gente faça isso?” E eu disse “Olha, esse é o acordo. Vamos satisfazer a família independente de qualquer coisa, então vamos ter que descobrir como fazer isso”. Não posso entrar em muitos detalhes, porque posso ofender a família, mas sim, foi um grande desafio.

Vocês precisam usar uma técnica de embalsamamento especial?

Não é tanto o embalsamamento, mais encontrar um jeito de estabilizar o corpo. A técnica de embalsamamento é a mesma que sempre usamos.

Foto via Marín Funeral Home.

O que você acha de alguns dos velórios não tradicionais sendo feitos em Porto Rico, onde os mortos foram posicionados em cima de uma moto ou de pé num ringue de boxe?

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Se é isso que a família escolheu, então não tem nada de errado. Desde que todo mundo fique satisfeito com o que a funerária fez – e talvez fosse a vontade do falecido – não acho que tem nada de errado. Culturas diferentes fazem isso de jeitos diferentes. Essa obviamente é a cultura deles, e eles gostam muito disso. As pessoas que você está vendo também, acho que são pessoas mais jovens. São elas que você vê em motocicletas e coisas assim.

Quando fizemos nosso velório, a premissa era que a Sra. Easterling estava dormindo. Nos outros, eles fazem as pessoas como numa foto de ação, o que é um pouco diferente. Parece um pouco mais realista ter o falecido parecendo que está dormindo do que alguém numa moto, ou cantando. Não estou dizendo que tem algo errado com isso. Se esse é o desejo da família, concordo 100%.

O que você achou do velório de Renard Matthews?

O velório deixou a família feliz, e todo mundo ficou satisfeito, tenho certeza. E era isso que ele fazia. Eles tentaram representá-lo – o evento era sobre ele e mais ninguém. Eles o posicionaram fazendo o que ele sempre fazia – então não faz diferença o que outras pessoas acham. Acho que você sempre precisa seguir os desejos dos entes queridos.

Depois de realizar o velório da Sra. Easterling, como você diria que é o clima num velório não tradicional é diferente do de uma homenagem mais tradicional?

Não era algo tão melancólico, entende o que eu digo? Não era como entrar na funerária e ver o caixão – quando você vê uma apresentação como essa, você não tem a mesma sensação. É um sentimento mais alegre, sendo honesto. Tipo “Ela parece muito bem”. Você se sentia como se estivesse numa festa. E era isso que ela queria. Ela queria celebrar a vida.

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O que você acha que as famílias tiram desses velórios, onde elas veem seus entes queridos como eles eram em vida, que elas não conseguem de velórios mais tracionais?

O evento representa a pessoa para quem o velório está sendo dado. Tipo, Lionel Batiste – ele sempre esteve sob os holofotes, assim como Mickey Easterling. Essa era a vida deles, e esse era o jeito como eles queriam ser representados em seu velório.

Minha família está no ramo há 144 anos. Pelos primeiros 120, todos os velórios eram exatamente iguais. Todos. Quer dizer, o que mudava era o pastor entrando, e só. E agora – eu diria nos últimos 15 anos – os velórios estão se tornando algo muito diferente. Fiz um velório numa linda mansão antiga, com belos jardins, e colocamos a pessoa deitada num dos jardins. Tinha um quarteto tocando e o evento era open bar, e foi lá que fizemos o velório. Temos um jardim de esculturas no nosso City Park, e o falecido era um artista que tinha obras famosas lá, então o colocamos deitado no jardim com uma de suas obras bem na frente do caixão. Então agora você pode experimentar mais – tonar isso mais pessoal, em vez de ter um evento muito genérico onde as mesmas coisas sempre acontecem, como era feito no passado.

Você acha que esse tipo de velório está começando a se tornar mais popular?

Pode se tornar mais popular com o tempo. Agora você tem uma opção que não tinha antes. Se a pessoa quer expressar sua passagem por este mundo de um jeito diferente, dessa maneria ela pode fazer isso como nunca foi feito antes. Não posso dizer que é uma modinha a que todo mundo vai aderir, só algumas pessoas, pessoas que geralmente são muito únicas em vida.

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Outras pessoas já abordaram sua funerária para ter um velório não tradicional como o de Easterling?

Pessoas já vieram me perguntar sobre velórios não tradicionais para si mesmas. Elas não sabiam que essa era uma possibilidade, mas agora as pessoas estão pensando fora da caixa.

Por que você acha que esse tipo de velório está se tornando mais popular em Nova Orleans? O que tem na cultura da cidade que permite que velórios não tradicionais ganhem impulso?

Nova Orleans tem um espírito diferente. Adoramos comemorar aqui, e só porque é um velório, não quer dizer que não podemos celebrar, que você não pode se divertir. Muitos desses velórios provavelmente são o último desejo de pessoas que eram daqui, do falecido – é isso que eles queriam para seu último evento. Saber que todo mundo está se divertindo.

Matéria originalmente publicada na VICE US.

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