Fuga para as Ilhas: Como o Cavo Paradiso sobrevive à crise da Grécia
Jonny Panopoulos

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Música

Fuga para as Ilhas: Como o Cavo Paradiso sobrevive à crise da Grécia

Andando numa linha tênue entre indústria e subcultura, o clube grego tem servido de refúgio e sustento de um país em convalescênça econômica.

Se as históricas paredes do clube Cavo Paradiso na ilha mediterrânea de Míconos pudessem falar, o que elas diriam? "Que elas viram muito sangue, suor e lágrimas—de alegria e tristeza", se lembra o DJ residente de longa data Stathis Lazarides enquanto ele dirige pelas areias de uma estreita estrada sem iluminação, do hotel Myconian Avaton na praia Elia até a mítica balada.

Ao largo da costa da Grécia, Míconos tem a reputação de destino de balada há décadas. A fama foi formada já na década de 60 quando celebridades como Jackie Onassis e Grace Kelly tornaram a ilha famosa. Cavo Paradiso foi inaugurado como um restaurante com vista para o mar em 1993, mas desde então virou o alvo de umas das melhores agendas de verão do planeta. Como uma das poucas mega baladas gregas que persistiu depois do lento colapso econômico através dos anos 2000, continua tendo um lugar especial na cena de música eletrônica grega.

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Uma antiga festa do Cavo Paradiso a pleno vapor ao meio dia — todas as fotos são cortesia de Cavo Paradiso e Jonny Panopoulos

Fazendo uma conexão entre atmosfera e paisagem, o clube é feito da mesma rocha onde foi construído. Situado na beira de um desfiladeiro de 45 metros de profundidade, ele é voltado para as maravilhosas vistas do mar Egeu. Chegando lá algumas horas antes do show, Lazarides se prepara para abrir para o veterano do minimal techno Ricardo Villalobos. Ele vai aos bastidores para a sala de controles do Cavo—um quarto silencioso, povoado com pouco mais do que monitores de vídeo e o dono Nikos Daktylides orientando o movimento com seu microfone. Lazarides mostra algumas fotos antigas, antes do clube ter canhões de fumaça e uma área VIP. "Cavo costumava ser um clube de after party", ele diz. "As pessoas iam até a cidade de Míconos, curtiam, e então às três ou quatro da manhã elas vinham até o Cavo para dançar até o meio dia."

O lugar cresceu significativamente desde então, com inúmeras noites memoráveis. Lazarides se lembra de um essencial set de doze horas do John Digweed, em 2001, como um desses momentos. "Ele quebrou todos os recordes de tempo de set e lotação do clube. Causou um alvoroço em toda a cena eletrônica grega". Agora, enquanto ele destaca o lineup recente do Cavo, é fácil ver como as coisas mudaram: completos opostos Joseph Capriati e Benny Benassi tocaram com uma noite de distância, e tipos como Bob Sinclair, Steve Aoki, Paul Ritch e Louie Vega estão marcados para a próxima semana. "Nós não somos como um porão em Londres onde você pode experimentar e formar novos artistas", Lazarides diz.

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John Digweed tocando seu set lendário de doze horas no Cavo em 2001

A tradição musical grega é tanto parte de sua identidade quanto as centenas de ilhas através dos mares Egeu e Jônico que marcam seu lugar no mapa. A preferência do país por festas e prazeres é bem conhecida desde seu passado mítico—orgias dionisíacas e bebedeiras de vinho que às vezes duravam dias. Até a palavra ecstasy vem diretamente do grego. Então, não é surpresa que lá exista uma crescente comunidade eletrônica.

No entanto, de acordo com Lazarides, o Cavo Paradiso agora é feito de uma maioria alarmante de turistas estrangeiros. E embora eles fiquem felizes em atrair tantas pessoas diferentes ao redor do mundo, pelo menos um empregado do Cavo admite querer que o clube tenha uma filial em Atenas, para que eles pudessem dar entradas baratas exclusivas para gregos.

Isso é parte da complexidade da cena eletrônica grega—apesar de destinos como Míconos continuarem a florescer com dólares estrangeiros, cidadãos comuns não possuem esse luxo. Particularmente no centro da cidade de Atenas, o país tem visto a ascensão e queda de numerosos clubes de grande escala desde o começo dos anos 2000, incluindo Alsos, Battery e U-Matic.

O Cavo Paradiso hoje

A queda das baladas gregas claramente coincide com a crise financeira grega do começo de 2009. No entanto, o turismo permanece uma indústria relativamente robusta, por causa da delicada situação financeira do país, o sucesso de negócios como Cavo é essencial— apesar de vir com um custo. Antes da união monetária com a Europa, Lazarides estima que 80% das pessoas que vinham para a festa eram gregas. Ele se lembra de barcos de passageiros vindo de Thessaloniki (uma cidade-porto grega no golfo Termaico, no mar Egeu) que estava viajando há doze horas. "Era tipo o disco-barco. Haviam 700 verdadeiros amantes da música, a maioria de Atenas. Mas porque as coisas mudaram com o euro, os gregos basicamente ficaram mais pobres, e eles não podem mais nos visitar".

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É estranho dizer, mas na terra que é o berço da democracia a balada pode ser tudo, menos democrática. Enquanto a nação continua a encarar agitação econômica e medidas de austeridade, talvez não exista ninguém que esteja sofrendo tanto quanto a juventude do país, apesar da música eletrônica representar certa fuga desse cenário.

"Eu não acho que seja coincidência que, através dos anos de incerteza econômica, o público underground grego tenha crescido imensamente. E ele tem crescido firmemente apesar de todos os obstáculos", diz Lorenzo Papachrisanthou, um dos maiores promoters de techno da Grécia e fundador da companhia de eventos Blend Athens. "As pessoas sentem a necessidade de se divertir. Para se livrar de todos os pensamentos negativos."

Papachrisanthou passou os últimos dez anos fazendo público para estrelas internacionais, assim como cuidando de legiões de talentos nativos. Costas Budolas, um membro principal do coletivo Default—uma rede de artistas, arquitetos, designers e músicos gregos—que também é responsável pelo aclamado selo grego Bliq com seu parceiro Manos Mara, acrescenta: "Nós estamos falando de um pequeno país com uma grande quantidade de artistas".

Esses artístas incluem Mikee, quem Papachrisanthou diz ser "o mais forte representante do tech house na Grécia"; Dino MFU, uma importante figura do house; e CJ Jeff, que teve uma residência de 11 anos no Cavo Paradiso.

Sebastian Ingrosso nos decks da Cavo

Apesar da proliferação de seus artistas, o impacto mundial da Grécia na música eletrônica tem sido relativamente pequeno. Enquanto outros países europeus como Itália, França, Espanha, Alemanhã e Romênia todos são conhecidos por suas distintas contribuições à dance music global, a Grécia não tem tanto destaque.

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"Provavelmente o problema da identidade da cena de música eletrônica grega seja por que, durante muito tempo, os artistas tem trabalhado sozinhos", explica George Peristeris, outro membro do coletivo Default. "Então havia certo isolamento, já que não existia uma comunidade forte para dar apoio e retorno". Também, de acordo com Papachrisanthou, nunca houve uma agência respeitável ou uma companhia de empresários que representasse artistas gregos.

Ele coloca a culpa da falta de exposição global na indústria de música pop e folk, que não deixou muito espaço para a cena eletrônica crescer. "Toda a mídia mainstream na Grécia costumava dar apoio para música típica Grega", ele alega. "As pessoas não eram suficientemente informadas sobre os gêneros mais alternativos e underground de dance music". Ele diz que a maioria dos donos de balada não estavam dispostos a marcar eventos de música eletrônica no passado, e durante muitos anos, a polícia proibiu a operação de clubes em Atenas. "Isso afetou muito a evolução da música".

Nascer do sol na Cavo Paradiso

Na Grécia, exista a mentalidade que quando você tem um negócio, você o considera parte de você—ao menos é nisso que Lazarides acredita: "A balada é uma ideia. Não pode ser descartável". Para o time por trás do Cavo Paradiso, o lugar representa uma encruzilhada entre filosofia musical e econômica. "Os gregos não enxergam o capitalismo da mesma forma que o resto do mundo enxerga", Lazarides explica. "Maximizar o lucro aparando as arestas só porque você pode… Dê uma volta no clube, você enxerga algum nome de patrocinador?"

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Na América do Norte e em outros lugares do mundo, a música eletrônica se manifesta de formas sensivelmente diferentes. Mas isso fica particularmente claro na Grécia, onde os eventos com grandes nomes e muito dinheiro que trazem o tão necessário dinheiro de fora são indicativos de uma ruptura com a cultura underground do país. "A música eletrônica sempre existiu e agora é hora de colocar mais foco nela porque as pessoas precisam dela mais do que nunca. Nossa crise econômica é um problema sério", diz George Peristeris. "Nós todos precisamos nos unir para apresentar qualidade ao público e nos expressar ao promover como nos sentimos na música e artes. É definitivamente um alívio. Os gregos precisam sair e ouvir boa música que não os faça pensar em nada".

Foto antiga no Cavo Paradiso

Andando na linha entre a indústria e a subcultura, a música eletrônica na Grécia ocupa uma posição complicada, porém vigorosa. Sobre o contínuo sucesso do Cavo Paradiso, Lazarides mantém que o clube sempre vai sobreviver em sua grandiosidade experimental, apesar dos problemas econômicos. E as "memórias das pessoas que vieram e se apaixonaram na pista de dança?" ele pergunta. "Você não pode colocar uma quantia em dólares nisso. Nem tudo tem um preço."

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