Os impactos ambientais em Mariana são piores do que imaginámos

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Os impactos ambientais em Mariana são piores do que imaginámos

O Rio Doce foi invadido por lama e por metais pesados que devem alterar o meio ambiente de formas irrecuperáveis nas próximas décadas.

O mês de Novembro começou com uma das maiores tragédias ambientais alguma vez vividas no Brasil. No dia cinco, uma das barragens de mineração da Samarco na cidade de Mariana, em Minas Gerais, rebentou e gerou o caos na região de Bento Rodrigues. O Rio Doce foi invadido por lama e por metais pesados que devem alterar o meio ambiente de formas irrecuperáveis nas próximas décadas. Centenas de pessoas perderam tudo; pelo menos 11 morreram e 12 estão desaparecidas. Os danos no meio ambiente, dizem os estudiosos, é de dimensões incalculáveis.

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Bento Rodrigues. Crédito: Maurício Fidalgo

A lama que invadiu o Rio viajou até ao Litoral do Espírito Santo, destruiu tudo pelo caminho e desaguou nas águas do Atlântico, onde agora prejudica espécies oceânicas. Especialistas afirmam que nunca foi visto nada tão destruidor no ecossistema brasileiro.

De acordo com o professor Carlos Barreira Martinez, Engenheiro Ambiental e Coordenador do Centro de Pesquisa Hidráulicas e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as espécies mais afectadas no imediato são as de peixes da bacia do Rio Doce. "São quase 120 espécies catalogadas na região", afirma, destacando entre as principais, o Curimba e o Piau Branco.

Outro desdobramento da tragédia foi a descoberta de indivíduos, mortos e soterrados, de espécies desconhecidas até agora e que cumpriam um papel ecológico importante na cadeia da região. Segundo informações do jornal O Estado de S. Paulo, durante o resgate foi descoberta uma nova espécie rara do género Brycon, um peixe parecido com a piranha. Além de que mais peixes, crustáceos, moluscos e toda a fauna aquática devem sofrer consequências.

O solo também sofrerá graves consequências. "A fertilidade do solo, se voltar, poderá demorar séculos para se restabelecer", prevê o biólogo da Universidade Mackenzie, Julio Tonon. "O ambiente transformou-se permanentemente, e os danos serão, possivelmente, tão profundos que com o decorrer dos anos outro tipo de ecossistema pode vir a desenvolver-se, mas nunca mais será o mesmo".

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Paracatú de Baixo. Créditos: Maurício Fidalgo

A questão agora é como diminuir os danos. O geógrafo e professor Marcos Pedlowski, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), acredita que é importante monitorizar os impactos na região daqui para a frente, já que o acumular de sedimentos e metais pesados terá efeitos em toda a cadeia alimentar para além da geografia da bacia do Rio Doce.

"Não sabemos exactamente a mudança que isso vai operar no ecossistema do Rio Doce, mas uma coisa que sei, por experiência do passado no Vale do Paraíba do Sul, onde existiram derrames, é que há uma diminuição das populações mais comercializadas. Esses nunca se recuperaram, mesmo mais de sete anos depois", afirma. "O problema é que muita gente se concentra só nos parâmetros básicos da água, mas isso é o que se reorganiza mais rapidamente".

Fila na distribuição de agua em Governador Valadares. Créditos: Felipe Larozza/VICE

Especialistas acreditam que podem demorar décadas até alcançar uma recuperação parcial da região em termos físicos. Em termos históricos e sociais, ninguém se arrisca a prever. "Eu diria que é uma hecatombe ambiental", diz o professor Pedlowski.

O professor Martinez acredita que a recuperação será feita aos poucos: "Vai haver uma recolonização do Rio. A bacia vai ter que absorver esse impacto e daqui a pouco as pessoas vão esquecer, como se esqueceram das mortes no Rio de Janeiro em Petrópolis, Itaipava", diz. "Está tudo esquecido".

EM BUSCA DA SOLUÇÃO PERDIDA

Mas o que pode ser feito? "Essa é a pergunta de alguns milhões de dólares", responde Pedlowski. Para ele e outros especialistas um bom começo seria despoluir o Rio.

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"Deveria haver primeiro um plano de despoluição do Rio e, depois, deveríamos colectar e tratar todos os esgotos que são lançados", diz Martinez. "Também deveria haver uma orientação para que as margens sejam preservadas e para que a agricultura seja menos agressiva do ponto de vista da erosão. Um processo de reflorestamento de matas ciliares, por exemplo. Tudo o que não se faz", completa.

O professor Pedlowski afirma que a morte do Rio Doce não é de hoje. "Ninguém fala de como o Rio estava antes do incidente e ele já estava muito mal. Pegámos num paciente que já estava doente e isto fez com que ficasse ainda mais doente", diz. "Era um longo processo de decadência por causa da retirada de água, das formas de uso da terra, lançamento de contaminantes, material orgânico não tratado, isso tudo".

Rio Doce. Créditos: Felipe Larozza/VICE

A Vale, companhia responsável pela Samarco, já estava a negligenciar a região há anos e quase ninguém ligava. Agora, com as operações de salvamento da região, pode ser que haja alguma hipótese de controlar os danos. O pessimismo com a responsabilidade do Governo Federal e Estadual, porém, também são grandes.

Para Pedlowski, "o que nós precisamos é que o Governo e as empresas sejam responsabilizadas e invistam biliões de reais em operações". "A situação do passado não tem a ver com o que foi causado agora, mas é preciso haver uma solução de médio a longo prazo. Os governos não podem poupar-se ao papel de controlar a actividade de mineração, ao contrário do que acontece agora".