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A Res Publica em Destiny

Os magos dos códigos da Bungie conseguiram fazer, de maneira extremamente artificial, o que nenhuma sociedade na história do mundo conseguiu plenamente: juntar o esforço coletivo à satisfação individual.

Faz mais ou menos duas semanas que eu estou jogando o jogo mais queridinho pelo público e mais criticado pelos críticos; mais ou menos duas semanas, pois não sei precisar ao certo quanto tempo eu o tenho em mãos e relativamente quanto eu consegui jogar dele, já que faço parte da parcela dos jogadores de Destiny que sofrem com constantes problemas de conexão. Isso quando não tem um grupo de adolescentes medindo o tamanho do pau com os servers do game e fazendo o possível para não deixar os outros jogarem. Como já contei aqui, eu acabei de adquirir um PS4, sendo que meu último videogame foi o Playstation, o primeiro; justamente por isso, eu nunca joguei nenhuma das encarnações de Halo, o jogo que colocou a Bungie, empresa responsável por Destiny, no mapa. Eu também não aprendi direito a jogar games de tiro em primeira pessoa no controle, o que felizmente para mim não foi grande problema, pois peguei o jeito relativamente rápido.

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Este robozinho fica na torre varrendo o mesmo lugar cuidadosamente horas a fio. Gosto de pensar que ele é autista e fica revoltado quando tiram a vassoura dele. Tadinho, ele parece tão feliz varrendo o mesmo ponto incessantemente. 

Os maiores sites especializados em videogame parecem ter contratado um repórter e um estagiário extras só para cobrir esses primeiros meses de Destiny; grande parte deles reclama de algum ponto específico do jogo como se alguém tivesse dado um soco na cara de um filhotinho de gato. Isso, para mim, significa duas coisas: que existe algo estragando suas experiências com o game e que essas pessoas realmente se importam. Se elas não gostassem do maldito jogo, elas não gastariam tanto tempo enumerando o que há de errado ou reclamando como ele poderia ser melhor. É um jogo, galera, não é a volta de Jesus Cristo.

Se você lembra da repercussão dos japoneses na Copa das Copas limpando o estádio após a partida, ela seguia mais ou menos na linha de "O BRASIL PRECISA APRENDER A SER COMO ESSES ASIÁTICOS MARAVILHOSOS", o que não faz sentido absolutamente. Em Antropologia Cultural, existem algumas maneiras (talvez reducionistas demais) de definir distintas culturas de acordo com seus métodos de controle dos indivíduos; entre as mais reconhecidas, estão a sociedade da vergonha e a sociedade da culpa. Em uma sociedade da vergonha, como é identificada a japonesa, o mecanismo que assegura a obediência do indivíduo e alimenta a fibra que fortalece o tecido social é a ameaça constante de ostracismo, cujos valores mais elevados são a honra e o respeito à tradição com um tiquinho de culto aos ancestrais. Tipicamente em culturas judaico-cristãs, o sistema vigente é o da sociedade da culpa, em que, através da internalização do sentimento negativo que possui o indivíduo que cometeu o erro, se constitui um sistema moral no qual o sujeito evita fazer o errado. Posto isso, nada do que acabei de descrever funciona nos videogames, e o pessoal da Bungie sabe disso.

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A belíssima paisagem de um planeta marte pós-apocalíptico. 

Os magos dos códigos da Bungie conseguiram fazer, de maneira extremamente artificial, o que nenhuma sociedade na história do mundo conseguiu plenamente: juntar o esforço coletivo à satisfação individual. Quando se está fazendo uma missãozinha com estranhos, três coisas jogam a favor da cooperação deles: só aparecem os itens que caem dos inimigos para você, a maneira mais rápida e eficiente de reviver sua personagem é um companheiro te ressuscitar e o chat através do microfone só é possível com pessoas que são seus amigos na plataforma que você joga. Através da jogatina individual e egoísta, você ajuda o próximo, porque isso lhe traz benefício imediato e aumenta suas chances de sobrevivência. Você não precisa conversar com um adolescente de Connecticut para ele reviver sua personagem na hora de matar o chefão. É claro que, para isso tudo funcionar, você precisa de parceiros minimamente inteligentes, que entendam que se eles entrarem na sua frente quando você estiver atirando nos inimigos, gerando a famosa bolada nas costas, isso não ajuda em nada a vida de ninguém. Então me deixe reformular: se o seu companheiro for minimamente inteligente, o jogo meio que força vocês a cooperarem.

A minha cópia veio diretamente dos US of A, mas, como a minha conta PSN é brasileira, ele automaticamente vem todo em português para mim, o que, além de evitar que o meu fantasma seja dublado pelo ator mais famoso por O Agente da Estação, que também fez o anão de Game of Thrones, também gera algumas confusões quando estou jogando com amigos que, malandros que são, têm a PSN americana. Os inimigos que aparecem no começo em português, por exemplo, têm a infeliz alcunha de Decaídos, assim como alguns itens em portuga são engraçados, como o recurso Spinmetal chamado de Girometal.

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O nome girometal me lembra o clássico lança perfume chamado rodo metálico

A tradução que acho mais bizarra, no entanto, tem a ver com uma mecânica que depende muito da cooperação entre os outros cavalheiros e senhoritas do seu time; quando a coisa começa a ficar séria nas missões, você entra em uma área em que o respawn de sua personagem fica limitado a checkpoints. Se você morrer, vai ter que fazer uma parte da missão de novo, às vezes uma parte bem grande dela. Às vezes, é bem chato pra caralho mesmo. Se você estiver em um time e o seu companheiro o reviver, você volta à ação na hora; se todos morrerem, vocês precisam voltar para o checkpoint, ou seja, isso colabora ainda mais com a cooperação entre os  jogadores. Inclusive no modo heróico, que você libera depois do nível 20, a única forma de ressucitar é com um amigo; nos outros modos, se eles segurarem a onda durante meio minuto mais ou menos, você pode voltar sozinho. E qual o problema disso em português? Essa zona em que existem os checkpoints em português se chama "Reaparecimento Restrito", o que demorou algum tempo para eu entender o que significa; mas, se estivesse no original "Respawning Restricted", eu provavelmente teria sacado de primeira.

O que achei curioso é que quando eu jogo com um amigo meu, nós jogamos como dois vovozinhos de boina jogam damas na praça: devagar, com cuidado e progredindo aos poucos, o que contrasta sensivelmente com a grande maioria da galera desconhecida com quem joguei, que, como adolescentes porra louca, não tem a mínima noção da finitude da vida, se acha invencível e morre temerariamente uma vez atrás da outra. Mais de uma vez também, com esses supostos jovens, eles saíram correndo, pulando e indo pra frente apenas para se encontrar em um beco sem saída e ter de voltar para trás a fim de seguir pelo caminho certo - o que pode ser uma bela alegoria da ânsia de viver dos jovens.

De brinde na caixa do jogo, vem o quê? Isso mesmo: propaganda do game que você acabou de comprar. 

De qualquer forma, jogar Destiny tem sido um fiel companheiro dos meus começos de noite e, às vezes, madrugadas afora. O que eu não gostei muito dele? Eu não achei legal eu ter terminado as missões da história e NEM TER REPARADO QUE EU TINHA TERMINADO O JOGO - não sei se isso é um bom sinal. Outra coisa? Quando você abre a caixinha do seu mais novo joguinho, já aparece propaganda não de uma mas de duas expansões dele. Eu estive um bom tempo longe dos jogos mais recentes, mas quando foi que vocês deixaram isso acontecer? Agora, com licença, que vou jogar mais uma partidinha, pois ainda estou no nível 20.