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Os Ocupas que Declararam Independência do Reino Unido

Frestônia era o nome da comunidade formada por boêmios, artistas e viciados que declarou independência do estado britânico.

Em 1977, moradores de ocupações na Freston Road, Notting Hill, em Londres, declararam independência do estado britânico. Correndo o risco de serem despejados pelo Conselho da Grande Londres (GLC, em inglês), a comunidade pensou que a melhor maneira de evitar as restrições impostas a eles era simplesmente se libertar de todas as restrições de uma vez. Então, eles fizeram lobby na ONU e estabeleceram um micronação de 1,8 acre, "A República Livre e Independente da Frestônia", com selos, visto e passaportes próprios.

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Os mais ou menos 100 cidadãos da Frestônia variavam de atores, artistas e viciados até londrinos da classe trabalhadora e boêmios sortidos. O dramaturgo – e um dos primeiros grafiteiros de L​ondres – Heathcote Williams era embaixador na Grã-Bretanha. David Rappaport (que fez Randall, o rei dos anões, no filme Os Bandidos do Temp) era o ministro de Relações Exteriores. Um menino de dois anos chamado Francesco Bogina Bramley era o ministro da educação.

Se a mesma coisa acontecesse atualmente (o que seria quase impossível, porque ocupar prédios residenciais em Londres hoje pode te mandar direto para a cadeia), a polícia já ia chegar com os papéis de despejo e aríetes na mão. Mas, naquela época, viver em prédios abandonados aparentemente não era visto como a transgressão abominável que é hoje. Na verdade, mesmo o parlamentar Geoffrey Howe – o mais antigo ministro de gabinete de Margaret Thatcher – escreveu aos frestonianos expressando apoio: "Não posso deixar de me comover com suas aspirações".

O fotógrafo Tony Sleep, que documentou esse período na série de fotos Frestônia, foi um dos primeiros residentes da micronação.

"Eu estava trabalhando com uma agência de empregos alternativa chamada Gentle Ghost na época", ele me disse. "Notting Hill estava cheia de projetos nascentes de contracultura; por isso, me mudei pra lá. Eu tinha terminado com a minha namorada; então, me mudei para uma das ocupações na Freston Road assim que ela abriu."

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Antes de Notting Hill ser um sinônimo de gentrificação – e de a região virar uma mistura estranha de gestores de fundos, turistas italianos e designers de velas artesanais –, o ponto não era exatamente desejado. O lugar onde hoje alguém consegue lucrar com um spa holístico para pets costumava ser uma extensão fedida de prédios dilapidados e quintais estéreis, o lugar perfeito para o nascimento de uma cena cultural.

"Notting Hill era incrivelmente viva naqueles dias", frisou Tony. "Toda a área estava numa turbulência política de direitos de minorias, ódio racial, grupos de pressão… tudo. As pessoas queriam experimentar maneiras diferentes de viver. Era algo muito distante do lugar gentrificado que é hoje, cheio de banqueiros. Boa parte de Notting Hill era uma favela."

Na explosão de conjuntos habitacionais públicos altíssimos dos anos 60, ruas inteiras de habitações térreas condenadas ficaram vazias pelo resto da década e até o começo dos anos 70, uma situação que facilitou a ocupação em larga escala de imóveis na capital do país. No entanto, enquanto os problemas sociais dos novos, e já fracassados, conjuntos habitacionais tomavam a área, crescia a tensão entre os ocupas e os residentes recém-chegados dos conjuntos.

"Era difícil lidar com a comunidade local", lembra Tony. "Muitos deles não estavam nada felizes; o sonho não tinha se tornado realidade com esses conjuntos habitacionais dos anos 60, como todo mundo sabe. Sim, era legal escapar das habitações em péssimas condições que ocupávamos, mas acho que as pessoas foram levadas a nos ver como um "bando de parasitas" que chegaram para tomar suas antigas casas. Tínhamos jardins comunais. Estávamos no piso térreo. Eles estavam em prédios de 20 andares com elevadores quebrados, olhando para baixo para suas antigas casas."

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"Também havia uma coisa de classe", ele continua. "A área ao redor de Freston Road, na época, era pobre e de classe trabalhadora. Era uma área industrial cheia de desmanches de carros… bandidos. Era abandono e pobreza por toda parte. Havia uma grande diferença cultural entre nós e as pessoas que achavam que tínhamos vindo roubar as casas onde – de certa maneira – eles preferiam ter ficado."

As casas em Freston Road estavam ocupadas quatro anos antes do surgimento da ideia de declarar independência. Sugerida por Nick Albery (um agitador cultural e depois candidato do Partido Verde), a inspiração veio da comédia clássica de 1949 Um País de Anedota, no qual uma bomba da Segunda Guerra Mundial detona e expõe antigos documentos declarando Pimlico, um distrito de Londres, parte de Borgonha e seus residentes, cidadãos honorários – uma identidade que eles aceitam com gosto determinado e embriagado.

"O GLC decidiu que ia expulsar todos os ocupas, derrubar os prédios e deixar apenas um monte de entulho", disse Tony. "Não ficamos felizes com isso. Não havia nenhum plano, nenhum grande esquema para construir habitações alternativas. Eles só queriam limpar o lugar.

"Nick foi o pai da ideia, junto com David Rappaport e Heathcote Williams. Também havia um camarada chamado Mick Saunders, que escrevia o Alternative London, uma coletânea contracultural de tudo que estava acontecendo nos anos 70. Esses quatro cozinharam a ideia. Eles alugaram uma cópia antiga do Um País de Anedota, montaram uma exibição para todo mundo e disseram: 'Deveríamos fazer isso?'. E todo mundo disse: 'Bom, sim, acho que devíamos'. Foi uma resposta apropriada, saída da ameaça deles. Também foi um bom teatro e fantástico para as nossas Relações Públicas."

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No dia 31 de outubro de 1977, a independência foi declarada. Graças à atenção subsequente da mídia, o GLC achou mais difícil abordar o assunto da demolição em larga escala. O chefe do GLC, Sir Horace Cutler, escreveu uma carta aos residentes afirmando que, "se vocês não existissem, seria necessário alguém inventar". Nick Albery respondeu: "Se existimos, por que é necessário nos destruir?".

Todo Estado soberano precisa de certas coisas, e os frestonianos foram rápidos em se adequar aos padrões internacionais. Eles introduziram selos, por exemplo, e substituíram a rainha por "Gary, o gorila".

"Tínhamos um carimbo de visto, selos postais e uma pequena mesa na entrada da Frestônia que carimbava os passaportes", lembra Tony. "As pessoas conseguiram mandar cartas para o mundo todo usando os selos da Frestônia. Ninguém sabe como, mas eles funcionaram… eles eram realmente reconhecidos pelo correio."

A cena cultural da Frestônia era igualmente engenhosa. O "Teatro Nacional Frestoniano" (no Peoples Hall, Freston Road) realizou a estreia londrina da peça The Immoralist, de Heathcote Williams, enquanto o "Instituto Nacional de Cinema Frestoniano" realizava exibições regulares. Em 1982, enquanto a Frestônia comemorava seu quinto aniversário, o Clash gravou boa parte do Combat Rock no Peoples Hall.

Richard Adams, um morador da Frestônia, inventou um brasão de armas para a comunidade com o lema "Nos Sumos Una Familia" – ou "Somos uma família". Mas, como numa família estendida, uma certa tensão entre os residentes era inevitável.

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"Isso criou um tipo dinâmico de atrito", explica Tony. "Todo mundo tinha o mesmo direito de estar lá; então, todos tinham que se dar bem um com o outro de algum jeito. No geral, o que tínhamos em comum era que estávamos todos sob ameaça de sermos chutados e virarmos sem-teto – exatamente o mesmo tipo de psicologia que você tinha durante a Blitz. Você acaba com uma comunidade forjando a si mesma por causa de uma ameaça externa.

"Acontece que ocupações não têm exigências para a entrada. Não havia homogeneidade; era um espectro completo de pessoas. Acho que você podia dizer que havia um elemento hippie dominante, por causa do que essas ocupações eram na época, mas também havia pessoas que não tinham onde morar por todo tipo de razão. Havia muita gente com problemas com álcool e drogas, muita gente com histórico de doenças mentais e havia pessoas da classe trabalhadora que só precisavam de uma lugar para morar."

Os moradores eram sistematicamente incomodados pela polícia e por criminosos da área: a primeira esperando prender pessoas por porte de drogas e os últimos querendo roubar suprimentos. Na verdade, as invasões eram tão frequentes que Tony mantinha uma pilha de tijolos do lado de sua cama, no caso de precisar de algo para jogar em alguém no meio da noite.

Apesar das agressões, a comunidade seguiu adiante. Em 1982, a Frestônia abrangia 23 prédios e 97 moradores, e o GLC abandonou os planos de demolição apesar de ainda estar determinado a remodelar o local.

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Numa tentativa de manter suas casas, os residentes fundaram a Cooperativa de Moradia dos Bramley (todos os frestonianos adotaram o sobrenome Bramley; a ideia era que o GLC tivesse de retirar todos dali juntos, como uma família) e negociaram um acordo com o fundo de habitação de Notting Hill.

Esse passo para a legitimidade significou o fim de Frestônia com a chegada de novos residentes que não podiam manter os ideais da "nação" frestoniana. No entanto, como Nick Albery escreveu em 1983, isso ainda foi uma pequena vitória da comunidade, que tinha passado boa parte da década lutando contra o GLC e que agora tinha salvado "uma pequena parte de West London de um futuro sombrio".

Tony concorda: "O espírito da Frestônia ainda está lá de certa maneira, porque os Bramley continuam lá. E como formamos a cooperativa, pudemos ter alguma opinião no que seria construído. Então, uma parte da antiga Frestônia existe… culturalmente, as coisas são diferentes ali".

Siga o Harry Sword no Twitter e veja mais do trabalho de Tony Sleep no site del.

Tradução: Marina Schnoor