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Treta jovem num shopping em CWB: Vileiros, Modinhas e Chavosos

Um shopping negou o direito de ir e vir dos vileiros da capital paranaense com uma liminar na justiça. A molecada se declara inocente e conseguiu uma audiência pública.

Vileiros de Curitiba. Foto: Reprodução/Facebook.

Após o conflito entre grupos de jovens no Palladium Shopping Center em Curitiba no dia 10 de janeiro, os representantes do local conseguiram uma liminar na justiça para barrar a entrada de menores de 18 desacompanhados dos responsáveis. Injustiçados, o grupo Vileiros de Curitiba foi atrás da Prefeitura e conseguiu marcar uma audiência pública no dia 23 de março para discutir sobre a discriminação do grupo em locais públicos.

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A briga, segundo a imprensa local, foi motivada por causa de rixas entre três grupos de jovens: os Vileiros, os Modinhas e os Chavosos. O confronto acabou gerando tumulto, fazendo algumas lojas fecharem as portas e a necessitando da intervenção da Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana para conter a confusão.

Saul Dorval da Silva, presidente da ONG Instituto Brasil África, acompanhou as lideranças dos Vileiros de Curitiba numa reunião na Ouvidoria e espera que a liminar concedida ao shopping Palladium seja derrubada por pregar a discriminação de pessoas pela vestimenta, cor e classe social.

"A liminar que proíbe os jovens de entrar no shopping não atinge só os vileiros, modinhas e os chavosos. Ela afeta um direito fundamental, que é o direito da liberdade, o direito de ir e vir e o das livres manifestações, já que os vileiros não costumam entrar nos shoppings", contesta.

O grupo Vileiros de Curitiba vem de uma tradição desde o final dos anos 70, andando em conjunto com a crescente cultura do hip-hop. Segundo Sleck, representante oficial do grupo, eles eram chamados de "manos". "De 2000 para frente começamos a usar o nome 'vileiros'," conta.

Sleck diz que começou a se envolver com o grupo desde os oito anos de idade. Morador de Boqueirão, zona sul de Curitiba, ele relata que os encontros dos vileiros já chegaram a reunir mais de três mil pessoas, maiores do que torcidas organizadas. Com o passar do tempo, as reuniões foram escasseando, mas ele continou promovendo festas e churrascos para não deixar a tradição se perder. Agora, com 19 anos, já está 5 anos na liderança do grupo.

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A liderança dos Vileiros de Curitiba foram até a Ouvidoria de Curitiba junto com Saul Dorval da Silva para agitar a audiência pública. Foto: Reprodução/Facebook.

Segundo Sleck, a briga de domingo (que ocorreu por volta das 18 horas) não foi causada pelos Vileiros, principalmente porque eles não estavam no local no dia do fato. "A gente estava no Alto Boqueirão no dia, ficamos lá até às 19 horas e fomos para a Piraquara para uma festa de uma amiga. Voltamos só na segunda", esclarece. Além disso, o jovem diz que o grupo também não estava em outra confusão que aconteceu no Shopping Estação Plaza no último fim de semana.

O representante frisa que o grupo não frequenta os shoppings da cidade porque desde 2008 são barrados nas entradas. "É por causa de roupa. A gente chama atenção, eu sou escandaloso. Uso piercing na cara, argola de mulher na orelha, calça larga, camiseta até o joelho e boné de aba reta."

Saul e Sleck afirmam que a briga do dia 10 de janeiro foi motivada pelos Modinhas, grupo que é identificado pelas calças justas e coloridas -"estilo Restart," segundo Saul - contra os Chavosos, que é o pessoal que gosta de funk. "Ambos são de classe média", diz Saul. "Já os Vileiros de Curitiba são pessoas de vários bairros das periferias da cidade. A culpa acaba caindo neles porque eles são pobres."

Sleck adiciona: "A gente já foi ruim, muito tempo atrás, mas quando rolava briga não era no shopping que isso acontecia. Era na rua, para não machucar nenhum inocente. Hoje a gente só quer se encontrar, sem bagunçar nada". O representante conta que atualmente os encontros do grupo juntam de 30 a 50 pessoas, um número modesto perto do que era antigamente.

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Agora, na espera da audiência pública marcada para às 14:30 na Câmara Municipal de Curitiba, Saul espera que além dos executivos e representantes dos shoppings da cidade, da Polícia Militar e Civil, também compareça as lideranças dos modinhas e dos chavosos para a solução dos conflitos. "Estou procurando essas lideranças para convidá-los, mas eles são resistentes. Pertencem à classe média, não querem discutir. São filhos de pessoas bem colocadas na sociedade e preferem não comparecer."

Saul reafirma o perigo da liminar concedida ao Palladium. "Na prática ela não funciona porque aos domingos os jovens vão ao no shopping sem os pais, e eles são menores de idade. Quem entra é quem tem uma característica mais padronizada. Se o jovem tiver característica de grupo, eles são barrados. Isso é perigoso, isso afronta a nossa Constituição."

Já Sleck pretende apenas que a audiência pública seja uma oportunidade para a sociedade de Curitiba aceitar a existência do grupo. O preconceito, reclama ele, é constante quando eles vão sair pra curtir. "Essa semana a gente pegou um ônibus e todo mundo que estava no ônibus que viu a gente já foi pra frente na hora. Ninguém estava fazendo bagunça. Tem muito piá que deixou de ser vileiro porque estava cansado de sofrer preconceito. "

Quanto à briga entre grupos, Sleck faz questão de explicar que a treta é entre os modinhas e os chavosos. Ele chegou a conversar com a liderança dos chavosos, que não gostavam dos vileiros por causa "da fama ruim", e conseguiram entrar em um acordo. Já os modinhas não quiseram pacificação. "Os modinhas acham que são melhores do que a gente, saem quebrando tudo, fazem bagunça. E eles falam que estão se inspirando na gente", reclama.

Dorval defende o lado dos Vileiros e diz que a Polícia deve intervir quando há depredação (como aconteceu no Palladium), tráfico de drogas e "arruaça". Além disso, ele também aponta para a ausência do estado para os jovens de periferia em diversos setores fundamentais como na educação, trabalho e lazer. "Eu fui jovem da periferia, de vila, sei como é isso. Só que na minha época nós raramente íamos pro centro da cidade porque lá no bairro tinha tudo."

Saul conta que falta ideologia nos grupos de jovens. "Na minha época a ditadura era algo terrível, mas hoje a ditadura social também é tão ruim quanto. A ditadura do preconceito, econômica, racismo, é muito latente. Os vileiros de rua precisam mostrar pra sociedade que eles são de vila e não baderneiros."

Procurada pela VICE, a assessoria do Shopping Palladium não se pronunciou até o fechamento da reportagem.

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