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cenas

Fui a um funeral canino

E fui surpreendido.

Thor, descansa em paz. Na semana passada estava de férias, por isso decidi ir visitar os meus pais e passar uma semana em New Hampshire. O meu pai faz parte de um grupo online em que, uma vez por mês, todos os membros acordam a uma hora obscena para comer donuts. Um dos seus colegas de chat é dono de uma agência funerária que, recentemente, começou a oferecer serviços de cremações e de velórios a… animais. Através desta ligação, fui convidada pela Pet Passages (a empresa de funerais para animais cuja página principal do site contém um grande e brilhante pássaro azul, um gato amoroso e um cão feliz) para cobrir o funeral do Thor, um pastor alemão de nove anos. Demorei cerca de uma hora a escolher o que iria vestir. Já tinha ido a vários funerais humanos, mas nunca ao de um animal. De facto, quando o meu cão Otis morreu, os meus pais nem sequer me contaram. Só descobri dois meses depois (andava na faculdade, nessa altura), porque liguei à minha mãe a perguntar como é que o meu adorado Bichon Frisé estava. Spoiler: ele estava morto. Bem, para este funeral, decidi que vestir-me de preto era desnecessário, então optei por usar uma camisola cinzenta. Achei que uma escolha neutra transmitiria a mensagem de “lamento imenso a vossa perda, mas não estou perturbada emocional e pessoalmente pela morte do vosso cão”. Durante a viagem até lá, obriguei-me a ouvir música ambiente, mas acabei por divertir-me com um disco da Gwen Stefani que encontrei no banco de trás do carro. A “Hollaback Girl” ecoava nas colunas como se estivesse, novamente, em 2004. Fiquei surpresa ao perceber que a Pet Passages tinha um edifício próprio. A sede situava-se por trás da capela, dentro do cemitério. Confesso que esperava que uma cabeça de cão, acabada de vir do taxidermista, fizesse parte da decoração do hall de entrada. Mas, aparentemente, este negócio é muito requintado. Aliás, fiz uma pesquisa e descobri que a indústria dos funerais de animais está em crescimento. Acho que há mais pessoas que preferem os seus animais do que outros seres humanos. A imponente entrada. Dado que fui a primeira a chegar, passei uns bons dez minutos a fingir-me muito entusiasmada com a cena, enquanto examinava, atentamente, a montra de merchandise. Fiquei intrigada com os colares em forma de urna, que tinham desenhos de pequenas patas. Perdi algum tempo a reflectir se a ideia era fofa ou, simplesmente, assustadora. Optei pela segunda. Pouco depois, uma jornalista da televisão local apareceu com o cameraman. Na adolescência, costumava gozar com o Channel 9: imitava as vozes, o pessoal em choque, criava novas histórias a partir de acontecimentos mundanos. Sem surpresas, eu e a jornalista acabámos por discutir o nevão que se aproximava, enquanto o funeral não começava. A organização fez-me uma pequena tour pelas instalações: andei pela recepção, pelo crematório e pela sala privada “Rainbow Bridge Room” (onde as pessoas se despedem dos seus queridos animais). Acho que essa sala herdou o nome de um poema, o que é confuso, uma vez que os cães e os gatos não distinguem cores. Junto da fogueira, tinha sido criado um santuário para o Thor, que incluía uma foto, a sua trela e uma coroa de flores em forma de osso. A coroa de flores em forma de osso, obviamente. Às cinco, o Orman e a Janice Melanson, o casal de velhotes mais adorável do mundo, chegou. Levavam as cinzas do Thor numa pequena caixa de madeira. A Janice era conversadora, simpática e sorria bastante, apesar do ambiente sombrio. O Orman era amável mas calado, e andava com uma bengala. A Janice afirmou que não sabia que a jornalista da TV iria lá estar, mas brilhou no ecrã como se tivesse esperado toda a vida para ser entrevistada. Antes do funeral começar, ambos responderam às questões dos jornalistas sobre o seu pastor alemão. Sou uma apaixonada por animais, mas nunca fui grande fã de pastores alemães, porque me lembram Nazis. Só que quando o Orman descreveu o seu companheiro Thor como “adorável e inteligente”, é que reconsiderei. “Precisávamos do Thor e o Thor precisava de nós”, disse a Janice, enquanto ela e o marido tomavam os seus lugares para assistirem ao vídeo de homenagem ao Thor. O casal de luto. O casal partilhou histórias sobre o Thor e limpavam as lágrimas ocasionais quando as imagens do seu ido cão apareciam no ecrã. O vídeo arrancou com variados símbolos inócuos da morte, tipo uma folha a cair lentamente e a melodia lenta de um piano. Claramente, a funerária conhecia o significado de música ambiente. Uma profissional das eulógias fez um pequeno discurso e leu um poema. Desliguei durante o discurso, mas conversei mais tarde com a Jo sobre o seu trabalho. Ela assegurou-me que não é sempre melancólico (a Jo também trabalha em casamentos e em baptizados). A "eulogista" profissional. Quando decidi ir fazer esta reportagem, pensava que as pessoas que gastam milhares de dólares num funeral animal estariam fora da realidade. Ou que estariam melhor num lar, ou num manicómio. Mas os Melansons são pessoas com compaixão, que apenas queriam tratar o seu cão como ele os tratou. Uma vez, quando o Orman escorregou no gelo, o Thor esteve ao seu lado, até aparecer alguém para o levantar. Será que um gato teria feito o mesmo? Nunca. Até porque eles estão sempre a magicar maneiras de lixar os seus captores. Os cães merecem estes bonitos funerais, porque quando chegas do trabalho, eles só querem lamber-te a cara e amar-te incondicionalmente.