Esta atriz pornô trans considera seu trabalho sagrado
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Esta atriz pornô trans considera seu trabalho sagrado

“Acredito honestamente que essas coisas – toque humano e intimidade – podem contribuir para salvar o mundo.”

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Quando Jelena Vermilion começou no pornô em 2014, ela foi escalada enquanto trabalhava como acompanhante independente em Kitchener, Ontário. Hoje ela é uma atriz de fama internacional que já trabalhou com grandes empresas da indústria como Grooby Productions, Evil Angel e Two Tgirls.

"Acredito que o trabalho que faço é sagrado", disse Vermilion, que tem 23 anos e também trabalha como acompanhante. "Estou me conectando com as pessoas. Estou facilitando um espaço para as pessoas se explorarem de maneira segura e sem julgamentos."

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Entrevistamos Vermilion sobre como é ser uma mulher trans fazendo trabalho sexual, sobre gírias transfóbicas no marketing do pornô, e por que é importante dar dinheiro para trabalhadores sexuais que se identificam com outros grupos marginalizados da sociedade, como deficientes, pessoas não brancas e/ou LGBTQ.

VICE: Como você foi escalada para seu primeiro filme pornô?
Jelena Vermilion: Eles [Grooby Producition] me acharam num anúncio, o que faz sentido. Para uma produtora de pornô transgênero, é difícil encontrar talentos, pessoas dispostas a fazer pornô, então procurar trabalhadores sexuais que se anunciam como trans parece um bom lugar para começar. Sempre fui independente. Comecei a fazer trabalho sexual quando era sem-teto, em 2013. Ouvimos muitas histórias; é um tropo, um clichê, ouvir sobre trabalho sexual de sobrevivência. Agora essa é minha ocupação. Se eu não tivesse uma ocupação, sim, eu seria destituída. Mas não faço trabalho sexual para sobreviver neste momento: sinto que isso é uma escolha libertadora e empoderadora. Mesmo na época em que escolhi fazer isso pela primeira vez, foi empoderador.

Como você mencionou, trabalho sexual como sobrevivência é um tropo muito comum. Como você se sente sobre os outros estereótipos que existem na sociedade sobre mulheres trans que fazem trabalho sexual?
Há alguns pontos aqui: a pobreza baseada na falta de oportunidade que as mulheres trans, pessoas trans enfrentam, acabam nos colocando em ocupações mais clandestinas e baseadas em dinheiro. Também é importante dizer que a sociedade demoniza e deslegitima as sexualidades das mulheres trans, criando esse mercado semi-industrial no qual a sexualidade trans é muito valiosa, mesmo que secretamente porque as pessoas não admitem sua atração por nós, enquanto simultaneamente se excitam com a gente.

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As mulheres trans que podem conceituar isso capitalizam sobre isso – o fato de que há muitos homens heterossexuais interessados em mulheres trans, que querem sua companhia e experimentar com seus corpos e seu tempo… Algumas pessoas se sentem empoderadas por isso, outras se sentem presas nessa situação. E eu diria que me encaixo no primeiro grupo.

Pessoalmente, não acredito que há nada de errado com trabalho sexual. A palavra "puta", que uso para me descrever – eu nunca usaria para descrever outra pessoa, porque essa é uma gíria que precisa ser reclamada individualmente. As pessoas precisam olhar além da superfície: muitas trabalhadoras sexuais trans acabam nessa posição não porque tiveram uma vida ruim, ou porque sofreram abuso. A sociedade as nega oportunidades que as pessoas cis têm sem precisar lutar, especialmente quando a pessoa é visivelmente trans.

Você disse que as pessoas deveriam "começar uma revolução" dando dinheiro para trabalhadores sexuais que se identificam como não brancos, LGBTQ, deficientes, etc. Por que isso é importante?
É importante escolher dar seu dinheiro para essas demografias tanto dentro quanto fora do trabalho sexual, porque são grupos constantemente desmoralizados na sociedade… Há um racismo incrível permeando nossa sociedade, nossa mídia e nossa cultura. O trabalho sexual como profissão é muito incompreendido e vilificado, mas trabalhadores sexuais são literalmente anjos. Eles fornecem amor, cuidado e conexão humana quando alguém pede. Acredito honestamente que essas coisas – toque humano e intimidade – podem contribuir para salvar o mundo.

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É importante dar algo de volta para essas demografias específicas, porque essas pessoas enfrentam muitos obstáculos e tiveram oportunidades bloqueadas. Elas precisam de reparação e retribuição, porque é justo… Na sociedade capitalista em que vivemos, precisamos usar esse sistema para trazer pessoas para um nível igualitário.

Qual o momento mais memorável que você teve num set de pornô?
Eu estava em Oakland, Califórnia, filmando para o Real Fucking Girls 2… No set, uma coisa que me marcou foi que havia conversas perfeitamente claras e formais sobre consentimento – não apenas entre colegas de cena, mas entre os artistas e os produtores. Foi muito lindo ver isso acontecer, os produtores podiam garantir os níveis de segurança de seus atores antes mesmo de começar a filmar.

Teve um momento em que uma atriz disse "Não posso fazer anal hoje. Esse é meu limite hoje". E eu estava na sala e perguntei "Por que não?". Eu só estava curiosa… Mas o produtor disse "Ah não, não se preocupe. Você não precisa dar uma razão para não querer fazer anal hoje". Eles aceitarem isso [o limite] era muito importante.

Como você se sente sobre as gírias usadas para vender o pornô que você faz?
Essas palavras são como uma faca de dois gumes. Se estou falando sobre mim individualmente, não gosto das palavras "traveco" ou "travesti", ou outras palavras que são usadas contra colegas trans… Quanto à como elas são usadas na indústria, é meio que um mal necessário. Essa foi a infraestrutura montada com o tempo pelas pessoas no poder: homens brancos cis que começaram a indústria pornô, as pessoas que atualmente comandam a indústria (ainda principalmente héteros com grande capital). O ideal seria que esses termos não fossem usados. Eu gostaria de viver numa cultura onde pudéssemos procurar no Google "mulher trans", "garota trans" ou outros termos mais corretos em vez de gírias fetichizadas. Quanto a como chegar a esse ponto, realmente não tenho ideia.

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Foto cortesia de Jelena Vermilion.

Foto cortesia de Jelena Vermilion.

Como foi crescer no sul de Ontário, Canadá, como uma garota trans?
Foi muito difícil… Depois que me formei no primeiro grau em Cambridge, comecei a morar com a minha mãe e fui para uma escola em Hanover. Provavelmente foram os anos mais difíceis da minha vida. Era um lugar muito rural e religioso. Mesmo em cidades maiores como Kitchener-Waterloo, havia desafios, muito bullying. Eu explorava meu próprio gênero no colégio… Quando era adolescente, eu era um alvo o tempo todo, independente da escola que frequentasse. Seja porque era vista como muito feminina ou por outro motivo, eu era um alvo constante.

Sendo tão conhecida publicamente – eu era uma daquelas crianças que todo mundo conhece na escola, não gosta e decide implicar… Ter toda aquela notoriedade naquela época, enquanto tinha que lidar com minha própria identidade e abuso em casa, foi difícil. Mas estou viva, tenho 23 anos, estou sobrevivendo, e estou indo muito bem. Estou muito feliz comparando com a minha adolescência. Tive desafios, mas os superei.

Você fez terapia hormonal ou alguma cirurgia de afirmação de gênero até agora?
Comecei a terapia de reposição hormonal aos 17 anos … Estando do outro lado do túnel agora, essa provavelmente foi a decisão mais saudável que já tomei. Removi cirurgicamente meu pomo-de-adão, mas isso não afeta sua voz e é apena estético. Ainda não fiz nenhuma outra cirurgia… Nada disso é uma preocupação para mim com a minha dismorfia de gênero. Já mudei meu passaporte, meu plano de saúde e todos os meus documentos para o feminino e no meu nome atual, o que me deixou muito feliz. Quanto à cirurgia facial, eu consideraria fazer porque tenho algumas questões com certas massas ósseas. Mas todo mundo tem questões de autoestima, então partes de mim não querem a cirurgia… Estou pensando sobre isso, mas no geral, estou feliz.

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Por que visibilidade na mídia é importante para você?
Sinto que preciso ser bem nerd agora e usar uma citação para ilustrar meu ponto. Sou muito fã de Twin Peaks, e uma das minhas citações favoritas da série é: "As corujas podem não ser o que parecem, mas ainda servem para uma função imperativa: Elas nos lembram de olhar para a escuridão".

O ponto que quero ilustrar com isso é que acho que quando você cria uma cultura nas sombras, ela continua nas sombras; ela continuará desconhecida até ser trazida para a luz. Me expor, expor meu ponto de vista, meus pensamentos, para a visão do público é muito importante para mim. Acho que é necessário normalizar essa cultura.

A entrevista foi editada para melhor entendimento.

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Tradução: Marina Schnoor