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2013

Marselha: Fui pela cultura, fiquei pela comida

Na CEC 2013, come-se mesmo bem.

Peguei num globo e girei-o. Onde o meu dedo calhasse, para parar o seu movimento rotativo, seria o meu destino durante uns dias. Nos segundos em que a esfera azul rodava, comecei a sentir o cheiro do caril de uma recôndita aldeia da Índia nas narinas, senti a humidade da Amazónia na pele, e ainda deu tempo para ser perseguida por um jaguar selvagem, em África, e comer um hambúrguer suculento no Texas. O tempo passa rápido quando nos estamos a divertir e o meu dedo acabou por aterrar em Marselha, na França. Durante breves segundos fui perseguida por um sabão Clarins de boina e t-shirt às riscas, que tentava atacar-me com um crepe de

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. As viagens low-cost para lá não tem nada a ver com esta coincidência. A primeira impressão que tive da cidade, ainda em perspectiva de plano geral, foi que parecia uma polaroid desbotada. Parecia uma fotografia que tinha ficado demasiado tempo ao sol. Mas, à medida que o zoom dos meus olhos se metia mais na urbe, as tonalidades foram contrastando e fiquei agradavelmente surpreendida. É uma cidade multicultural onde, me parece, coabitam tranquilamente várias raças. São tão simpáticos estes franceses multirraciais, que apetece pegar neles, trazê-los para casa e colocá-los em fila por cima da cama, cobertos com uma colcha sintética acetinada cor-de-rosa; só para poder olhar para eles a sorrir enquanto ouvimos dizer “simpaticarias” sorridentes, com a boca em biquinho. Vai ser mesmo, não vos estou a mentir. Para quem não sabe, esta será uma das Capitais da Cultura em 2013 e por isso, não tarda nada, estará Guimarães a passar-lhe a tocha olímpica da cultura. Por essas datas, por cá, já vamos andar com o desporto às voltas. E é verdade que fui lá com a desculpa de mudar de ares, para ver alguma cultura e tal (como se não tivesse dez eventos por dia à disposição em Guimarães), mas pela boca morre o peixe e descobri que se come tão bem, que trouxe comigo de souvenir três quilos de Marselha: um e meio em cada nádega. Alguns gramas vieram de um pequeno restaurante, situado numa das ruas principais da cidade, chamado La Boïte à Sardine, um espacinho decorado com centenas de latas de sardinha, onde apenas se come peixe e marisco. Mal chegámos, a pessoa que nos atendeu, um francês jeitoso chamado Fabien, mostrou-me o peixe que havia — colocado à vista, como numa peixaria, numa cama de gelo — e disse: “Isto é o que temos." Escolhi um pelo tamanho, que veio acompanhado por umas batatas que pareciam panadas e uma amálgama de (deliciosos) legumes bem cozinhados. De entrada, estreei-me nos ouriços e nas afrodisíacas ostras do Mediterrâneo. Sem me esticar muito, paguei cerca de 25 euros pela refeição e considerei este o luxo gastronómico como uma excursão. Este gajo deu-me ostras para comer. Durante os restantes quatro dias, alimentei-me de refeições prêt-à-porter locais. E destaco três momentos que, muitas vezes desde que regressei, me têm provocado nostalgia nas minhas papilas gustativas. Na zona de Noailles, pelo centro, existe diariamente uma pequena feira de fruta e, não fosse pela arquitectura e afins, o bairro transforma-se num mercado árabe onde é possível comprar um sem fim de mercadorias. Dos chás, à henna, do cuscuz, aos chinelos de couro, passando por doces e salgados, cujo aspecto torna impossível a tarefa de não marcar uma refeição naquele local. Ou duas ou três. O sabor não fica nada a dever ao aspecto. Há umas panquecas recheadas com carne ou vegetais. Há kebabs deliciosos. Há batatas recheadas. Há doçaria incrível. É difícil de escolher. Foto turistica de Noailles. E depois há a pâtisserie francesa. Nunca percebi o seu encanto: bolinhos bonitos, com ar artificial, que me dá a sensação de que saberão a corantes e conservantes. Nada a ver com as nossas rústicas tortas de Guimarães. Ou, com os humildes (de aspecto) bolos que estão nas montras da Clarinha, os quais sabemos,à primeira trinca, que nos entupirão as veias de colesterol, tamanha é a quantidade de ovos (o que é uma coisa boa). “Em França, sê francês”, por isso, no primeiro dia que lá cheguei, provei uma dessas coisas, a medo, numa daquelas pastelarias giras e muito francesas do centro de Marselha. Foi um grande erro, confesso, porque, depois desse momento, nunca mais consegui parar de entrar de pastelaria, em pastelaria, para meter o dente naqueles bolos engalanados. É verdade que os olhos também comem, mas neste caso, o dente acompanhou. Quase no fim da viagem achei que era hora de comer um hambúrguer. Tive um pressentiento de que o McDonald’s por aquelas bandas não é tão popular, como em outras cidades por onde tenho passado. Acabei numa hamburgaria local, numa das praças centrais, onde começa a Boulevard Castellana, e comi, creio não estar em erro, o melhor hambúrguer da minha vida. Grande e com pão caseiro. O sítio chamava-se L’Authentique. Ulálá! É verdade que fui a Marselha com a desculpa da cultura. Mas, também não deixa de ser verdade que tudo depende da forma como se olha para as coisas e a cultura gastronómica também é cultura. Como dizia o meu avô: “A arte não enche a barriga a ninguém”, a não ser que se vá às inaugurações, bien sûr.