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O Visionário Diretor Alex Cox Fala Sobre Joe Strummer, o Punk e como É Entrar na “Lista Negra” de Hollywood

Conversamos com o diretor dos filmes 'Repo Man' e 'Sid & Nancy' sobre sua carreira e o novo filme que ele está fazendo financiamento coletivo.

Alex Cox (centro) interpretando um barão da droga no filme de 2005 Rosario Tijeras (foto via).

Ácidos, apocalípticos e geralmente bizarros, os filmes de Alex Cox são idiossincráticos ao extremo. Ele influenciou gente como Quentin Tarantino e Robert Rodriguez com sua tomada desconstrucionista dos tropos grisalhos dos gêneros e do caos em celuloide, permanecendo ainda hoje um visionário torto – ainda disposto a compartilhar sua visão atordoante da vida, da arte, do sexo e da morte.

Talvez mais conhecido pelo clássico cult Repo Man (1984) – um conto de autodestruição e fúria contra o establishment passado entre os escombros da cena punk do começo dos anos 80 em LA –, esse impulso punk tem sido uma inspiração frequente em sua obra. Sid & Nancy (1986) conta a história do romance químico condenado de Sid Vicius e Nancy Spungen, evocando os arredores esquálidos de Lower East Side e o desespero dos últimos dias do casal. A Caminho do Inferno (1987) colocava Joe Strummer, Courtney Love e The Pongues numa cidade de fronteira no deserto, onde os moradores adoram cafeína e armas.

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Suas obras sempre estiveram destinadas a atrair a ira da máquina de Hollywood, considerando suas tendências abertamente anti-establishment. Isso o fez entrar na "lista negra" dos maiores estúdios. Walker (1987) – no qual ele segue a jornada de William Walker em sua tentativa frustrada de encenar um golpe militar na Nicarágua do século 19 – foi o filme que provocou isso, uma crítica pouco velada à política intervencionista americana dos anos 80, na época do caso Oliver North/Contra. Cox tem trabalhado sem a interferência de grandes estúdios desde então.

Atualmente, o diretor está fazendo o financiamento coletivo do faroeste Tombstone Rashomone e dando aulas de cinema na Universidade do Colorado. Falei recentemente com ele sobre seus trinta anos de agitação underground.

VICE: Oi, Alex. Fale um pouco sobre Tombstone Rashomon.
Alex Cox: A ideia de Rashomon é uma sequência de eventos descritos por quatro pessoas diferentes. Esse é o conceito. É essencialmente uma versão de Sem Lei e Sem Alma, mas à maneira de Rashomon, de Akira Kurosawa, que conta uma história de perspectivas diferentes.

E você está fazendo o financiamento coletivo do filme?
É um jeito muito bom de levantar dinheiro. Outro projeto que fiz recentemente era uma ficção científica em que trabalhei com meus alunos da Universidade do Colorado. Conseguimos levantar US$ 114 mil assim, o que provavelmente fez desse um dos filmes universitários de maior orçamento já feitos.

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Talvez tenha sido contraproducente colocar "Rashomon" no título do filme, né? Quanta gente realmente conhece o filme original? Sabe, eles dizem que você nunca deve colocar a palavra "morte" no título, pois isso vai "matar" o filme nas bilheterias – o que obviamente é bobagem, porque você tem filmes como Desejo de Matar e Duro de Matar, ou qualquer coisa assim.

Joe Strummer em A Caminho do Inferno.

Você já explorou o gênero western antes. A Caminho do Inferno foi um grande filme original, uma abordagem pós-moderna do faroeste. A filmagem foi anárquica?
Foi uma filmagem anárquica até certo ponto – o roteiro mudou um bom tanto. Não estávamos prestando muita atenção. Muita coisa mudou. Novas cenas foram acrescentadas aleatoriamente, como a música "Danny Boy"; então, foi anárquico nesse aspecto. Agora, eu provavelmente faria isso até mais rápido [risos]. Mas filmamos como um filme normal: você só termina uma coisa dessas se tiver disciplina e um cronograma para ter certeza de que filmou tudo o que precisava no final do dia. Entretanto, acho que anarquia pode ser disciplinada à sua própria maneira.

Fale sobre como foi trabalhar com Joe Strummer. Ele parece um ator clássico dos anos 50 nesse filme.
Sim! Ele parece um jovem Michael Caine, ou algo assim.

Como era sua relação com Joe?
Ele tinha feito a trilha sonora de Sid & Nancy – foi assim que nos conhecemos. Ele era maravilhoso. Muito talentoso, muito generoso. Ele está nos créditos de duas músicas, porém contribuiu com cinco canções de Sid & Nancy, o que aparece em pseudônimos. Ele tinha uma energia tremenda. Ele sempre queria saber o que faríamos em seguida, [queria saber] tudo o que estava acontecendo.

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Depois de Sid & Nancy, planejamos fazer uma grande turnê de rock pela Nicarágua com The Pongues, ele e Elvis Costello. Só que não conseguimos levantar dinheiro suficiente. Tínhamos de levar muita gente: o The Pongues levava sempre um grande número de pessoas…

O trailer de Sid & Nancy.

Posso imaginar que o contrato de seguro de algo assim era bem interessante.
Era um contrato de seguro padrão de filmes, se me lembro bem [risos]. O perigo era enorme. No entanto, quando a turnê não aconteceu, dissemos "Vamos tentar fazer um filme". Foi Strummer quem sugeriu filmar na Espanha. Ele estava indo a Almeria nas férias e falou: "Por que não vamos para lá fazer um filme? Vamos fazer um faroeste espaguete". Portanto, essa era a missão quando Dick [Rude] e eu escrevemos o roteiro. A Caminho do Inferno foi ideia de Joe.

Em que ponto você percebeu que ele conseguia atuar?
O papel de Simms foi escrito para o Joe. Dick tinha escrito o papel de Willie para ele mesmo, aí tínhamos Sy Richardson como Norwood e Courtney Love como, hum, Coutney Love [risos]. Tínhamos essas pessoas em mente enquanto escrevemos o filme, sabe?

É legal quando você pode escalar o elenco antes: isso poupa tempo, você pode visualizar tudo melhor, criar um personagem em torno deles. Joe sempre quis ser um tipo de herói amoral dos anos 60. E ele conseguiu, não? Ele fez o papel muito bem. Ele foi ótimo. Ele era uma força da natureza naquele terno preto com seu coldre de ombro. Ele até cochilava usando aquilo quando precisava.

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Você pode falar sobre o relançamento de A Caminho do Inferno alguns anos atrás? Você acrescentou cenas novas, certo?
Bom, eles colocaram as cenas de volta – cenas cortadas. Sempre me arrependi de ter tirado essas cenas, porque eu queria tudo que gravamos no filme, e eu gostava do novo esquema de cores, que dava uma cor de abóbora para as cenas. Havia mais sangue, mais tiros, mais coisas de menino como essas.

Você acha que A Caminho do Inferno recebeu a atenção que merecia? É um filme único: algo como A Balada do Pistoleiro seria impensável sem seu filme, reconheço, mas o título continua relativamente obscuro.
Bom, se isso fosse tão obscuro assim, você e eu não estaríamos falando sobre isso depois de todos esses anos [risos]. No entanto, eu também peguei muitas coisas emprestadas de outros cineastas. Pego emprestado de outros diretores, outros atores – acho que essa é a natureza do meio. Isso flui com o tempo.

Punk é um tema recorrente no seu trabalho como diretor: estou pensando particularmente em Repo Man e Sid & Nancy. Você pode falar um pouco sobre essas influências?
Eu estava na cena: eu gostava da música, lá nos anos 70 e 80. Eu achava que o punk era muito como o movimento surrealista, os dadaístas. Não era só um estilo de pintura ou um estilo de música. Era uma atitude: era uma coisa rebelde que dava qualidade ao movimento.

O trailer de Repo Man.

Você realmente entrou na "lista negra" de Hollywood?
Sim. Aconteceu depois de Walker. Essas coisas geralmente são feitas por procuração: o vilão de verdade em Walker era a empresa de crédito que ficou nos incomodando durante as filmagens. Ainda não sei de que crime eles me acusaram. Estávamos filmando cenas de batalha e partes dramáticas de vários ângulos; além disso, se tínhamos uma segunda câmera no caminhão, a usávamos para filmar os cavalos galopando como você faria em qualquer filme. Só que a empresa de crédito tomou isso como uma indicação da minha incompetência como diretor: eles tentaram parar o filme, mas não conseguiram no final das contas.

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Eles apreenderam muito equipamento. A equipe foi mantida sem trabalhar por uma semana, e, nesse tempo, o elenco ficou esperando. Não sabíamos o que fazer – ficamos pensando "Devemos fazer outro filme nesse tempo? Podemos fazer um filme sobre o equipamento perdido, um filme sobre esperar o equipamento aparecer".

Mas a ideia era muito cansativa, e estávamos lutando para não deixar o barco afundar. Ainda assim, eles perderam. Alguém finalmente mostrou para eles que não havia nada de errado, que tudo estava bem e que, se eles continuassem o que estavam fazendo, a coisa ia acabar em litígio – eles iam perder, e isso ia custar muito dinheiro.

Logo, conseguimos terminar o filme. Mas esse foi o último filme que fiz assim; depois, percebi que isso era como uma máfia, sabe? Essas companhias financeiras iam se meter na história e tentar dizer que o produtor ou o diretor "não podia terminar o filme". Mas pelo amor de deus! Quantas vezes isso aconteceu? Que diretor ou produtor não conseguiu terminar o filme? É uma operação mafiosa criada para abusar dos cineastas.

E isso foi um sinal para deixar de trabalhar sob esse sistema?
Ah, eu não pude mais trabalhar em Hollywood depois disso. Basicamente, entrei para a lista negra. Depois de Walker, nunca mais conseguir emplacar um só filme num estúdio grande de novo; por isso, os filmes que fiz depois são todos independentes. Só que essa é a parte mais incrível dos filmes de financiamento coletivo: não há coisas periféricas. Não há gente guardando os portões, chefes de estúdio, nem nada assim: as pessoas se envolvem porque querem realmente ver um grande filme ser feito.

Obrigado, Alex.

@HarrySword

Tradução: Marina Schnoor.

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