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Conhecendo o Caso dos Blogueiros de Sexo Renegados da Malásia

Em 2013, Alvin Tan e Vivian Lee foram presos pelo governo da Malásia após espalharem mensagens antiautoritárias e pornô amador. Dois anos depois, o ex-casal ainda faz barulho nas redes sociais.

Alvivi, aka Vivian Lee e Alvin Tan. Todas as fotos cortesia de Vivian Lee.

Eles podem não ser o Kimye ou o Brangelina ainda, mas o casal de blogueiros da Malásia conhecido como Alvivi (Alvin Tan and Vivian Lee) certamente causou um escândalo e tanto na sua quente e suada terra natal, tanto que Tan achou melhor fugir sob fiança e deixar o país. Na ausência de seu antigo amante, Lee aguarda julgamento sob a notória Lei de Sedição da Malásia, um dispositivo geral para induzir autocensura e conformidade.

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Seria tedioso contar aqui todas as idas e vindas de Alvivi, mas a questão é muito indicativa do desconforto malaio em torno da liberdade de expressão (sexual ou de outra forma), já que se trata de um casal exibicionista que optou por fazer sexo numa caixa de vidro muito metafórica para poder estimular o debate entre as pessoas – além de também estimular um ao outro. De qualquer maneira, essa é uma história da era das redes sociais (o casal se conheceu no Facebook), uma abordagem ascendente para a fama.

Alvivi começou em 2012 como um Tumblr chamado Sumptuous Erotica, em que eles postavam seu pornô caseiro para um punhado de amigos e alguns seguidores internacionais. Lee disse que só queria um canal para ser quem ela realmente era, mas sua quase anonimidade desapareceu quando Tan – tanto para se conectar a outras pessoas como eles como simplesmente para promover a "marca" – começou a postar links em fóruns de tecnologia de Singapura, o que, em seguida, fez um jornal local, The Star, divulgar a história em outubro do ano passado. Enquanto o Tumblr era tirado do ar, a família de Lee a rejeitou e Tan (que também perdeu contato com sua família) perdeu sua bolsa de estudos ASEAN para o curso de Direito da prestigiosa Universidade Nacional de Singapura.

Sem se deixarem abater, os marginalizados lançaram um canal no YouTube e uma página no Facebook nos quais seus devotos poderiam se manter a par da novela toda. Os vídeos granulados de webcam foram abandonados por " um caminho mais conservador ": descrições de festas de swing ; postagens engraçadinhas sobre se quebrar o recorde mundial de gangbang de Annabel Chong; chamadas de casting ; uma teoria de como reduzir o estupro ; competições em que o melhor complemento para a frase "Eu amo sexo, porque…" levava um par de calcinhas da Vivian; ofertas de produtos, incluindo camisetas anunciando "Sexo é bom"; e "Sexcussões", uma série de vídeos cobrindo assuntos, como dicas de preliminares e jeitos de se arrumar uma transa (tipo um Dapper Laughs do Sudeste Asiático ), além de entrevistas em Kuala Lumpur e Singapura sobre homossexualidade, vagina, bolas, fantasias e preferências sexuais locais.

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No entanto, a notoriedade deles cresceu (tanto que os malaios, com medo dos "haters", se tornaram relutantes em participar das Sexcussões) e a mídia local se interessou por essas " personalidades do YouTube". Vivian foi entrevistada pela Marie Claire local ("V de Virtude"), enquanto o casal reprisava a famosa capa da Rolling Stone de John e Yoko para a Esquire da Malásia. Eles estavam chamando atenção, e o stablishment se incomodou.

Assista a nosso documentário sobre o futuro do sexo.

Tendo despertado uma ira latejante em sua terra natal (Vivian até se envolveu num ataque com faca), o que realmente fez as autoridades malaias caírem em cima do casal foi uma postagem pouco sensata no Facebook na véspera do Ramadã: o post mostrava Alvivi comendo bak kut teh, uma sopa chinesa de porco, com a frase "Selamat Berbuka Puasa" ("Feliz quebra do jejum") com um símbolo de halal. Um insulto calculado para a maioria de 62% de muçulmanos do país – e, mais particularmente, à tendência da coalizão no poder, a Frente Nacional, de encobrir suas imposições como respeito religioso. Com uma provocação que foi muito longe, obviamente o casal foi prontamente preso.

Foi durante a prisão em julho de 2013 que Alvin teria começado a pensar em fugir. O casal saiu sob fiança uma semana depois por 60 mil ringgits (R$ 52 mil). Enquanto escrevia suas memórias, Sex, Pork and Persecution, Tan começou a pesquisar asilo nos EUA. Em maio, ele convenceu seu juiz a devolver temporariamente seu passaporte para que ele pudesse participar das filmagens de um documentário em Singapura. Ele nunca voltou. Alvin foi ao México, cruzou a fronteira dos EUA e passou três meses numa Instalação Correcional em San Diego. As autoridades malaias ficaram iradas e exigiram sua extradição, mas ele estava um passo à frente deles: não só ele sabia que só poderia ser extraditado por um ato que fosse crime nos dois países como percebeu que, quanto mais os malaios pedissem a devolução dele aos americanos, mais forte seu caso de asilo se tornaria.

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Alvin Tan.

Enquanto isso, de volta à Malásia, Vivian foi deixada para encarar a música sozinha. Sem surpresa, os seguidores do Alvivi ficaram chocados, o chamando de covarde, uma acusação que ele nega. Depois de alguns meses se mantendo discreta, durante os quais Alvin a acusou de ser garota de programa, Vivian, em seu "ato final de amor", foi ao Facebook para penalizar "ALVIN TAN, O TODO-PODEROSO" pela insensibilidade de abandoná-la e não responder – nem a ela nem à mãe dele – a nenhuma tentativa de descobrir se ele estava bem. Tudo isso rodou pela mídia local.

De qualquer maneira, com os antigos amantes a milhares de quilômetros de distância e sem se falarem, parecia que a tempestade de polêmica tinha passado. O capítulo final seria simplesmente o veredicto do tribunal malaio. Mas não. Depois de um breve hiato, Tan está mais ativo que nunca em sua própria página do Facebook (URL: alvintan.yolo), regalando 20 mil seguidores – quase a mesma quantidade que Vivian – com os contos estranhamente ortodoxos do Sonho Americano: morando em Los Angeles, servindo mesas e tentando uma carreira de ator, ele fala da "pura sobrevivência do mais apto". Ele tem descrito suas postagens no Facebook como um " manual" para ajudar colegas imigrantes malaios a seguirem seus passos. No mês passado, enquanto Lee estava no banco dos réus encarando uma sentença de cinco anos por sedição, seu antigo amante estava juntando dicas de como escurecer a pequena suástica no centro da cruz de ferro tatuada em seu peito, porque ele tinha um teste para interpretar um asiático gay num comercial de camisinha. Ah, o Sonho Americano.

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Se o conteúdo centrado em sexo do Alvivi – ambos agora se reconciliaram e estão discutindo a possibilidade de voltar com a marca – era um tipo de crítica oblíqua aos valores preponderantes na Malásia (a falta de liberdade de expressão, o aumento do comando da moralidade islâmica na vida pública), as postagens de Tan dos EUA tornaram a crítica explícita. Ele tem partido para a ofensiva (definitivamente a mais justa nesse caso) contra o que ele chama de uma "fossa infernal louca do Islã", causando mais ultraje no mês passado com uma versão R&B do Adhan, a chamada para oração muçulmana. O vídeo se tornou viral e renovou os pedidos por sua extradição. Ele foi entrevistado pela BBC. Mais impertinente e despreocupado do que nunca, o ex-estudante de direito novamente provocou as autoridades e seu entendimento falho de "jurisdição", além da tentativa deles de acusá-lo in absentia , enquanto zombava dos pedidos da "polícia da internet" malaia (MCMC) para que YouTube e Facebook tirassem seus vídeos do ar.

Em suas próprias palavras, Tan estava "trollando o Islã", que ele considera a grande força antidemocrática de seu país. No entanto, ele mantém que seu problema com o Islã não é com a fé em si, mas com a "ideologia política", que, dado seu papel cada vez maior na vida pública, torna a sátira política legítima um alvo. "Claro, vou respeitar seu direito de praticar sua religião", ele falou, "mas, quando você usa sua religião como base do governo, sua religião não é mais uma questão de escolha pessoal ou fé. Isso afeta a vida de todo mundo, especialmente de não crentes; então, sua religião é UM SISTEMA POLÍTICO, UMA IDEOLOGIA POLÍTICA. Você quer dizer que não posso criticar ideias políticas? Que merda é essa? De repente, só porque você colocou o nome de Deus nisso, uma ideologia política se torna sagrada e não pode ser discutida ou criticada, mesmo que, na prática, isso seja nada mais que uma maneira de controlar a vida das pessoas?"

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Vivian Lee.

Tan se vê agora como um " messias da liberdade de expressão " (com revolucionário sexual como subtítulo picante), mas nem todas as suas postagens são inquestionavelmente progressivas. Há a estranha fantasia de estupro ; um perfil racial da possibilidade de se receber gorjetas de vários grupos étnicos em restaurantes (o que é mais que irônico dado o sistema bumiputra malaio de privilégio para os de etnia malaia), com toques quase sociopatas de como se usar emoções como estratégia; estereótipos de "uma certa comunidade " como aproveitadores; uma teoria de que sexo lésbico não é real; atualizações sobre seus casos no Tinder; e compartilhamento compulsivo de brigas mais sérias (se tudo não for uma grande fabricação, claro).

Quanto disso é uma corajosa defesa da liberdade de expressão e quanto é narcisismo patológico é uma questão de opinião, apesar da aparente corroboração de sua foto de perfil ("Você tem inveja da minha estética, bro?") e da descrição da página ("Eu me amo. Se eu não fosse eu, eu gostaria de ser"), ambas sugerindo que isso vai além da postura irônica. Apesar do conteúdo cru e duvidoso – uma tempestade em copo d'água do ponto de vista ocidental –, é certo que a busca de atenção por Tan – parte estratégia de negócio, parte compulsão, parte provocação – é, simplesmente por existir, um teste importante da maturação da Malásia, da sua capacidade de tolerar opiniões dissidentes. Às vezes pueril, outras vezes eloquente, a voz de Alvin não pode ser descartada como irrelevante.

De muitas maneiras, ele é o sintoma patológico, a consequência de uma forma rígida de expressão sexual e política para a cultura malaia (ele afirmou estar procurando asilo da "ignorância malaia" tanto quanto da "tirania política"). Ele pode ser um babaca às vezes, mas, sem dúvida, está incomodando as autoridades sensíveis em casa.

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Tradução: Marina Schnoor