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As Muitas Prisões do Jornalista Canadense Miles Howe

Telefonei para Miles Howe ontem e conversamos sobre o que está acontecendo com ele em New Brunswick, desde que ele começou a cobrir o movimento antifraturação sísmica liderado pela Primeira Nação Elsipogtog.

Miles Howe está praticamente acostumado a ser preso. Como jornalista do Media Co-Op, um site de notícias independente do Canadá, Miles vem cobrindo o movimento antifraturação sísmica liderado pela Primeira Nação Elsipogtog (uma unidade de governo formado por povos indígenas do Canadá) em New Brunswick há meses. A resistência indígena é comandada pelos Guerreiros Mi'kmaq, que viraram manchetes em outubro quando um protesto pacífico acabou num embate violento entre eles e a Real Polícia Montada do Canadá. Os oficiais da RPMC estavam camuflados e armados pesadamente com rifles de assalto, e franco-atiradores também estavam presentes. Em algum momento, um coquetel molotov foi jogado e 40 pessoas foram presas. Essa demonstração de força por parte da força policial foi uma visão desconfortável para os canadenses interessados no caso, e não ajudou muito quando um oficial da RPMC gritou: “Crown land pertence ao governo, não aos malditos nativos”.

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Quando Miles estava cobrindo o protesto em 17 de outubro, ele afirmou que membros armados da RPMC apontaram para ele e gritaram: “Ele está com eles!” Um comando que levou vários oficiais da RPMC a jogarem Miles no chão e prendê-lo.

A prisão mais recente de Miles aconteceu na semana passada, 26 de novembro. Essa foi a terceira vez que a RPMC algema Miles, sem acusações, desde que ele começou a cobrir a resistência Mi'kmaq. Dado o perigoso precedente de se ter um jornalista como alvo da polícia na província, em todo o Canadá, eu estava cético quanto às intenções de Miles, e se ele realmente tinha sido marcado pelas forças de segurança. Dito isso, como Miles não foi acusado formalmente por nenhum dos incidentes, com certeza havia motivos para investigar além.

Telefonei para Miles Howe ontem e conversamos sobre o que está acontecendo com ele em New Brunswick, desde que ele começou a cobrir o conflito. Eu já tinha conversado com Julie Rogers-Marsh, assessora de imprensa da RPMC, que confirmou que, no dia em que Miles foi preso, um homem foi detido na Rodovia 11 por violar uma liminar. Ela não pode confirmar se esse homem era mesmo Miles Howe, mas Miles me disse que foi realmente preso por ter violado a tal liminar.

A liminar em questão foi emitida em 22 de novembro, e é possível ler uma versão simplificada e explicada da audiência graças a Jacques Poitras, da CBC, presente naquele dia. A SWN, companhia petroleira que está causando toda essa controvérsia em New Brunswick, foi ao tribunal pedir que seis manifestantes fossem legalmente impedidos de chegar perto de seu equipamento no local de exploração. Numa cópia da liminar (disponível aqui), a SWN insiste que os manifestantes vandalizaram e destruíram propriedade da companhia em mais de uma ocasião. Nos supostos incidentes, grupos de manifestantes – alguns mascarados – teriam ido ao local de trabalho da SWN e ordenado, de forma ameaçadora, que os empregados evacuassem o local. Em outro suposto incidente, uma picape da companhia teria sido destruída: “o para-brisa e janelas foram quebrados, as portas amassadas e a porta da caçamba quebrada”. A companhia também disse que “uma sonda de $380.000 foi totalmente queimada”.

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Miles Howe não era mencionado originalmente na liminar, mas foi à audiência e pediu para intervir nos procedimentos e apresentar provas em defesa dos manifestantes – um pedido que Matthew Hayes, advogado da SWN, respondeu com cautela. Matthew informou a Miles que, se intervisse, ele estaria se implicando como réu, permitindo que a SWN também o processasse. Miles, claro, não se incomodou com essa advertência e, como ele me disse, apresentou um vídeo que mostrava um aquífero quebrado vazando no solo da floresta. Isso, aparentemente, é uma violação da Lei de Petróleo e Gás Natural canadense que – na seção 40, sobre prevenção de perda ou dano ao solo – estabelece: “Se, em qualquer momento, o vazamento de petróleo ou gás natural de um poço não é prevenido ou se um fluxo de água não é controlado, o ministério deve tomar todas as medidas que julgue necessárias, em interesse do público, para controlar e prevenir o vazamento de petróleo, gás natural ou água”.

Embora a evidência de Miles possa ter fornecido bases para argumentar que a SWN tem sido negligente com o meio ambiente – o que de certa maneira explicaria a fúria dos manifestantes – o juiz não achou a prova relevante e a liminar foi concedia a SWN. Isso significa que todos os manifestantes nomeados pela SWN, e Miles, receberam ordens de ficar longe dos equipamentos da SWN além de proibidos de impedir o trabalho da companhia.

Isso explica porque Miles foi preso na semana passada. Bom, um jornalista entrar num tribunal para se oferecer como réu é um movimento muito estranho – naquele momento, independentemente de se a SWN estivesse estragando o solo da floresta ou não, Miles se tornou legalmente parte da resistência Mi'kmaq, não mais um jornalista testemunha de um incidente em particular. Essa liminar, no entanto, não impediu que ele tentasse continuar seus relatos sobre a história que ele cobriu o ano todo.

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No vídeo acima, feito pelo próprio Miles, é possível ver um encontro entre a RPMC e ele um dia antes de sua prisão mais recente – depois que a liminar já tinha sido concedida. Nele, é possível ver claramente quando a polícia pede a Miles que fique longe dos equipamentos e funcionários da SWN, mas os oficiais não dizem para ele ficar longe da Rodovia 11, onde ele foi preso no dia seguinte. Quando perguntei a Miles se ele acreditava que estava violando a liminar no momento em que foi preso, ele disse:

“Eu estava na beira da estrada […] Definitivamente, não violei a liminar. Eu não estava dizendo nada, fazendo nada, qualquer movimento que fosse. Perguntei três vezes à RPMC por que eu estava sendo obrigado a me movimentar. Expliquei a liminar a eles e perguntei que seção da legislação de rodovias eu estava violando. Eles não forneceram nenhuma razão, só disseram: 'ande ou você será preso'. Eu estava naquela parte da estrada no dia anterior [como pode ser visto no vídeo] e o mesmo oficial me disse apenas para não interferir ou tentar interferir no trabalho [de exploração], e que seria melhor se eu ficasse do lado oposto da estrada, mais longe do equipamento de testes sísmicos.”

Acreditando ou não na implicação voluntária de Miles como réu num caso da SWN e em sua neutralidade jornalística, é óbvio que a execução da liminar por parte da RPMC parece abusiva. Parte do problema parece ser que a liminar foi garantida com uma definição pouco clara de como a RPMC deveria lidar com qualquer violação em potencial da ordem judicial. Ficou essencialmente por conta do policial na cena decidir como lidar com o caso, o que explica as duas reações completamente diferentes nos dois dias em que Miles foi abordado na Rodovia 11, depois que a liminar já tinha sido garantida.

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Depois de ficar trancado numa solitária por 24 horas, Miles foi liberado, mas teve que assinar um compromisso que estabelecia ainda mais restrições – incluindo a ordem para que ele ficasse a uma distância de mais de 1,5 quilômetro dos locais de protesto. A RPMC também se recusou a devolver o telefone e a câmera de Miles, dizendo que os objetos, supostamente, faziam parte de uma investigação aberta.

Foi nesse ponto que a prisão de Miles causou uma tempestade de chorume na internet. O Media Co-Op, o site de notícias onde Miles trabalha como repórter e editor, postou um artigo anunciando que essa era a terceira prisão de Miles desde que ele começou a cobrir a resistência. Depois, um ramo do Anonymous postou o vídeo da prisão dele (abaixo). No vídeo, é possível ouvir pessoas gritando: “Miles está sendo preso!”, “Ele não fez nada!” e “Saiam do território Mi'kmaq!”. Depois Miles grita: “Eu não interferi!”.

Assim que o Anonymous e o Media Co-Op começaram a espalhar a notícia de que um jornalista estava sendo preso por cobrir a resistência Mi'kmaq, muitas pessoas se mostraram céticas – particularmente na CBC. Num segmento do talk show matinal Information Morning na CBC Radio, o apresentador Terry Seguin, juntamente com os convidados Philip Lee (jornalista e professor na Universidade St. Thomas) e Dan Leger (jornalista do Chronicle Herald), argumentou se Miles Howe era um “blogueiro” ou um “jornalista”. O Media Co-Op exigiu um pedido de desculpa pelo segmento, acreditando que isso constituiu um “ataque sem bases” contra Miles – e, para piorar, a CBC aparentemente sequer pediu para ouvir o lado de Miles da história.

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Entrei em contato com Terry Seguin sobre o segmento, mas ele não quis comentar a história. A CBC também não quis se pronunciar. Dan Leger, que chamou Miles de “fanático cabeça quente” no programa, me escreveu isso por e-mail:

“Defendo o direito de Howe de escrever e relatar o que ele quiser. Também disse que os relatos têm sido considerado frequentemente um ato político e que, em seu nível mais básico, ser repórter é ser uma testemunha. Howe se encaixa nessa descrição. Meu ponto, que tem sido esquecido pelas pessoas que assumem a causa de Howe, é que ele tinha todo o direito de estar no protesto e escrever sobre isso. Apoio inteiramente esse direito. Só acrescento que, se ele tivesse sido preso por relatar, eu me oporia sinceramente, porque isso constitui um ataque à liberdade de expressão. Repórteres devem ser livres para testemunhar e relatar o que veem, quer eu concorde ou não com a visão política deles.”

Depois, Philip Lee publicou um post em seu Tumblr com um título que alguns chamariam de imaturo: “Para a Halifax Media Co-Op: Nada de Desculpas”. Nele, Philip argumenta: “Howe é parte de um movimento contrário à exploração de gás e escreve sobre isso. Tudo bem, mas ele não pode estar envolvido na extensão que está agora e ser considerado um jornalista investigativo independente”. Acrescentando: “não tenho que me desculpar por nada”.

A verdade na questão é que Miles Howe, talvez equivocadamente, realmente se colocou no meio de uma batalha judicial entre a SWN e os manifestantes que, supostamente, vandalizaram os equipamentos da companhia. Tornar-se um participante ativo em tal conflito não é o papel de um jornalista, já que isso derruba a objetividade dele como testemunha. Por isso, acho que Miles se posicionou como ativista, em vez de jornalista ou mesmo blogueiro. À luz dos fatos, o painel da CBC estava acidentalmente correto em argumentar que Miles teve que fazer algo além do jornalismo para ser preso – mas eles não pesquisaram o que tinha dado errado para Howe em primeiro lugar.

Felizmente, o artigo esclarece a situação ainda confusa de Miles Howe. Sim, ele se envolveu com a resistência Mi'kmaq como um tipo de agente corrupto –  o que, aparentemente, é um rótulo fácil de se atribuir a ele, dada sua associação com uma agência de notícias menos conhecida e independente e sua interferência na audiência da liminar. Infelizmente, as condições legais nas quais ele se encontra causaram um enorme buraco na cobertura, já mínima, sobre o conflito entre a Primeira Nação Elsipogtog e a SWN.

Sem dúvida, um conflito muito tenso está acontecendo em New Brunswick, mas pouquíssimos repórteres estão cobrindo o caso. Miles Howe parecer ter mais conexões com a comunidade Mi'kmaq do que qualquer jornalista mais famoso, e isso fez com que ele se destacasse. Mas outros jornalistas deviam ter cuidado ao discutir sua história na mídia, e as pessoas deveriam prestar mais atenção no conflito entre a SWN – uma companhia petroleira que tem um “time de segurança anormalmente grande e caro” – e a Primeira Nação de New Brunswick. A situação já acabou em violência antes, num nível bastante surreal, e a prisão de Miles Howe, um jornalista controverso que se vê continuamente em áreas judicialmente confusas, devia preocupar particularmente àqueles que estão acompanhando a história.

Siga o Patrick no Twitter: @patrickmcguire