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Um Lance Especial em Detroit

Depois de sofrer os piores e mais concentrados casos de violência racial, a cidade de Detroit agora enfrenta uma praga de repórteres.

Oi, aqui estou eu em frente a uma paisagem que os fotógrafos sempre usam para ilustrar o contraste gritante entre pobreza (representada pela rua desolada) e a abundância (simbolizada pelo pomposo arranha-céu da GM ao fundo). O edifício branco à esquerda é uma das fábricas de trituração mais bem-sucedidas de Detroit. Foto de Joseph Patel

Depois de sofrer os piores e mais concentrados casos de violência racial, colapso industrial, incêndios propositais, guerras ao crack, falência municipal seguidas de anos de cleptocracia, da história dos Estados Unidos, a cidade de Detroit agora enfrenta uma praga de repórteres. Se você mora em uma das quadras perto dos 10 mil prédios abandonados da cidade, você não pode jogar um pedaço de carro velho pela janela sem acertar algum babaca carregando uma câmera que vale mais que sua casa.  O interesse na apuração é legítimo—se você pesquisar sites como Digg ou Reddit atrás de matérias sobre Detroit, encontrará até milhares de textos chatíssimos sobre o aumento de vagas de empregos na indústria de energia eólica local. E Deus te ajude se sua pauta tiver alguma coisa a ver com decadência urbana. Quando a Vice Reino Unido publicou uma pequena série de fotos do interior demolido de uma escola pública abandonada, feita por James Griffoen, o tráfego em nosso site triplicou durante quase uma semana.  O problema é que a coisa chegou num ponto em que o potencial de popularidade de uma matéria é o que dá as diretrizes da cobertura, muito mais do que qualquer valor jornalístico que ela possa ter. Uma mentalidade de corrida do ouro está pairando sobre Detroit, e todo esse frenesi causou um verdadeiro lapso na ética e na opinião jornalística. Como o caso do cineasta francês que veio para Detroit para fazer um documentário sobre todos os veados e faisões e outras espécies selvagens que estariam voltando pra cidade. Após vários dias sem encontrar nada selvagem, tiveram que convencer o figura a não alugar uma raposa adestrada para correr na frente da sua câmera. Ou da equipe holandesa que decidiu explorar a velha torre onde Somkey Robinson cresceu, e foi imediatamente roubada em milhares de dólares de equipamento.  O outro lado da moeda é o fluxo simultâneo de repórteres que não estão nem aí com a cidade mas se sentem compelidos pela época a terem uma matéria sobre Detroit no currículo, como uma versão jornalística de gravar um disco grunge.  O James Griffoen me contou que “a revista Time mandou um cara de 24 anos para Detroit”. “Ele não podia alugar um carro, então foi de táxi até o centro da cidade. Ele ficou ali durante seis horas e deveria escrever uma coluna sobre Detroit. Pra Time. Ele tinha uma reunião com o prefeito de manhã, tomou um cano, aí ele encontrou comigo, e foi isso.”  Antes, o James recebia umas quatro ou cinco ligações por semana de jornalistas de outras cidades que queriam alguém pra servir de guia nos melhores buracos da cidade, mas deixaram ele em paz assim que ele começou a mandar os caras à merda.  “No começo, me senti lisonjeado, tipo ‘uau, todos esses caras superprofissionais estão interessados no que eu tenho pra contar e mostrar’. Mas enche o saco ficar tentando mostrar pra eles todos os aspectos diferentes da cidade e vendo os caras voltarem e escreverem a mesma matéria que todo mundo já escreveu. Os fotógrafos são os piores. Basicamente, a única coisa que interessa os caras é fotografar ruinas.”

A estação de trens de Michigan é um prédio da virada do século todo pichado que é constantemente usado por jornais e revistas como um símbolo da decadência da cidade. O único problema é que essa imagem não tem muito a ver com a matéria que ela ilustra. O prédio pertence a um magnata do transporte, bilionário, e não à Prefeitura falida, e foi fechado nos anos 80, não por causa de uma cagada recente. Mesmo assim, em dezembro, quando os executivos da indústria automobilística estavam na frente do Congresso, a Time publicou um ensaio fotográfico pra ilustrar a matéria, que abria e fechava com imagens desse terminal de trens. Três meses depois eles publicaram mais uma página dupla sobre a decadência da cidade, só que dessa vez se contiveram e usaram só uma foto da estação.  Para uma estrutura abandonada, o lugar é bem frequentado, é praticamente um ponto de encontro. Toda vez que eu passava por lá, eu via um grupo diferente de moleques com câmeras sondando os portões. Quando eu finalmente resolvi ir até lá para ver o que pegava, tive que esperar uma artista de Buffalo se vestir—o lance dela é fazer autorretratos nus em prédios abandonados. Mais tarde fui interrompido por um músico chamado Deity, que estava gravando um clipe na cobertura.  O segundo pico destruído mais fotografado são as ruínas da Packard Auto Plant, que tem quase um quilômetro, e ficam no leste da cidade.  “Isso é o que os repórteres visitantes mais gostam de ver”, o James falou. “Todo mundo vem aqui para fotografar a história da indústria automobilística e eles adoram essa locação porque podem dizer, ‘Tá vendo? É aqui que eles faziam os carros’, e aí esquecem de colocar uma nota de rodapé explicando que essa fábrica está fechada desde 1956.”  Só no mês passado, a fábrica foi usada pelo New York Times, o Daily Mirror britânico e a Auto Motor polonesa para ilustrar histórias com as quais não tem nenhuma conexão concreta, a não ser o fato de estar localizada na mesma cidade. A Packard também aparece duas vezes na Time de dezembro, ainda que na legenda da segunda foto eles tenham colocado o endereço da rua para dar a impressão de que visitaram mais do que três lugares.  Olha que deprimente: para conseguir uma boa visão oeste do complexo, você tem que ir para o cemitério adjacente. No caminho de lá, na margem do terreno, tem uma placa grande e feia avisando os visitantes para trancarem seus carros e ficarem alertas com assaltantes. Ao lado disso eu vi uma pilha de tumbas de concreto sujas perto de uma empilhadeira cheia de terra e flores de plástico.  Existem famílias brancas que fugiram de Detroit para os subúrbios nos anos 60 que hoje em dia tem tanto medo de visitar a cidade que preferem exumar seus mortos e enterrá-los novamente em sua vizinhança atual. E não estou falando de um ou outro maluco que fez isso—mais de 1.000 corpos foram exumados e transferidos desde 2002. É uma tendência já bem desenvolvida! Isso foi descoberto pelo fodão doDetroit News, Charlie LeDuff, que ficou notório pela matéria sobre um cara que ficou congelado dentro do fosso de um elevador abandonado enquanto uma molecada jogava hóquei à sua volta ou, para quem é mais ligado na mídia, sua longa estada no New York Times. Enquanto a matéria sobre o picolé de mendigo foi telegrafada por praticamente todas as agências de notícias do país, só uma meia dúzia de blogs mencionou essa notícia dos mortos viajantes. Isso pode ter acontecido por uma série de razões, que vão desde as implicações raciais da história até puro azar. Mesmo assim, isso não dá uma boa impressão sobre capacidade da mídia em prestar atenção aos detalhes. Ninguém conseguiu sacar um dos assuntos mais pesados e emblemáticos da cidade, que estava na cara de todo mundo.