Os gregos que fazem piqueniques sobre os túmulos dos seus entes queridos

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Os gregos que fazem piqueniques sobre os túmulos dos seus entes queridos

Não é um dia de luto. Pelo contrário. É um dia de sorrisos, beijos, piroshki tradicional, almôndegas, pão tsoureki e vodka russa quente.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Grécia.

Na cidade de Rizana - a cerca de uma hora de Salónica - todos os anos, no segundo domingo de Páscoa, os vivos almoçam com os mortos. Neste dia, as pessoas reúnem-se no cemitério da localidade, levam bancos, mesas e comem em cima dos túmulos dos seus entes queridos, entre as lápides de mármore e flores frescas.

A tradição remonta às epopeias de Homero, mas segue bem viva graças aos gregos pônticos, um grupo étnico, originário das zonas costeiras do Mar Negro, que, ao longo dos séculos, emigrou para a Turquia, Georgia e Rússia. Estes pônticos do cemitério de Rizana regressaram à Grécia e com eles trouxeram novamente a tradição de fazer piqueniques junto aos restos mortais dos seus ancestrais.

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Não é um dia de luto. Pelo contrário. É um dia de sorrisos, beijos, piroshki tradicional, almôndegas, pão tsoureki e vodka russa quente.

Rizana é uma localidade muito tranquila - onde nem sequer se pode entrar de carro no centro -, mas, neste dia, as actividade começam bastante cedo. Às 10 da manhã já há filas de carros estacionados perto do local de onde sai a romaria, mesmo ao lado do local onde os vendedores de flores se instalam para a ocasião. Antigamente, a povoação tinha apenas um pequeno cemitério, mas os gregos pônticos fizeram questão de construir um novo em 1997 que, precisamente, onde hoje em dia se reúnem para a celebração.

Stefanos Oflidis, presidente da Associação de Pônticos Repatriados, explica como foi criado o espaço: "Milhares de gregos deixaram Ponto e os países soviéticos no início da década de 1990. Instalamo-nos a Oeste de Salónica e começámos a enterra os nossos mortos em Evosmo, ou nos cemitérios municipais mais próximos. No entanto, por falta de espaço, três anos depois, tivemos que exumá-los. E essa não era uma boa forma de honrar os mortos. Para que não voltasse a acontecer, começámos a procurar um espaço onde pudessem descansar em paz, como merecem".

O seu pai, Alexandros, foi quem deu início ao projecto, que acabou mesmo por ser a primeira missão da então recém-estabelecida Associação de Pônticos Repatriados. Finalmente, Lefteris Tepetidis, de Rizana, - cuja família tinha deixado o Kazaquistão rumo à Grécia, em 1960 - aceitou doar seis hectares para a construção do cemitério, em memória do seu filho, assassinado ainda muito jovem.

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Desde então, os familiares dos defuntos construíram uma Igreja, levaram relíquias de Salónica para ali e tratam do cemitério.

A limpeza dos túmulos é feita uns dias antes e, chegada a hora, sacam-se as toalhas, os pratos, os talheres e as panelas. Fazer um piquenique em cima dos túmulos de familiares pode parecer um bocadinho sinistro, mas é exactamente o contrário. Famílias inteiras juntas e crianças pequenas a correr por todo o lado é uma imagem de celebração, não de luto.

Para além disso, chorar não é permitido. As pessoas cumprimentam-se com a saudação "Jesus ressuscitou" e bebem vodka a acompanhar os pratos tradicionais.


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O cemitério de Rizana é composto quase exclusivamente por túmulos familiares, com cerca de quatro a 6 seis metros de largura. A maioria ostenta lápides de granito negro e têm gravadas imagens dos defuntos, umas vezes ainda adolescentes, outras já mais velhos. Muitas vezes, a lápide mostra ainda algo que pertencia ao morto e que apreciava particularmente em vida: uma mota, um carro, ou uma fotografia da terra onde nasceu. Sukhumi, ou Batumi, na Georgia, Trabzon, ou Ordu, na Turquia, por exemplo.

Também é habitual existirem duas ou três estatuetas, ainda que nem todos os túmulos sejam de pessoas endinheiradas. Muitos estão cobertos de azulejos simples e tapetes de plástico, cascalho fino, ou, simplesmente, uma cruz de madeira e uma vela. no entanto, uma coisa é certa, todos estão cuidadosamente tratados.

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"Somos gente normal e honrar os nossos antepassados é, para nós, muito importante. Hoje em dia, já não vêm tantos familiares como antigamente. muitos pônticos foram trabalhar para a Alemanha, ou mesmo que estejam na Grécia não conseguem viajar até Salónica, ainda que a Associação coloque um autocarro à disposição para o efeito", diz Stefanos Oflidis.

Oflidis é dentista e actualmente vice em Salónica. Chegou em 1991, depois de abandonar a província georgiana de Sujumi, antes de rebentar a guerra entre a Abjasia e a Georgia, em 1992.

"Sempre quisemos regressar à Grécia, porque ouviamos as histórias dos nossos avós, cujos corações nunca abandonaram o país. O meu avô foi um dos gregos que os soviéticos deportaram em 1949. Levaram-no do Mar Negro para as estepes do Kazaquistão. Quando subiu para o comboio pensava que o iam enviar de novo para a Grécia, mas, depois de uns dias, ao ver o Sol nascer, deu-se conta de que estava a viajar para Este", conta.

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