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Ser mulher e viver com HIV

Fiquei chocada ao descobrir como ainda persistem tantas informações erradas sobre o vírus. Quando chegou o momento de conhecer a realidade do HIV, até eu não sabia nada de nada.

Fotografia cedida por Erin Dolby.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE USA e é parte de uma série de histórias inspiradas pelo nosso documentário"Parar o HIV? A Revolução Truvada".

Enquanto alguém que escreve sobre sexo, por vezes penso que já ouvi de tudo. Por isso, quando comecei a sair com uma colega chamada Casey, que trabalha para a revista Poz, onde passa os dias a pesquisar e a escrever sobre HIV, fiquei chocada ao descobrir como ainda persistem tantas informações erradas sobre a doença. Quando chegou o momento de conhecer a realidade do HIV, até eu não sabia nada de nada.

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Por exemplo, com os medicamentos actuais, sendo uma mulher seropositiva, podes ter sexo desprotegido com o teu parceiro, com uma probabilidade 96 por cento menor de o infectar. Se os efeitos colaterais dos remédios forem um problema, é para isso que existe o movimento a favor da marijuana medicinal (Embora Casey trabalhe na revista Poz, antes de que se suponha seja o que for, fiquem a saber que ela é HIV negativo)

Para aprender mais e ficar a conhecer melhor algumas lutadoras duras de roer eu e Casey conversámos com três mulheres que vivem com HIV. Erin Dolby é uma ex-miss Arizona e uma activista. Damaries Cruz tratou o seu HIV holisticamente durante 20 anos, antes de começar a tomar medicamentos quando as coisas começaram a piorar. Malina Fisher criou um canal no YouTube para divulgar os seus vídeos em que fala sobre viver com HIV, e têm-lhe dito coisas como ´"és demasiado atraente" para teres o vírus.

Não podes ser demasiado atraente, ou demasiado inteligente, ou rica, para contraíres o vírus, mas podes ser seropositiva e seres uma mulher sexy e poderosa. Como a "mama bear" das mulheres seropositivas, Tami Haught, que deu à VICE alguns conselhos para as mulheres que têm de viver com o vírus: "Podes viver uma vida plena. Faz planos para o futuro. As tuas opções são ilimitadas agora. Com o HIV, podes fazer tudo o que quiseres e precisas de planeá-lo. Para ti e para a comunidade como um todo".

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—Sophie Saint Thomas

Erin Dolby

Fotografia cedida por Erin Dolby.

VICE: Olá Erin! Parabéns, acabas de te casar não é?
Erin Dolby: É verdade. Conhecemo-nos nas salas de uma associação de 12 passos (12-step). Eu tinha sido convidada para participar num desfile de moda e ele também. Ele estava a pôr música no evento e foi aí que demos o nosso primeiro beijo e, provavelmente, o nosso primeiro tudo.

Naquela noite, antes que acontecesse alguma coisa disse-lhe: "Conto-te já a minha história, sou HIV positiva, tenho hepatite C e tenho herpes". E ele disse: "Estares tão confiante e seres tão aberta sobre isso só me faz sentir ainda mais atraído por ti". Isso deu-me coragem e, saber que podia ser tão aberta e verdadeira sem ele me julgar, fez-me sentir muito mais bonita. Poucos meses depois, fiquei grávida pela primeira vez e ele pediu-me em casamento. Perdi o bebé. Tive um aborto espontâneo. Desde então já tive mais dois abortos.

Suponho que ele seja HIV negativo. Como é que vocês praticam sexo seguro?
Sim, ele é HIV negativo. Eu tenho boa receptividade aos meus medicamentos. Não usamos preservativo. Ele é que faz o teste de vez em quando. Tomo Truvada, faço tratamentos e, para um casal heterossexual com uma mulher que tem boa receptividade à medicação, o risco é mínimo.

Isso significa que tens um HIV menos agressivo?
A minha contagem de CD4 continuava a descer - 384 foi o número mais baixo que apresentei. Acho que comecei a tomar medicação quando estava a 410. E a minha carga viral mais alta de sempre foi 104. Então, eu estou perto de ser uma paciente não-progressiva. Assim que descobri consegui deixar as drogas. Eu estava em desintoxicação e sóbria há 21 dias quando recebi a notícia.

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Estavas a recuperar-te de que dependência?
Eu era viciada em metanfetaminas, e a minha outra droga era o GHB. Mas acho que acabei por contrair o vírus por culpa das minhas escolhas sexuais. Ouvi rumores sobre um homem consumidor de drogas por via intravenosa e eu tinha sempre preservativos na minha carteira, mas nesse momento, eu simplesmente não me importava e pensava que isso nunca me iria acontecer. Cheguei a prostituir-me durante a dependência, mas tive sempre cuidado. Foi na vida real, na minha vida pessoal, que fui descuidada.

Podes contar-nos como foi a tua transição de Miss para toxicodependente?
Eu fui coroada Miss Arizona em 1996. Não ganhei a Miss América, mas estava no concurso. Quando terminou o meu ano de serviço como Miss Arizona, comecei a drogar-me cada vez mais. Tudo começou em maio de 1999, e o meu vício durou até ao dia 1 de fevereiro de 2010. Estive viciada durante 13 anos.

Quando tinha apenas sete anos de idade o pai do meu melhor amigo violou-me. Eu mantive isso em segredo. Os meus pais só vieram a saber quando eu já tinha 19 anos. A minha amiga, apresentou queixa contra o pai e eu fui intimada a depor contra ele. Foi aí que caí na minha primeira depressão, onde simplesmente não podia sair de casa, nem conseguia comer. Julgo que foi assim que a doença se apoderou da minha vida. Comecei a drogar-me. Passado um ano, trabalhava como empregada de mesa num clube de striptease. Quando dei por isso já estava no palco a dançar. Nem sei como é que isso aconteceu. Naquela época, as strippers e os empregados de bar eram glorificados e eu andava com os proprietários dos clubes, sentia-me popular e cada dia que passava estava mais agarrada ao vício.

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O que te levou a começar a reabilitação?
Acho que não tomei essa decisão sozinha. Andava a sair com más companhias e a polícia fez uma rusga à minha casa por causa de uma fraude com um cartão de crédito, eu estava em liberdade condicional. Tinha sido apanhada com drogas dentro do meu carro. Nessa noite eles invadiram a minha casa, foi no dia 28 de janeiro de 2010, e foi assim que tudo começou. Recebemos o aviso de despejo e o meu pai estava gravemente doente com cancro do cólon, eu tinha acabado de começar a ver uma terapeuta e ela disse-me: "Sabes Erin, está na hora. Tens 34 anos e a tua vida não vai a nenhum lado."

Era impossível conseguir um emprego, nem como prostituta conseguia trabalho. A minha mãe disse-me: "O teu pai está demasiado doente, o que é que tu queres fazer?" Então eu pedi-lhe um presente e esse presente era começar a reabilitação. Acho que não tinha qualquer intenção de ficar sóbria. Eu ia para o tratamento para que me deixassem em paz. Mas acabou por acontecer outra coisa. Lá não era eu. Digo isto sendo agora uma pessoa muito espiritual. Eu não acho que tivesse força suficiente para pedir o teste do HIV, mas algo fez com que o pedisse e, quando me deram a notícia, sentei-me no meu quarto e chorei durante vários dias. Eu não conhecia ninguém com o vírus. Um dos meus professores da escola preparatória tinha morrido com SIDA em 1985 ou 1986. Ele foi uma das primeiras pessoas. É disso que eu me lembro. O medo que tinha de morrer não era tão grande como o medo de contrair SIDA.

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"Eu faço tudo o que posso para sentir-me bem. Essa é a minha responsabilidade. Ninguém pode fazer-me sentir bonita." - Erin Dolby

Então, bebés! Como vais conceber o teu filho, e que medidas preventivas tens de tomar para que ele não seja infectado com HIV?
A primeira vez que "ficámos grávidos", tive uma conversa muito séria e aberta com o meu médico. Vi um especialista e soube que teria um nascimento planeado e que teria de ser cesariana. O meu médico dizia-me, "Há 13 anos que não temos um nascimento HIV positivo." Isso deu-me muita esperança. Quando falei com a minha especialista perinatal, ela disse: "Podes ter um parto vaginal. Porque é que achas que não podes? Contanto que estás bem, e a tua aderência aos medicamentos se mantenha, não existe nenhuma razão para que não possas ter um parto natural. "Realmente nem tive pensamentos negativos ou medos sobre isso."

Que conselhos podes dar sobre namorar e sobre sexo a outras mulheres HIV-positivas?
A coisa mais atraente e importante que podes fazer por ti, como uma mulher seropositiva, é ter o máximo de conhecimentos. Tens de sentir-te confortável na tua situação. Eu comecei realmente a controlar o meu corpo, e a ouvi-lo, a perceber realmente o que ele precisava e informei-me bastante antes de embarcar em namoros ou em sexo. Se enfrento situações sentindo-me confortável na minha posição e confortável com o meu corpo, é suficiente para que as outras pessoas também o sintam. Eu não sou diferente de ninguém. Simplesmente tenho de fazer mais umas quantas coisas para cuidar-me. Recebo sangue trimestral e falo muito aberta e honestamente com o meu médico. Ter um médico que conhece e compreende as mulheres é também muito importante. Eu faço tudo o que posso para sentir-me bem. Essa é a minha responsabilidade. Ninguém pode fazer-me sentir bonita. Mas a beleza vem de dentro para fora e assim que comecei a sentir-me bonita por dentro, viu-se por fora.

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Podemos rever a história do teu diagnóstico?
Eu não sabia nada sobre o HIV. Mas nós usávamos sempre protecção porque eu não queria engravidar. Eu pensei que era só para isso. Então, quando conheci a pessoa de quem fiquei noiva naquela altura eu apaixonei-me e não pensei em mais nada. Achamos sempre que essa pessoa vai ser totalmente honesta contigo. Naquela época [há 20 anos] dizia-se que tinhas de ser uma prostituta ou tinhas de te drogar por via intravenosa para estares exposta ao vírus e eu não fazia nenhuma dessas coisas.

O meu noivo deitava-se ao meu lado todas as noites. Por isso tivemos a conversa e perguntei-lhe: "Fizeste o teste do HIV?" E ele disse: "Sim, deu negativo." Eu confiei nele. E um dia tivemos relações. Eu contraí o HIV um ano antes de ser diagnosticada, porque nesse ano tive muitas infecções fúngicas e eram tão graves que chegava a sangrar. O médico pensou que eu tinha cancro. E disse: vamos fazer uma biópsia, então fiz também o teste do HIV, só para descartar. Quando eu disse ao meu noivo que ele tinha de ir fazer o teste, ele disse: "Eu soube que arrastaria alguém comigo, mas nunca pensei que fosses tu." Foi assim que percebi que ele já sabia que tinha. Eu ainda ia casar-me com ele, mas gostava que ele me tivesse dito.

Continuaste com ele?
Eu estava apaixonada. E pensava que ninguém me iria aceitar, o melhor era ficarmos um com outro. Eu nunca o odiei; não tinha tempo para isso. Começámos a planear o nosso casamento, mas uma semana antes de nos casarmos apanhei-o a dormir com outra mulher na nossa cama. Ele faleceu dois anos mais tarde de complicações relacionadas com a SIDA.

O que é que gostavas de saber e não sabias, no momento em que descobriste que estavas infectada?
Eu gostava de saber na altura o que sei agora. Pensar que por ter sexo só com uma pessoa, eu estava imune ao vírus. Nunca imaginei que isto me podia acontecer. Eu não andava por aí a dormir com toda a gente ou a ter comportamentos de risco.

Eu estou bem por ter de viver com o vírus. Já o aceitei. Mas espero que ninguém tenha de passar pelo mesmo que eu. O pior de ter de viver com o vírus, não é o vírus, é o estigma por ele causado, e dependendo de quem és, os efeitos colaterais, porque podem ser terríveis.

A primeira coisa que pensei quando te vi no YouTube foi "Oh meu Deus, ela é tão atraente." Tu dizes num dos teus vídeos que muita gente diz que és "demasiado atraente para ser seropositiva."
Sim, eles assumem que nós estamos a morrer e que temos feridas por todo o lado. A percepção que as pessoas têm do HIV ainda vem enraizada da década dos 90. Mas já não estamos nos anos 90. As pessoas vão olhar para mim e dizer: "Não estás magra como um palito, não és um esqueleto, não parece que estás doente." E não deveria parecer. Eu cuido de mim.

Segue Sophie Saint Thomas e Casey Halter no Twitter.