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Milhões de Festa

De Lisboa a Barcelos a pedalar: dia 2

Uma odisseia de 370 quilómetros até Barcelos.

Resumo da estadia na Surf House de Lavos.

Pior do que o primeiro dia, é o segundo. Já é um feito e tanto eles terem conseguido chegar à Figueira da Foz. Volto a relembrar: as bicicletas são

fixies

(não têm mudanças), é como se fosses sempre na mudança mais pesada da bicicleta. Não têm travões, têm de pedalar ao contrário e derrapar à maluca para travar (dá alto estilo por acaso). E mais, têm o carreto preso, ou seja, nas descidas também são obrigados a pedalar. E os bancos não são muito confortáveis para viagens longas.

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Se levasse uma serra dava no mesmo.

Apesar do medo das dores musculares do dia anterior, a única razão de queixa foram as dores no rabinho. Nós, eu e qualquer um de vocês, tínhamos desistido logo com a dor de cu. Não dá muita vontade de pedalar nem mais um quilómetro. Eles, que levam aquilo a sério, meteram umas cenas no dito cujo e continuaram.

“Estou fodido, não me lembro de músicas novas para cantar hoje.”

Resultado de 12 horas de bina.

O segundo dia, em termos de moral, pareceu o primeiro. Estivemos a ouvir a melhor música de sempre, o

Ratomix

, que se tornou o hino do nosso dia. O Fábio,

showman

de serviço e estafeta de bicicleta, continuou a ser o rádio do pessoal.

Abriram logo a pestana com uma subida enorme da ponte da Figueira da Foz — o dia ia mesmo ser agressivo. O João partiu uma cena qualquer da roda passados poucos quilómetros e trocámos o pneu. Por onde passávamos, fazíamos fãs. Um senhor que passou, entendido em bicicletas, parou o carro no meio da estrada só para falar com os rapazes. Ele pensava que eram só uns 50 quilómetros, quando soube que vinham de Lisboa tornaram-se heróis instantâneos.

A malta estava mais metódica e pragmática. Parámos menos e eles estavam mesmo focados. No dia anterior devo ter enchido garrafas mais de dez vezes, neste segundo dia já não. Isto já fazia parte deles, como as drogas num gajo do trance.

Viajar com ciclistas é como estar numa banda em

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tour

, passamos por muitos sítios altamente, mas não se consegue ficar o tempo que se gostaia para conhecer bem. Será que algum dia vou voltar?

Tentei que ficasse à Instagram.

Discoteca semáforo.

Fogo, melhor noite de sempre!

Durante estes dois dias vimos muita gente a andar de bicicleta, desde velhinhos a miúdos bué radicais.

Parámos no Cantinho do Falcão em Avanca porque os ciclistas estavam a ficar fraquinhos e precisavam de comer hidratos de carbono — ainda faltava metade da viagem. Fomos recebidos bastante bem e ninguém foi gozado por ser vegetariano. Geralmente o pessoal é mesmo boi e pensa que é mesmo original mandar as bocas que um gajo vegetariano já ouve todos os dias.

Falei com um senhor que, ao ver as bicicletas, ficou curioso com o que estavam a fazer. É unânime, por voto de maioria, que estes gajos são marados da cabeça. Toda a gente  dizia o mesmo. O tal senhor ficou contente porque também é de Lisboa, só foi para Avanca à procura de uma vida melhor. Eu tentei acalmar a frustração do senhor dizendo-lhe que a mudança deve ter as suas vantagens — parece que não, “são todos uns borregos” ali. Ainda por cima, segundo me disse, o filho dele era uma estrela em Lisboa. A vida às vezes é um bocado injusta.

O almoço durou mesmo milhões de tempo. Quando se é recebido assim, uma pessoa até se esquece que ainda tem muitas horas de pedal pela frente. Queríamos arriscar e beber um licor da zona. Sei lá, uma jeropiga, um licor de merda ou assim, por isso perguntámos ao empregado qual era a bebida típica. E é bastante famosa, pelos vistos. É o Cuba Libre. Não sabia que essa vinha de Avanca! Como é que as pessoas não sabem que um dos

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cocktails

mais famosos do mundo é a bebida daquela região?

Na terra do Cuba Livre!

Sabem aquela gaja que vocês acham mesmo gira e depois quando a conhecem descobrem que bate mal? É assim que foi para nós a zona do Porto. Parece que está feito para o pessoal gastar dinheiro: só há indicações para estradas pagas. Por culpa disso tivemos a pior situação possível: estoiraram completamente. A desolação roubou a vontade e perdi a conta ao número de vezes que tivemos de parar para ver onde estávamos para perceber como íamos para Barcelos. Qualquer número de quilómetros agora seria em exagero. Pairava um desconsolo no ar, que íamos desistir, que nem sabíamos o filha da puta do caminho.

… mesmo bué vezes!

O João estava-se a passar!

Depois do Porto foi só caminhos de cabras e estradas todas estragadas. Não sabíamos bem se estávamos a ir bem e tivemos de voltar para trás umas quantas vezes. Quando parecia que eles iam desistir, encontrámos uma luz ao fundo do túnel: a primeira placa para Barcelos. Não tínhamos visto nenhuma, nem para lá nem para nada próximo.

Mesmo bonito.

A partir daí foi sempre a abrir. Estradas vazias no meio de montes. Portugal é mesmo bonito, não fosse o facto de estarmos a viajar há 13 horas e tínhamos desfrutado um bocado mais. Até se juntou a nós um ciclista do Boavista, maravilhado com o que eles estavam a tentar fazer.

E conseguiram: chegámos a Barcelos às 21h38. Eles foram o caminho todo até às piscinas a gritar “MILHÕES DE FESTA! MILHÕES DE FESTA!”. Os gajos conseguiram, meu. Toda a gente dizia que eles eram malucos e que batiam mal. O corpo é um mar de dores fodidas (sobretudo o cu), mas chegaram. Abençoados.

João, Fábio, Miranda (da VICE), eu e Ricardo.

A malta da Camisola Amarela quer deixar esta mensagem:

Um agradecimento especial à Roda Gira pelo material cedido, à A outra Face da Lua pelo equipamento, ao Grémio do Carmo pelo fantástico pequeno-almoço, à Merrel pelo apoio logístico e à Surf House de Lavos pelo alojamento. E claro, à VICE e ao Milhões e a todos os outros que acreditaram em nós.