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Devemos nos Preocupar com as Recentes Apreensões de Urânio Contrabandeado na Moldávia?

A recente apreensão de 200g de urânio e quase um quilo de mercúrio foi apenas um dos muitos roubos, perdas e contrabandos de material nuclear registrados nas últimas décadas.

Na terça-feira passada, a polícia da Moldávia prendeu sete indivíduos que admitiram ter contrabandeado da Rússia quase 200 gramas de urânio, no valor de US$ 2,1 milhões, e praticamente um quilo de mercúrio. O material em questão tinha sido apreendido numa batida na semana retrasada.

Uma ofensiva tão grande ao contrabando de urânio gera preocupações, especialmente diante dos temores de que o Estado Islâmico esteja buscando adquirir ou já tenha material nuclear. No entanto, a quantidade encontrada na Moldávia, mesmo se for do tipo enriquecido para armamentos, não poderia ser usada para construir uma arma nuclear. Isso poderia ser incorporado a uma bomba suja, mas, de acordo com o site Stratfor, o perigo desses dispositivos tem sido exagerado pela mídia.

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Mas, mesmo que a apreensão recente na Moldávia não seja motivo para preocupação, esse foi apenas um dos muitos roubos, perdas ou contrabandos de material nuclear registrados nas últimas duas décadas. Muitos desses incidentes ocorreram na Moldávia e em países próximos, envolvendo quantidades consideráveis de material para fabricação de armas. Esses números, mais o fato de os suspeitos confessaram ter experiência em lidar com material nuclear, sugerem sofisticação e escala crescentes nesse tipo de operação, aumentando o risco de que esses materiais cheguem àqueles que desejam colocá-los em uso.

Achados de materiais radioativos usados em processos industriais, procedimentos médicos, mineração ou até na produção de bens de consumo, acontecem no mundo todo. A maior parte dessas fontes, como césio e cobalto, não é radioativa o suficiente para representar uma ameaça significativa em uma bomba suja ou mesmo capazes de serem usados numa arma nuclear. Itens perigosos, como o 1,5 milhão de quilos de urânio enriquecido a 90% ou os 500 mil quilos de plutônio, são muito menos comuns e supostamente contam com uma segurança muito maior. E, considerando os 200 gramas encontradas na Moldávia, seriam necessários de 10 a 15 quilos de urânio altamente enriquecido (UAE) (ou mais de 40 quilos numa operação não oficial) para um país em desenvolvimento fabricar uma arma nuclear pequena e rudimentar. A US$10 mil o grama, UAE é extremamente inacessível.

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Mais que um míssil nuclear, a maioria dos especialistas em segurança se preocupa com materiais radioativos de baixa qualidade e pequenas quantidades de UAE ou plutônio sendo usados em bombas sujas. Bombas convencionais que visam a espalhar resíduos radioativos sobre uma cidade sem desencadear uma grande explosão nuclear, dependendo da quantidade e da força do material incluído, esses dispositivos podem nem causar doenças por radiação. A evacuação, contenção e limpeza podem ser mais perigosas do que a arma em si.

Os governos garantem à população que materiais nucleares, especialmente UAE e plutônio, são altamente controlados e que novas e velhas tecnologias já permitem a detecção de material radioativo escondido. Mas é difícil esquecer incidentes como aquele em que um canal de TV contrabandeou urânio empobrecido para os EUA em 2002 e 2003.

Também é complicado garantir a segurança do suprimento global de material radioativo, porque não sabemos quanto disso foi fabricado em países como a União Soviética ou a quantidade roubada durante a relativa insegurança dos anos 90. Mesmo hoje há pontos em branco no mapa do mundo onde seria fácil esconder e contrabandear tais materiais, como a Transnístria.

"A Transnístria é um buraco negro", disse em 2011 o oficial do Ministério do Interior da Moldávia Vitalie Briceag sobre outro caso de contrabando de urânio para o país. "Nem nós nem nenhum serviço de segurança ocidental podem controlar o mercado negro lá."

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Esse paraíso do contrabando e a quantidade desconhecida de material nuclear circulando pelo mundo contribuíram para um número chocante de casos registrados de perdas, roubos ou contrabando. De 1993 a 2013, a Base de Dados de Incidentes e Tráfico da Agência de Energia Atômica da ONU, que só coleta dados fornecidos pelas 125 nações participantes, registrou 1.088 incidentes do tipo pelo globo.

Muitos casos, como o desaparecimento em 2013 de um carregamento de cobalto-60 no México ou dos 45 quilos de césio-137 que caíram de um caminhão no Cazaquistão neste ano, não são particularmente preocupantes em se tratando de componentes de bombas sujas. E o grosso dos casos envolvendo urânio, como as prisões no ano passado de contrabandistas em Nova York e em Durban, África do Sul, envolvia apenas "yellow cake" não enriquecido.

Ainda assim, mais de uma dúzia de incidentes durante esse período (e talvez outra dúzia no começo dos anos 90) envolviam UAE, às vezes em quantidade consideráveis. A veracidadede alguns desses relatos de roubo e contrabando é questionável, mas o volume geral sugere que, pelo menos, alguns deles são válidos. E um número chocante desses casos envolve nações do Leste Europeu, do Cáucaso e da Ásia Central, especialmente Rússia, Geórgia e Moldávia.

O primeiro caso de tentativa (fracassada) de roubo e contrabando de urânio para armamentos ocorreu na Rússia em 1992, envolvendo 1,5 quilo da substância. Isso foi seguido por casos em 1993, 1997 e (duas vezes) em 1998, envolvendo respectivamente 4,3, 5, 4,5 e 18,5 quilos de UAE – a maior parte supostamente de instalações de segurança e encomendada por compradores externos desconhecidos. São 32,3 quilos de urânio para armamentos, e esses são apenas os casos conhecidos e frustrados em algum ponto entre o roubo e a entrega.

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Casos de maior escala incluem quantidades menores, nunca acima de 1,8 quilo, apreendidas na Geórgia em 2001, 2006 e 2010 e na Moldávia em 2010 e 2011 (e, no começo deste ano na Ucrânia, num carro com placas da Moldávia). Mas as autoridades afirmam que essas pequenas apreensões são só a ponta de operações muito maiores. Desde 2012, a AEA da ONU tem argumentado que essa região está desenvolvendo cartéis de contrabando de materiais nucleares muito mais sofisticados e robustos, capazes de mover quantidades perigosas de material pelo menos na região.

Um caso recente, envolvendo um chinês que teria contrabandeado para o Irã suprimentos de urânio enriquecido feito nos EUA, também aponta para esse fato, e mesmo que esse material de baixa qualidade não seja perigoso por si só, organizações bem financiadas podem assegurar outros materiais para melhorá-los.

Individualmente, apreensões como a da terça-feira na Moldávia não são motivo para se preocupar. Nem pequenas apreensões de material nuclear pelo ISIS ou suas ameaças de construir uma bomba suja com esses suprimentos esgotados. O que preocupa é essa tendência da qual o caso da Moldávia e seus contrabandistas experientes se alimentam, com organizações maiores de criminosos habilidosos conseguindo movimentar muitos carregamentos pequenos e alguns maiores de material perigoso para compradores perigosos.

Com material de baixa qualidade suficiente, os compradores podem não conseguir criar uma bomba nuclear (a menos que sejam nações ricas), mas podem desenvolver uma bomba suja mais mortal e perturbadora – ou talvez muitas delas. E enquanto esperamos para ver o que o futuro nos reserva, a incerteza criada por essas forças sombrias e pelas inúmeras brechas na segurança nuclear vai cobrar um preço do público, assim como dos planejadores nucleares e de defesa.

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Tradução: Marina Schnoor