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Esse Especialista em Segurança Reconhece que Vigilância em Massa Não Impede Ataques Terroristas

Intervenção precoce visando identificar e ajudar indivíduos problemáticos antes que eles se tornem assassinos é a única solução.

Bruce Schneier. Foto cortesia de Bruce Schneier.

O ataque terrorista de hoje na região de Ródano-Alpes, França, envolvendo a decapitação de um homem, foi recebido com horror e condenações generalizadas. Assim como um ataque na Tunísia, que matou 28 pessoas, e outro no Kuwait, que matou 25, esses eventos terríveis vão alimentar discussões de como impedir esse tipo de atrocidade no futuro.

Depois do ataque de janeiro ao Charlie Hebdo em Paris, o governo francês decidiu agilizar a aprovação de uma nova lei de vigilância. Dois dias atrás, na quarta-feira, 24 de junho, oficiais franceses da Assembleia Nacional deram luz verde à legislação. A nova lei de vigilância da França já está sendo comparada ao falecido Patriot Act norte-americano – uma lei antiterrorista aprovada depois do 11 de Setembro nos EUA, criticada por seus amplos poderes que significaram que ela foi usada contra pessoas que não tinha ligação com terrorismo.

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Tais preocupações com liberdades civis serão menos sentidas hoje. O argumento de que pouca inteligência e falta de vigilância permitiram o ataque à fábrica de gás em Saint-Quentin-Fallavier já começaram a circular nas redes sociais francesas.

Em março, falamos com Bruce Schneier – um criptógrafo norte-americano especializado em segurança eletrônica. Em seu novo best-seller, Data and Goliath, Schneier argumenta que – além das implicações com liberdades civis – vigilância em massa não impede ataques terroristas. A entrevista ganhou um significado renovado depois dos eventos de hoje.

Polícia na cena do ataque de hoje. Screenshot via.

VICE: A NSA usa a metáfora "ligando os pontos" para justificar suas atividades de vigilância. Mas o governo norte-americano sofre para conectar esses pontos. Por que isso?
Bruce Schneier: Há muito barulho interno quando se faz vigilância em massa. O problema é que "ligar os pontos" não é o método correto nem a metáfora certa. Num livro infantil de colorir, ligar os pontos é muito fácil porque eles são muito visíveis – todos os pontos estão na mesma página e há números em cada um deles. Tudo que você precisa fazer é mover a ponta do lápis pela página, de um ponto a outro, e pronto – o desenho está feito.

Na realidade, esses "pontos" só podem ser vistos e ligados depois que coisas ocorrem – depois de cada ataque terrorista, se você preferir. Olhando depois, é fácil fazer a ligação entre, digamos, um requisito de informação vindo da Rússia, uma visita ao exterior e informação em potencial coletada em outro lugar. Assim, em retrospectiva, sabemos quem são os terroristas. Por isso podemos caçá-los, mas não impedi-los. Antes que um evento ocorra, há um número extremamente alto de "perigos humanos" em potencial, e um número ainda maior de cenários possíveis. Há variáveis demais para levar em conta e é impossível confiar num único curso potencial para os eventos.

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Você está dizendo que vigilância em massa não pode realmente impedir ataques terroristas nos EUA. Você diria o mesmo sobre a França?
Vigilância em massa não é confiável por razões estatísticas, não por razões culturais ou linguísticas. Essa análise é válida para todos os países, incluindo a França.

Eu estava pensando mais em termos de tamanho da população.
Isso não muda nada. Ataques podem vir de qualquer lugar. Então sim, vigilância em massa é ineficaz na França e em qualquer outro lugar.

Então a criação de um satélite que possa interceptar metadados e as caixas-pretas que operadoras francesas vão receber serão inúteis?
Sim. E isso pode negar o direito à privacidade para todos.

Por que a França quer adquirir esses sistemas?
Não posso falar pela França, mas tenho uma boa ideia de por que os EUA usam essas técnicas, mesmo sendo inúteis.

Quando oficiais de inteligência conversam em particular, eles reconhecem que vigilância em massa é ineficaz. Mas eles veem isso como um tipo de "seguro". Eles sabem que precisam estar prontos para fazer qualquer coisa para lutar contra a ameaça terroristas, mesmo se isso implica fazer algo que, na verdade, é ineficaz.

O problema é que os burocratas que tomam essas decisões não são as pessoas que vão sentir os efeitos negativos. Acho que a França está pensando o mesmo que os EUA.

Você acha que essas técnicas já existem na França e que a nova lei é só uma maneira de legitimar a vigilância em massa?
Sabemos que vigilância nacional não é algo novo na França – isso vem sendo praticado há décadas. Isso só aumentou desde que começamos a usar comunicação online cada vez mais. Então sim, a França está certamente tentando legitimar algo que já existe com essa lei, com certeza, do mesmo jeito que muitos outros países estão fazendo.

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Há alguma prova de que a vigilância onipresente que existe nos EUA – na internet, com conversas telefônicas – realmente ajudou a impedir ataques terroristas no passado?
Não. Agora é um fato claro que a vigilância em massa realizada nos EUA nunca impediu um único ataque. Em muitas ocasiões, pessoas pediram que o governo justificasse seus métodos de vigilância, e ele fracassou nisso. Às vezes o governo fornece cenários e planos vagos, mas os dados não resistem a nenhum teste.

Há maneiras melhores de impedir ataques terroristas, em sua opinião?
O que funciona e se provou eficaz várias vezes nos EUA é o uso de técnicas de investigação "convencionais" – seguir as pistas. No entanto, há uma ressalva importante aqui: nenhum método de vigilância ou investigação pode impedir um atirador solitário.

Simplesmente não há dicas suficientes para impedir um agressor antes que ele aja em casos assim. Indivíduos como o atirador de Fort Hood, Anders Behring Breivik ou os terroristas do Charlie Hebdo na França sempre serão um problema. Intervenção precoce visando identificar e ajudar indivíduos problemáticos antes que eles se tornem assassinos é a única solução.

Obrigado, Bruce.

Tradução: Marina Schnoor