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Fim da Festa no Camboja

As Câmaras Extraordinárias dos Tribunais do Camboja (CETC) estão conduzindo uma experiência única ao colocar no banco dos réus os sádicos mais cruéis do país.

Membros das Câmaras Extraordinárias dos tribunais cambojanos, uma experiência nacional única de julgamento de criminosos de guerra. Foto: Cortesia das CETC

O governo do Camboja não tem fama de levar justiça internacional ou julgamentos criminais muito a sério. Mas agora, longe de Haia, no lugar onde antes funcionava uma base militar nos arredores de Phnom Pehn, as Câmaras Extraordinárias dos Tribunais do Camboja (CETC) estão conduzindo uma experiência única ao colocar no banco dos réus os sádicos mais cruéis do país. Mais de 30 anos após o começo de seu reinado, o Khmer Vermelho está enfrentando seus dias na Corte. E pela primeira vez, em um caso que inclui crimes contra a humanidade e outra série de atrocidades, o país está trabalhando em parceria com a ONU.  É possível que você jamais tenha ouvido falar das CETC. Apesar de os líderes do Khmer Vermelho que estão sendo julgados terem feito parte de um dos regimes mais cruéis do século XX e terem sido figuras importantes na estranha geopolítica da era da Guerra Fria pós-Vietnã, a história desses julgamentos dificilmente vira manchete fora do Camboja. E apesar de as CETC possivelmente serem o novo modelo que substituirá tribunais distantes e lentos como o Tribunal Penal Internacional de Haia, seus julgamentos têm sido injustamente relegados a pequenos cantos das páginas de seções que ninguém lê nos jornais. Como me disse a relações públicas das CETC, Yuko Maeda, “É porque aconteceu em um local distante e há 30 anos. As pessoas prestam atenção ao Afeganistão, ao Iraque. Prestam atenção a outros lugares. Essa é uma história antiga para elas”. É verdade. Mas considerando a regularidade com a qual tanto governos legítimos sanguinários quanto governos ilegítimos hostis praticam assassinato em massa ultimamente, um método oportuno e eficaz para julgar esses casos parece ser um objetivo razoável—e nos faz pensar por que não existe um ainda. Há alguns anos, a Vice publicou uma reportagem sobre o traba-lho de um artista chamado Vann Nath, um dos poucos sobreviventes da notória prisão de Tuol Sleng, mantida pelo Khmer Vermelho, também conhecida como S-21. Em suas pinturas, Nath retrata a brutalidade da tortura que ele e outros prisioneiros sofreram nas mãos de Duch, o famoso diretor da S-21. Hoje, Nath é a testemunha principal do caso 001 das CETC, que foi concluído no fim do ano passado e cujo veredito deve ser anunciado ainda no primeiro semestre deste ano. Duch é o réu. Nath conseguiu sobreviver à sua passagem pela S-21 porque desenhava bons retratos de Pol Pot—ou Irmão Número Um, o líder demente e homicida do partido—e porque rabiscava várias outras propagandas. Nath é alto e magro, seus cabelos são brancos como a neve e suas sobrancelhas peludas. Quando o encontrei em sua galeria em Phnom Pehn, ele falava com muita calma e gentileza. “O sangue está nas mãos deles”, ele me disse a respeito dos poucos torturadores do Khmer Vermelho ainda vivos. “Não posso me reconciliar com os que não assumem seus erros.” Há 31 anos, em 7 de janeiro de 1979, depois de passar exatamente um ano na prisão, ele escapou com outros prisioneiros durante o caos que acompanhou a invasão do Camboja por tropas vietnamitas.