nacionalistas hindus atacam muçulmanos em Nova Déli
Todo o bairro de Gokulpuri, no nordeste de Deli, foi incendiado por multidões violentas no começo da semana. Fotos por Shaheen Abdulla.Nova Déli
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'Eles me arrastaram pela barba': sobreviventes recontam a violência em massa contra muçulmanos em Nova Déli

Enquanto o número de mortes na Índia chega a 20, com 250 feridos, um porta-voz do BJP insiste que “vai ficar tudo bem”.

No dia 25 de fevereiro, por volta do meio-dia, Mohammad Ishtiaq Khan – chamado carinhosamente de Raja pela família – estava em sua casa em Kabir Nagar no nordeste de Nova Déli quando ouviu gritos lá fora. “Hindustan mein rehna hoga Jai Shree Ram Kehna hoga (Se quer ficar na Índia, você tem que dizer Jai Shree Ram)”, “Aajao lelo Azadi (Tome aqui sua liberdade)”, gritava a multidão. Nervoso, o homem de 30 anos decidiu sair e ver o que estava acontecendo. Mas assim que passou pela porta, ele levou um tiro. Horas depois, ele estava morto.

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Lá fora, grupos violentos estavam causando o caos em Nova Déli – jogando pedras, atirando com armas de fogo, e incendiando casas e mercados – enquanto gritavam provocações. Mas para a família de Raja, o sofrimento ainda não tinha acabado. O sogro de Raja, Akhtar Khan, 50 anos, estava indo para o hospital com o filho de 18 Mohammad Bilal, para ver Raja, quando seu veículo foi parado por capangas não identificados. “Foi um inferno. Eles pararam o carro, nos arrastaram e bateram em nós com paus sem piedade”, disse Akhtar, a voz quebrando. “Eles me arrastaram pela barba”, ele acrescentou, começando a chorar. “Eles teriam nos matado se policiais não tivessem se aproximado do nosso veículo.”

Quando Akhtar chegou ao hospital, Raja já tinha morrido. Bilal sobreviveu, mas levou vários pontos na cabeça. Agora, a família está tentando receber o corpo de Raja para o enterro, o que está sendo negado pelas autoridades.

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Uma loja incendida no noroeste de Nova Déli com um coquetel molotov, supostamente atirado por uma multidão furiosa gritando slogans pró-nacionalismo hindu.

Nos últimos dias, protestos sobre a Emenda de Cidadania (CAA) causaram violência em massa no nordeste de Nova Déli, com grupos atacando bairros muçulmanos num estado de frenesi. No momento, cerca de 20 pessoas morreram e mais de 250 ficaram feridas. “Umas 50 pessoas foram internadas com ferimentos de bala, e mais de 10 morreram. Nunca vi nada assim”, disse um médico da ala de emergência do hospital Guru Teg Bahadur (GTB), onde os feridos pela violência foram levados, a VICE.

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Uma cena em frente ao hospital GTB em Nova Déli.

A violência começou na véspera da visita do presidente americano Donald Trump a Índia, e um dia depois que um líder local do partido da situação Bharatiya Janata Party (BJP), Kapil Mishra, alertou aos manifestantes para se conter ou encarar as consequências. Ele postou um vídeo no Twitter sobre um ultimato para um policial de que eles se controlariam durante a visita de Trump, mas que não obedeceriam se a polícia não limpasse as áreas onde manifestações anti-CAA estivessem acontecendo.

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Parentes das pessoas afetadas pela violência em massa choram em frente ao hospital Guru Teg Bahadur, para onde as vítimas foram levadas.

A parte nordeste da capital foi gravemente afetada, com muitos comércios e casas incendiados em bairros como Maujupur, Gokulpuri, Bhajanpura, Chandbagh e Gonda. “Estamos com medo aqui. A multidão pode voltar e nos atacar a qualquer momento”, disse um bombeiro no mercado de Gokulpuri, enquanto apagava um incêndio iniciado pela multidão violenta. Mohammed Khalid, que comanda uma loja em Gonda, disse que a multidão jogou coquetéis molotov neles, “como nos filmes”. “Eles tinham todo tipo de arma. Eu não estava protestando, só tenho uma loja na beira da estrada”, disse Khalid, cuja loja de sucos foi queimada pela multidão.

Outro morador, Khalid Ahmed, que sofreu ferimentos no braço, acusou a polícia de ficar do lado dos grupos violentos. “[A polícia] jogou pedras na gente com a multidão e não os impediu. Estamos à mercê deles”, Ahmed disse a VICE.

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Oficiais da polícia de Nova Déli sentados na calçada perto de uma estação de metrô no nordeste da cidade. Muitas pessoas disseram que a polícia ficou do lado dos grupos violentos durante os ataques.

No momento, a administração local deu permissão para a Polícia de Nova Déli atirar nas multidões violentas em várias áreas, incluindo Chandbagh e Bhajanpura. Anil Mittal, comissário assistente da polícia local, se recusou a comentar sobre as alegações de que a polícia permitiu a violência da multidão, e disse a VICE que “está fora da minha alçada” falar sobre a questão.

Ao mesmo tempo, jornalistas cobrindo a violência também estão sendo atacados; algumas pessoas até exigiram que eles revelassem suas religiosidades. Um repórter da JK 24X7 foi baleado e dois repórteres da NDTV foram espancados pelos participantes da revolta. “Tivemos que esconder a identidade do nosso amigo cobrindo a situação em Maujpuri. Ele era muçulmano, e a multidão nas ruas estava abusando incessantemente dos muçulmanos e pedindo que o sangue deles fosse derramado”, disse Arjun, jornalista freelance e professor da AJK Mass Communication Research Centre em Nova Déli.

Enquanto isso, o BJP acusa “elementos antinacionais” de tentar retratar uma imagem ruim do país para o mundo incitando violência. “O crescimento da violência precisa ser visto através do prisma da visita do presidente americano Donald Trump a Índia”, disse Harish Khurana, porta-voz do BJP, a VICE. “Muitos elementos anti-Índia querem difamar o país e quando essas autoridades internacionais visitam, eles provocam as pessoas.” Quando perguntamos qual o papel dos líderes do partido como Kapil Mishra e Abjay Verma em provocar a violência, Khurana disse que as alegações não têm base. “Nossos líderes estão pedindo paz”, ele disse. “Pedimos aos moradores de Nova Déli para manter a paz e não acreditar em rumores. Tudo vai ficar bem.”

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Um carro incendiado pela multidão em Chandbagh.

Matéria originalmente publicada na VICE Índia.

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