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Música

Game of Drones, o musical

Primeira temporada, 14 episódios.

Atenção, isto são apenas uns episódios. Claro que a história dá para mais, outra temporada talvez, se faltar alguma coisa, faltará certamente. Mas vamos aos drones. Agora que os drones estão na moda, é hora de falar no “Drone”, o que já existia antes dos aviões-sem-piloto-mata-iraquianos e dessas aves cada menos raras que infestam hoje os céus dos eventos com olhos de Go Pro. O drone primordial, música para alguns ouvidos, o som que pausa e se estica num tom único até ao que parece ser o limite do seu tempo; a nota que se arrasta até ao que parece ser o infinito; a melodia que surge no mais pequeno contraste entre estas notas únicas e prolongadas, como que um bolo de camadas, que se degusta lentamente, em câmara lenta. Tanto é

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au ralenti

que já há modinhas estranhas como a que encontramos no youtube com drones maravilhosos saídos de efeitos especiais como tornar uma música do Bieber 800 vezes mais lenta. Ouvi-lo assim torna-o desprovido de qualquer

xunguice

, torna-o em algo “gótico cósmico”, parece um anjo alienígena que trova algures num convento-nave noutra galáxia.

Mas experiência à parte, seguimos no laboratório, avisando-vos que isto irá em crescendo. Extrair drone de discos desacelerados até à preguiça máxima da nota, é o que tem feito James Taylor (não confundir com totó do soft-pop), antes habituado ao beat techno dos Swayzak, hoje, cabeça, tronco e membro dos Lugano Fell. O minimalismo do seu techno aqui maximiza o mini, reduz a música de discos de sinfonias clássicas e óperas a drones que nos ficam no radar mal colocamos os auscultadores. E não o faz apenas com discos velhos em loop como o muito interessante The Caretaker (ver “A Empty Bliss Beyond This World”). James torna os loops do Caretaker 800 vezes mais lentos. Santo Drone! E se quisermos tehno minimal outra vez, é só jogar: tirem os auscultadores rapidamente do ouvido e voltem a pôr, repitam várias vezes, alternando o ritmo dese tira-e-põe. As vezes que quiserem. Vão ver que maravilhosa auto-pista de dança são vocês.

<a href="http://mentalgroove.bandcamp.com/album/arcxicon" data-cke-saved-href="http://mentalgroove.bandcamp.com/album/arcxicon">Arcxicon by Lugano Fell</a>

Com nome de vilão num conto de fantasia, Ekkehard Ehlers, alemão mestre do house minimal, cientista sonoro por trás do clássico “Kiss Tomorrow Goodbye” como Auch, eis uma obra-prima do drone. Uma de duas homenagens a um dos reis do cinema, John Cassavetes, é um tema incluído no sensacional “Ekkehard Ehlers Plays” e sem dúvida o mais puro no registo. Autêntico hino da busca da eternidade, convém não ouvir enquanto se conduz alguma máquina. Pode-se ir em frente em alguma curva. E parece bem mais Béla Tarr do que Cassavetes.

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Contemporâneo de Ekkehard nas suas aventuras drone, o austríaco Fennesz tinha de estar aqui. Não se pode sequer considerar que seja “mainstream”, porque não há “mainstream” nesta música, mas se houvesse, seria Fennesz o responsável por levar o drone embalado em pop às massas, poucas, mas mesmo assim, mais gente do que qualquer outro. O seu

uber-classik

“Endless Summer” quando a espaços apanha o comboio de uns My Bloody Valentine com o seu drone-pop-seminal de “All I Need” ainda mais dronificado, dá-nos um nutritivo sumo extraído da guitarra que queremos ouvir para sempre. Ele próprio, com disco novo em 2014, ainda anda por aí. Entre os pingos da chuva e em câmara lenta claro.

My Bloody Valentine dronificados. Antes de Fennesz já por cá andava desde os 90s do século XX, o senhor Cortez e os seus Loveliescrushing, perdidos num estúdio algures num deserto do Arizona, a rezar a Igreja do Hino Sagrado

All I Need

. Ouvir a sua música é entrar na mente do Kevin Shields em peyote, onde ao invés do Bieber, aparece a Rihanna 800 vezes mais lenta nos coros.

Pronto, já agora, tanto foi falado, talvez a melhor peça de drone-pop da história: “All I Need” dos My Bloody Valentine.

Chegou a hora do pai: La Monte Young. Provavelmente somos fãs dos fãs dele, a começar por John Cale ou Tony Conrad (que tocou com os Faust). Sem ele não haveria Sister Ray dos VU, muito menos o

Metal Machine Music

 do Lou Reed. O cowboy de Idaho por trás do Theater of Eternal Music a.k.a. The Dream Syndicate. Repetição é com ele. É como o seu amigo Terry Riley ultra-influenciado pela música oriental, pelo budismo e pela meditação. E foi ao som da tambura, no fundo o verdadeiro instrumento inventor da música de uma nota só, que nesse mantra exaustivo saiu da loopalhada-manual (maravilhosa) do colega Riley e fez surgir o drone eléctrico. Com guitarras, baixos e violinos, consegue espessar o som como que se as melodias se colassem em viagem até uma pequena mudança de velocidade.

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Falámos do pai, vamos lá falar do avô. Pandit Pran Nath, mestre indiano da escola Kirana Gharana, reputado mas algo impopular na Índia, uma espécie de artista “indie”, devido ao uso excessivo – isto na opinião popular - de “tempi” na “alap”. Ou seja, na construção da base da sua raga, o “alap”, Pran Nath usava e abusava de tempos monocórdicos prolongados, arrastados a bordo do som da tambura como que se estivesse embebido em calmantes. Esta singular banda sonora para meditação fê-lo visitar os seus fãs nos EUA, “filho” La Monte Young incluído, onde deu aulas à pandilha inteira de compositores minimalistas e hippies amantrificados. Namaste drone ocidentalizado.

Uma senhora dronificadora. A maestra da “Third Ear Music”, o apelo a todos os sentidos multiplicados por dronilhões. Maryanne Amacher. Thurston Moore dos Sonic Youth é seu amigo e fã. O drone vem de dentro, é gutural, no sentido voltaico. O que é isso? Não sei, acabei de inventar.

Homem de títulos maravilhosos que dizem tudo sobre isto, como “Music On A Long Thin Wire”, Alvin Lucier deu-nos um dos melhores exemplos de como uma melodia terrestre, ou uma voz humana, quando fustigada calmamente com a repetição exaustiva, entre cambiantes de tempo, se torna noutro ser, já de outro mundo, extraterrestre. Para ouvir sentado ou não, eis a meditação.

Pauline Oliveros e a sua “Deep Listening” gravada numa cisterna para optimizar as cadências lentas que o eco claustrofóbico dá a cada nota, lançou o drone para a fronteira de algo mais pesado, como umas décadas mais tarde se haveria de constatar (estar à frente do seu tempo é assim). O xamanismo desta caldeirada liquidificada de voz, acordeão, trombone e didjeridoo, fez explodir a música ambiente e o melhor new age na sua vertente mais minimal, nestas cortinas espessas de som nasceram os dedos pesados e lentos no teclado de Steve Roach e muitos outros magos do ritualismo digital.

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Tim Hecker. O canadiano que rebentava no minimal com Jetone antes de se dedicar ao drone e à música ambiente (Techno 0 — Drone 1, mais uma vez). Mago na arte de conduzir o barulho mau para barulho bom e dele fazer derivar proto-melodia AM organizada no nosso rádio-cabeça. Continua hiperactivo, com um disco maravilhoso no ano passado, mas este “Harmony in Ultraviolet” começa a ser insuperável.

Eis William Basinski, o norte-americano que aperfeiçoou o drone na busca da felicidade, tanto, que a encontrou. Quem o ouve também a encontra. Até com as torres gémeas do World Trade Center a arder no 9/11 como pano de fundo, neste pano não há nódoa, a felicidade irrompe pelos poros, até à flor da pele e floresce sem dar comichão. A plenitude melódica dos sentidos no seu auge absorvente. O loop de drone atrás de drone e da sua decadência entretanto e neste por enquanto só se pode pedir mais, mais.

Nota: faltam claro, Phil Niblock, Stars of the Lid, e muitos mais, provavelmente para uma segunda temporada. Mas calma, não poderia faltar Eliane Radigue. A rainha do drone, a deusa nas microinterferências, a francesa que foi mulher do homem que tornava lixo em arte — Arman — ela mesmo capaz de transformar uma frequência sonora (provavelmente lixo para muita gente) numa sinfonia paciente em busca do opus, muitas vezes apenas uma aumentar de volume. Imaginem-se de auscultadores a sentir o vosso próprio “pi-pi” cadenciado do bater cardíaco, enquanto estão em coma, até ao momento em que despertam, imaginem esse aumentar de pulsação. Eliane consegue dar empirismo ao que poderia ser só virtual. “Digital drugs”

avant la lettre

. Para uns “música”, para outros música, sem aspas.