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Ser mulher e ficar careca é uma merda

Há oito meses que sou semi-calva e continuo lixada, não vou mentir.
Fotografia de Ariel Camilo

Se calhar parece mal dizê-lo, mas sempre fui uma gaja atraente e com muita pedalada. Embora nunca tenha valorizado muito o facto de ter êxito pelo meu físico, estava habituada a dar nas vistas, a que olhassem para mim, a ter que espantar os garanhões. Por isso, quando perdi um dos meus maiores atributos, caiu-me o mundo em cima: eu, que sempre abominei as pessoas frívolas.

Aconteceu mais ou menos de repente. Há umas semanas que sentia que o cabelo me caia mais do que o normal, mas não dava grande tempo de antena a este tema. Tinha outras coisas em mente que precisava de resolver, como encontrar uma casa onde viver, depois de ser abandonada pelo meu namorado, e ter ficado num apartamento que não podia pagar sozinha.

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Há um dia fatídico na história da minha alopecia feminina. Nesse dia levantei-me tarde, como sempre, e por isso tive de sair a correr para ir trabalhar. Um clássico. Meti-me na banheira, saí, enrolei uma toalha na cabeça, e quando a tirei para me pentear vi que me estava a cair o cabelo. Sem parar, aos punhados de dez fios de cabelo, quinze, mais e mais, sem parar. Como num pesadelo, eu continuava a pentear-me, à espera que deixasse de cair. Aquilo não era normal. Em dez minutos a minha casa de banho estava repleta de fios de cabelo que formavam uma madeixa enorme. Quando peguei neles com as duas mãos, fiz uma grande bola, e fiquei ali, a olhar para ela, atónita.

O coração batia-me a mil à hora, e com um sorriso aterrorizado aproximei-me do espelho que tenho à entrada de casa. Com as duas mãos puxei o cabelo para trás, e vi que tinha uma das duas entradas completamente calva. O cabelo que nascia naquela zona tinha recuado pelo menos um par de centímetros. Não me tinha apercebido, já que tenho uma testa de proporções épicas. Uso franja desde miúda. Mas vamos lá ver, porque é que só me tinha caído o cabelo de um dos lados? E o outro lado? O que é que se passa? Estas coisas funcionam de forma simétrica. Não é assim que funciona a natureza? Não podia ser verdade.

Cheguei ao trabalho muito abalada, metade pânico, metade estado de choque, pelo que tinha acontecido. Com a esperança de que tudo aquilo fosse uma espécie de alucinação, voltei a puxar o cabelo para trás, e perguntei à minha colega mais íntima:

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- Das duas entradas, qual é a maior?

Tenho a sua cara gravada na retina, todo um poema:

- Fónix, uma é bastante maior que a outra. O que é que te aconteceu?

Não fazia a mínima ideia.

Depois disto seguiram-se dias de desespero e angústia. Em apenas umas semanas, a minha antiga fantástica franja era agora um conjunto de meia dúzia de cabelos, em fila indiana, e na zona do risco também começava a ver-se o couro cabeludo. O suplemento nutricional anti-queda que me tinham receitado na farmácia não era de grande ajuda, nem o champô, nem as ampolas. Foi então que decidi ir ao médico.

Na consulta repeti o mesmo gesto de sempre. Uma mão de cada lado, cabelo para trás, cara aflita:

- Aqui também, na zona do risco.

- Tens andado muito nervosa?

- Bem, ultimamente sim.

A ideia não era estar ali a contar ao médico que há apenas dois meses o meu namorado (com quem tinha estado durante cinco anos) tinha desaparecido de casa, de repente, como naquele mito urbano em que protagonista vai comprar tabaco. Não estava a passar o meu melhor momento, não.

O seu olhar, o seu tom de voz, e as suas palavras escolhidas a dedo deixavam transparecer a compaixão que sentia pela jovem donzela que tinha à frente. Que uma mulher fique sem cabelo, sobretudo na flor da idade, é uma catástrofe de dimensões épicas, uma maldição. Uma mulher sem cabelo? Uma mulher sem cabelo não é uma mulher. Disse-me que íamos fazer umas análises para ver como estavam os meus níveis hormonais, e que íamos resolver o problema. Sim, claro que sim.

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As análises não revelaram um anomalia muito descomunal nos níveis andrógenos (hormonas masculinas), por isso não se tratava de uma alopecia androgénica, o que em si teria sido um problema, porque o cabelo não voltaria a crescer, por muito que rezasse a Santa Rita. Não podiam dar-me outra explicação que não fosse o stress, que seria uma coisa transitória, que aguentasse um bocadinho. Quando te dizem que o cabelo te cai por causa do stress só te provocam mais stress. A sério. É um círculo vicioso capaz de conduzir-te à loucura. "Vá, acalma-te, isto não é nada", dizes a ti própria, mas encontrar madeixas perfeitas na almofada, no banho, no sofá, na casa-de-banho, em todos os cantos do espaço que habitas, não ajuda a tranquilizar-te.

No meu universo a coisa não podia piorar. Aquilo transformou-se numa obsessão, e não podia pensar noutra coisa. Estava deprimida, chorava o tempo todo, tinha deixado de sair e não queria ver ninguém. Passava horas infinitas do meu dia a pesquisar na internet, participava em fóruns femininos onde outras infelizes, como eu, explicavam o quão desmoralizadas estavam. Procurava desesperadamente um testemunho que revelasse a existência de algum produto milagroso, e entrava em pânico quando ouvia falar em perucas.

Quatro meses depois daquele dia nefasto que contei ao princípio, o meu cabelo não era nem sequer a sombra do que tinha sido. Tinha perdido mais de metade do cabelo, e a entrada esquerda estava bastante mais avançada que a direita (fenómeno que nunca souberam explicar-me). Para não falar da área (de aproximadamente seis centímetros de diâmetro) na coroa da cabeça, que estava completamente arrasada, e onde apenas sobreviviam, estoicamente, dois ou três cabelos.

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Experimentei pentear-me de várias maneiras: com o risco a um lado, para tentar tapar aquela entrada, ou com rabos de cavalos estratégicos, para tentar distribuir bem os fios de cabelo que me sobravam…

Naquela altura do campeonato eu continuava com o meu tratamento de Minoxidil, tomava a pílula há dois meses, para solucionar o meu pequeno desequilíbrio hormonal, e empanturrava-me de suplementos vitamínicos. Tentava comer da forma mais saudável possível, experimentei a meditação, até fui a consultas de psicoterapia. Quando a psicóloga, depois de dez minutos, me disse que o melhor que podia fazer era aceitar o que estava a acontecer, caiu-me o mundo aos pés.

- Fecha os olhos e repete para ti própria que talvez este problema nunca se solucione. Tenta dizer essa frase e senti-la. Autoriza-te a sentir essa emoção.

Mas o que é que esta gaja estava para ali a dizer?

Sai dali desfeita em lágrimas, como se me tivessem dito que os meus pais tinham morrido num acidente de automóvel. Aquilo era a gota de água. Até àquele instante não tinha contemplado essa possibilidade, de que o meu problema poderia durar para sempre. Chorei e chorei. Chorei tanto que entendi quando dizem que: choraram tanto que ficaram sem lágrimas. Esvaziei-me. Tinha a sensação de que já nada era importante, de que nada valia a pena, que nunca mais voltaria a ser feliz, e essa sensação era tremenda. Tive medo de enlouquecer.

Não sei bem quando é foi, mas de repente algo mudou dentro da minha cabeça, e assumi que life is life, e que era hora de comandar a minha vida. Não sabia se o meu problema tinha remédio, mas a vida à minha volta não parava e eu tinha de sair daquela letargia.

Há oito meses que sou semi-calva e continuo lixada, não vou mentir. Mas também é verdade que estou melhor. O cabelo está a crescer-me outra vez, embora sem a força nem a densidade de antes. Aprendi a disfarçar, e descobri quais são as melhores posturas para não ser "destapada" durante o sexo. Acho que aceitei que tinha este problema, tal como me pediu a psicóloga. Significa que estou feliz e contente? Não, não estou. Ficar careca é uma filha da putice sem igual.