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Crooked Men

O Crime Organizado Compensa

A vida de um mafioso é horrível, desolada e quase monástica. O que as pessoas não entendem é que mesmo um chefe da máfia vive como um rato de esgoto. Eles precisam esconder sua riqueza, arriscar a própria vida e a vida de seus parentes.

Na imaginação popular, estar envolvido com o crime organizado significa morar numa bela mansão, ter muitos carros e estar cercado de lindas mulheres. Nada pode estar mais longe da verdade. A vida de um mafioso é horrível, desolada e quase monástica. O que as pessoas não entendem é que mesmo um chefe da máfia vive como um rato de esgoto. Eles precisam esconder sua riqueza, arriscar a própria vida e a vida de seus parentes. Eles se tornam fugitivos, morando em bunkers subterrâneos minúsculos de apenas alguns metros quadrados, e raramente veem a luz do dia e seus entes queridos. Eles entendem, assim que entram nesse caminho, que isso só pode terminar de dois jeitos: ou eles acabam na cadeia ou são mortos pelos inimigos.

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Estou falando especialmente dos mafiosos de hoje, a geração atual de criminosos italianos poderosos, ricos e influentes. Eles vivem na busca de apenas dois objetivos: poder e dinheiro. Mas isso não significa que é isso que eles conseguem imediatamente.

Quando se junta à máfia, você começa com um salário inicial baixo. Seu título será picciotto d'onore ("garoto de honra") se você for da 'Ndrangheta calabresa ou guaglione ("garoto") se for da Camorra napolitana – seja lá como for chamado, você não vai fazer tanto dinheiro assim apesar de, provavelmente, ganhar mais do que conseguiria num emprego legal nessas partes do sul da Itália. Você pode tirar de US$ 2.500 a US$ 4 mil por mês no começo. Aí, quando assumir mais responsabilidades (e se conseguir sobreviver), seu salário sobe para algo entre US$ 6.500 e US$ 13 mil por mês. Se você trabalhar até se tornar um braço-direito do chefe, você pode receber mensalmente de US$ 32 mil a US$ 38 mil. Caso se torne um vicecapo, o segundo no comando, os ganhos sobem para cerca de US$ 130 mil mensais. E os chefes… bom, é impossível adivinhar quanto eles tiram por mês.

No geral, organizações criminosas têm muitos membros, mas a maioria não ganha tanto assim, mesmo que seu trabalho seja perigoso. Já chefes de zonas (aqueles que controlam uma "piazza", ou seja, um território fixo) e capos podem tirar quantias significativas. Membros da La Santa, uma sociedade secreta formada pelos membros do mais alto escalão da 'Ndrangheta, supostamente ganham US$ 130 mil por mês. Os salários de chefes de zona em Scampia (o eixo do tráfico de drogas napolitano) variam de US$ 65 mil a US$ 230 mil. E eles têm outros benefícios, como carros, propriedades e ações de companhias legítimas.

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E cada clã oferece o próprio tipo de seguro. Se você tem uma criança deficiente, seu salário-base sobe. Se (ou quando) você morrer, sua família recebe dinheiro para seu enterro e um "subsídio por morte". Quando um membro de um clã poderoso é morto, a família pode decidir receber uma soma que varia de US$ 130 mil a US$ 260 mil ou uma ajuda de custo mensal, que é paga a viúva, mãe ou namorada (desde que ela seja mãe de seus filhos) do morto. Também há subsídios por prisão.

Nunca vou esquecer uma cena que testemunhei alguns anos atrás num tribunal em Nápoles. Uma família da Camorra estava sendo julgada e eu fui assistir ao julgamento, como geralmente faço. Quando o juiz leu a sentença, vi um dos réus, um rapaz de uns 24 ou 25 anos, cobrir o rosto com as mãos quando ouviu que pegaria oito anos de prisão. Ele estava na jaula, a cela de onde os réus participam do julgamento. Um dos meus guarda-costas policiais, depois de ver quão jovem o rapaz era, tentou confortá-lo: "Se você se comportar, sua sentença vai ser reduzida. Você vai ver", ele afirmou. "E essa ainda é a primeira instância. A sentença pode mudar." (Na Itália, há três instâncias, e as duas primeiras aceitam apelação.)

O cara levantou a cabeça e respondeu: "E agora? Quem vai contar para minha esposa que peguei só oito anos?". Acontece que ele estava chateado, porque, de acordo com as regras de sua organização, se ele pegasse uma sentença de dez anos ou mais, sua família receberia quase US$ 4 mil por mês; mas como ele pegou apenas oito anos, o subsídio seria, se muito, metade disso.

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Crescendo no território da Camorra, sempre entendi que nem assassinato paga particularmente bem. Execuções são atribuições especiais, separadas dos negócios cotidianos do crime organizado, o que rende um bônus aos assassinos (geralmente cerca de US$ 3.200 a US$ 4 mil), além de outras vantagens. Depois de um ataque, o assassino é imediatamente levado a um lugar mais seguro, fora da área onde ele normalmente trabalha. Uma vez, anos atrás, um matador assassinou uma jovem em Nápoles por US$ 2.600: ela foi torturada, morta e queimada; em seguida, ele foi mandado à Eslováquia, onde as autoridades não poderiam encontrá-lo.

De muitas maneiras, se juntar a uma organização criminosa é quase como conseguir um emprego numa firma de advogados ou em qualquer outra instituição grande: você começa ganhando uma quantia que mal dá para viver, mas sabe que está pagando suas contas. As tarefas, no começo, são rotineiras e, às vezes, humilhantes, mas suas atribuições são de maior prestígio quanto mais rico e importante você se torna. Os US$ 2.500 que um picciotto ganha hoje podem virar milhões de dólares se ele se tornar um chefe – um processo que, com sorte, pode levar apenas alguns anos. Também há uma certa lógica em se tornar um matador da máfia – matar alguém quase com certeza vai fazer avançar sua carreira, porque você não pode se tornar um chefe da máfia se não tiver talento militar e visão econômica. Se você é simplesmente um soldado ou apenas um trabalhador de colarinho branco, você nunca vai se tornar um chefe.

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Ocasionalmente, um clã pode ficar sem dinheiro, geralmente porque está sob pressão da mídia e da polícia. Para lidar com isso, eles levantam o capital extorquindo mais dinheiro dos donos de negócios. No Natal, por exemplo, um clã pode obrigar as lojas a dobrar o preço do panettone para pagar o bônus de final de ano de seus membros encarcerados. Em casos extremos, quando o clã está realmente em apuros, ele pode autorizar roubos. Mas isso é muito raro para a máfia italiana – como a prostituição, tal crime é considerado "sujo", ou seja, desonroso. (Por outro lado, a máfia não vê problema em aceitar uma porcentagem do lucro saído dessas atividades realizadas em seu território.)

A primeira coisa que organizações criminosas como a máfia oferecem a seus membros é segurança. Se fizer tudo direito, você é recompensado. Se cometer um erro, você morre ou vai para a cadeia por um longo tempo. Mas alguém vai tomar conta da sua família e alguém vai pagar pelos seus advogados. Esse tipo de acordo é bastante raro hoje em dia – muitos trabalhadores não têm como garantir seu sustento se se machucarem no trabalho. Quantas pessoas trabalham honestamente por décadas no mesmo emprego sem receber um aumento decente? Esse é o verdadeiro poder – e apelo – da máfia.

Traduzido do italiano para o inglês por Kim Kiegler.

Roberto Saviano é um escritor e jornalista italiano. Ele é o autor de Gomorra e Zero Zero Zero. Nos últimos oito anos, ele tem vivido sob proteção policial por causa de ameaças de morte feitas pela Camorra. O filme Gomorra, baseado no livro, recebeu o Grande Prêmio de Cannes em 2008; a série de TV, que estreou em 2014, é distribuída para 50 países. Siga-o no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor